Neste 10 de maio é celebrado o Dia Mundial do Lúpus, doença inflamatória autoimune que que pode afetar múltiplos órgãos e tecidos, como pele, articulações, rins e cérebro. Estima-se que cerca de 200 mil pessoas no Brasil e cinco milhões no mundo tenham a doença, que é considerada crônica e sem cura.
Recentemente, uma substância usada no tratamento, a cloroquina e seu derivado, a hidroxicloroquina, foi apontada como tratamento do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Embora não tenham evidências científicas que sustentem, a teoria impulsionou uma corrida da população às farmácias, deixando os estoques zerados em uma busca por auto-medicação, o que dificultou a vida de muitos pacientes com lúpus.
Meus pacientes me ligaram desesperados, pois não estavam encontrando o remédio e pedindo alguma outra alternativa. Por sorte algumas farmácias de manipulação nos ajudaram”, conta a reumatologista Aline Assaf, que atende no centro clínico do Órion Complex.
Para conter o uso descontrolado do medicamento, em março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) passou a considerar a hidroxicloroquina e a cloroquina como medicamentos controlados. Aline ressalta que não há evidências conclusivas sobre a eficácia destas drogas contra o coronavírus, nem sobre a segurança de seu uso em pacientes da nova doença. Por isso, é um dos objetos de vários estudos em andamento.
Foi muito importante o controle sob receita, pois agora só quem realmente precisa irá comprar”, afirma Aline, que lembra ainda que a medicação também é usada para doenças como artrose e artrite reumatóide. “É um dos medicamentos mais utilizados para tratar o lúpus, assim como para evitar reativações da doença”.
Embora não existam comprovações científicas, a droga tem sido apontada para o tratamento da Covid-19 e, consequentemente, muito procurada pela população em geral. A falta desse medicamento nas farmácias afeta diretamente os pacientes com lúpus, visto que, para o tratamento dessa enfermidade, a eficácia da hidroxicloroquina é comprovada e extremamente benéfica.
O medicamento age tanto nas manifestações clínicas, articulares e cutâneas, quanto na renal, podendo evitar a formação de trombos, diminuindo a mortalidade e aumentando a sobrevida de pacientes com lúpus”, ressalta Nafice Costa, vice-presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia (SPR).
Doença acomete dez vezes mais mulheres do que homens
O lúpus é uma doença autoimune, crônica e inflamatória que pode comprometer órgãos como pulmão, coração, cérebro e rins, também pode atingir as células do sangue, levando à anemia, à redução das células de defesa e plaquetas. Trata-se de uma enfermidade que evolui de forma rápida, em semanas ou meses. A principal causa é a predisposição genética, mas os fatores que desencadeiam a doença podem ser o excesso de exposição ao sol, a taxa elevada de estrógeno e até mesmo picos de estresse.
A doença acomete mais as mulheres (1 homem a cada dez mulheres), especialmente em idade fértil, entre 15 e 45 anos, com leve predomínio na raça negra. No Brasil, estima-se que haja 65 mil pessoas com a doença. Quando acontece em homens a doença pode se manifestar de forma mais grave. Aline Assaf esclarece que é possível controlar a doença e viver bem com ela. “O tratamento é realizado pelo reumatologista e a frequência de consultas varia de acordo com a forma com que o lúpus afeta cada paciente”, afirma a médica, que possui dez anos de experiência na área.
Sintomas
Os sintomas iniciais envolvem perda de peso, fraqueza, queda de cabelo e febre. À medida que a doença inflama os tecidos, estes também apresentam manifestações clínicas – pele com lesões avermelhadas em áreas mais expostas ao sol, como rosto e braços. Os pacientes também podem sentir dor nas articulações. “Acordam com dor e, algumas vezes, apresentam artrite, que é a junta inflamada, que fica inchada, vermelha e quente”, explica a reumatologist
O diagnóstico do lúpus é baseado nessas manifestações clínicas e em exames laboratoriais, de sangue e urina, e de imagem. “Não existe um exame específico para diagnosticar o lúpus, mas o FAN, que é um anticorpo de fator antinuclear, está presente em 98% das lúpicas. Então, a presença de um FAN em pacientes com manifestação clínica permite o diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico”, esclarece a dra. Nafice.
Tipos da doença
Doenças autoimunes são aquelas em que o sistema imunológico da pessoa ataca tecidos saudáveis do próprio corpo, por engano. A maioria delas são crônicas, ou seja, não são transmissíveis, no entanto muitas delas podem ser controladas com tratamento. O lúpus está relacionado à predisposição genética e afeta mais as mulheres que os homens, e mais adultos jovens que crianças e idosos pode ser desencadeado por fatores hormonais e ambientais, tais como: luz solar, infecções e alguns medicamentos.
São reconhecidos dois tipos principais de lúpus: o cutâneo, que se manifesta apenas com manchas na pele (geralmente avermelhadas ou eritematosas, daí o nome lúpus eritematoso), principalmente nas áreas que ficam expostas à luz solar (rosto, orelhas, colo (“V” do decote) e nos braços) e o sistêmico, no qual um ou mais órgãos internos são acometidos. “Normalmente, a pessoa já tem uma predisposição e a doença é desencadeada por algum fator ambiental, como exposição ao sol, processos infecciosos ou fatores hormonais como, por exemplo, puberdade, gestação e uso de hormônios”, explica.
Tratamentos
O tratamento é feito tanto com remédios quanto com dietas, diminuindo o uso de açúcares, sal e gorduras, e aumentando a ingestão de cálcio e vitamina D – que tende a diminuir, já que pessoas com lúpus não devem se expor ao sol.
Segundo a vice-presidente da SPR, “o atual arsenal terapêutico é bem razoável, o que tem aumentado bastante a sobrevida desses pacientes”. Ela também explica que as atividades físicas têm um papel importante no tratamento da doença, pois ajudam a melhorar as dores e a fadiga que os pacientes frequentemente sentem. “Além de melhorar a autoestima, o que é fundamental nesses casos.”
Tratamentos medicamentosos da Covid-19
Eder de Carvalho Pincinato*
Muitos estudos e opiniões sobre o tratamento da covid-19 com cloroquina e hicroxicloroquina têm ganhado a mídia nas últimas semanas. O seu uso está indicado? Os estudos são confiáveis e “robustos”, cientificamente falando?
A indicação para utilização da cloroquina e hidroxicloroquina se iniciou na China, ao observarem que pacientes que já faziam uso deste medicamento apresentaram melhora da pneumonia causada pelo coronavírus, concluindo que “…os resultados de mais de 100 pacientes têm demonstrado que tratamento com fosfato de cloroquina é superior ao tratamento com placebo na inibição das exacerbações da pneumonia”( Zhaowei Chen).
O primeiro estudo científico publicado sobre o assunto foi o francês Clinical and microbiological effect of a combination of hydroxychloroquine and azithromycin in 80 COVID-19 patients with at least a six-day follow up: A pilot observational study (Gautret e cols.). Este estudo concluiu que há benefício terapêutico da utilização da cloroquina ou hidroxicloroquina, principalmente quando associado à azitromicina, diminuindo-se os dias de utilização da ventilação mecânica e também do potencial de infectividade do paciente, porém este estudo foi fortemente criticado no meio científico.
No dia 8 de abril, foi publicado um Editorial na revista científica BMJ (Ferner), que desaconselha a utilização, discutindo que os artigos apresentados até o momento são pobres e sem força científica para uma indicação segura para o tratamento. A segurança e a efetividade são justamente os pontos de discussão da indicação da cloroquina e hidroxicloroquina, uma vez que podem ocorrer eventos adversos de sua utilização e ainda é controverso na literatura se ela é efetiva para o covid-19. Estes eventos são raros, mas incluem hepatite fulminante, anemia hemolítica, reações cutâneas graves, arritmias cardíacas e problemas oculares.
Diante desta controvérsia, alguns hospitais brasileiros estão utilizando a cloroquina e hiroxicloroquina apenas em pacientes graves, outros estão realizando estudos clínicos em parceria com a OMS, no chamado Solidarity (solidariedade, em inglês), que estuda quatro possibilidades terapêuticas, dentre elas a cloroquina e hidroxicloroquina, para definirmos claramente a eficácia terapêutica destes medicamentos, ou a sua exclusão como proposta terapêutica.
Mais recentemente, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) informou que está desenvolvendo um estudo com 500 pacientes distribuídos em todo o Brasil, para testar um medicamento selecionado pelo CNPEM. Em breve todos estes resultados serão publicados e teremos uma indicação científica mais robusta para a tomada de decisão sobre o tratamento medicamentoso do covid-19.
Eder de Carvalho Pincinato é coordenador do curso de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie.