A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (Fundherp), em parceria com o Instituto Butantan, a realizar um ensaio clínico no Brasil com uma técnica considerada mais promissora do momento no combate ao câncer no sangue. O CAR-T Cell (sigla em inglês que refere-se a um receptor de antígeno quimérico – Chimeric Antigen Receptor T-Cell Therapy) é uma terapia age a partir das próprias células de defesa do paciente, modificadas em laboratório.

Com a aprovação pela Anvisa, a previsão é que 81 pacientes com leucemia linfoide aguda B e linfoma não Hodgkin B, recidivados e refratários (ou seja, em casos de reaparecimento da doença ou de resistência ao tratamento padrão), cadastrados pela Fundherp e Butantan, passem pelo estudo.

Eles receberão o tratamento e serão monitorados até dezembro de 2024 pelos pesquisadores para avaliar a segurança e a eficácia da terapia celular. Se os resultados forem bons, o objetivo é registrar o produto rapidamente para que as pessoas tenham acesso a uma opção de tratamento segura, eficaz e de alta qualidade disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

Segundo a Anvisa, o tratamento consiste na reprogramação das próprias células do paciente para atacar e destruir o câncer de forma precisa. Em laboratório, é feita a transferência de genes de interesse para as células de defesa (linfócito T) do paciente.  Nessa forma de tratamento, as células T do paciente (um tipo de célula do sistema imunológico) são alteradas em laboratório para reconhecer e atacar as células cancerígenas ou tumorais.

Hoje a técnica é utilizada em poucos países.  Nos Estados Unidos, o FDA (agência reguladora de saúde) fez a liberação para uso da indústria farmacêutica em 2017. Em outros países também já é usada para tratar linfomas e leucemias avançadas como último recurso. No Brasil, o uso da indústria farmacêutica começou em janeiro deste ano. Atualmente, o terapia só existe na rede privada brasileira. Para quem pode pagar o tratamento, o custo é de cerca de R$ 2 milhões.

Pacientes interessados em ensaio clínico podem se inscrever

Segundo Dimas Covas, à frente do estudo pelo Instituto Butantan, nenhum paciente foi escolhido até agora. “O estudo agora vai definir a seleção dos pacientes. Inicialmente em Ribeirão Preto, depois São Paulo e Campinas”. Os pacientes precisam entrar em contato pelo e-mail terapia@hemocentro.fmrp.usp.br. Veja o vídeo e confira as dúvidas aqui.

“A aprovação desse ensaio clínico é parte de um projeto inovador de colaboração regulatória entre a Anvisa e pesquisadores e desenvolvedores brasileiros. O objetivo é impulsionar o desenvolvimento de produtos de terapias avançadas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS)“, escreveu a agência.

“Em janeiro deste ano, a Fundherp e o Instituto Butantan foram selecionados através do Edital de Chamamento 17/2022. Isso deu início a um suporte regulatório intensificado para aprimorar e acelerar a fase de busca de dados pré-clínicos para início da fase de desenvolvimento clínico do produto. Foram 104 dias de avaliação documental realizada pela Anvisa e 144 dias de respostas às exigências trabalhadas pela Fundherp”, explicou a Anvisa.

Publicitário de Niterói teve remissão total do câncer em 30 dias

Os estudos com a técnica estão em fase clínica inicial no Brasil, mas o resultado obtido pelo publicitário Paulo Peregrino, de 61 anos, com a terapia celular, muito divulgado recentemente na imprensa, animou os pesquisadores e acendeu um fio de esperança em muitos pacientes e familiares de pessoas que convivem com o câncer.

Paulo estava prestes a receber cuidados paliativos quando, entre março e abril, foi o 14º paciente a ser tratado com o CAR-T Cell da USP. Morador de Niterói (RJ), ele teve remissão total do linfoma não-Hodgkin após 30 dias de tratamento. Ele passou quatro meses em tratamento em São Paulo e voltou para casa, com a esposa e uma prima dela.

“Cerca de um mês após a produção dessas células, podemos infundi-las no sangue. Então, as células vão se direcionar contra as células do tumor, porque estão capacitadas a fazer isso, para poder combater os tumores, no caso desse paciente, o linfoma. Ele teve uma remissão completa um mês depois da injeção dessas células”, explicou o professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Vanderson Rocha.

Paciente com remissão total de câncer volta pra casa após 4 meses

Esperança contra o câncer, terapia CAR-T Cell tem aplicação restrita

14 pacientes já recebem tratamento com pelo menos 60% de remissão

Os primeiros estudos no Brasil começaram entre pacientes em tratamento no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, no interior paulista, em 2019. Até maio de 2023, 14 pacientes haviam sido tratados com o CAR-T Cell. Todos os pacientes tiveram remissão de pelo menos 60% dos tumores e todos se trataram na rede do SUS.

Como a terapia celular ainda estava em fase experimental no Brasil, os pacientes foram tratados de forma compassiva, ou seja, por decisão médica, quando o câncer está em estágio avançado e não há alternativas de terapia. Nestes casos, a autorização da Anvisa ocorre de forma individualizada, para pessoas que já tinham esgotados todos os tratamentos aprovados possíveis.

O primeiro caso de remissão da doença por meio dessa técnica no país ocorreu em 2019. O aposentado Vamberto Luiz de Castro, de 62 anos, estava com linfoma em estado grave e sem resposta a tratamentos convencionais. Cerca de 20 dias após o início do tratamento, a resposta de saúde do paciente foi promissora: os exames passaram a mostrar que as células cancerígenas desapareceram.

Dois meses depois, no entanto, Vamberto morreu em decorrência de um acidente doméstico, não relacionado à doença. “O paciente obteve uma remissão parcial, mas pode ser que, naquele momento, ainda tivesse tempo de responder [totalmente ao tratamento]”, detalha o médico Vanderson Rocha, também coordenador nacional de terapia celular da rede D’Or.  .

Car-T Cell: terapia celular contra câncer aplicada de forma experimental

Ainda segundo a Anvisa, foram realizadas junto aos patrocinadores reuniões periódicas e discussões de dados e elaboração de documentos técnicos e regulatórios, que foram submetidos continuamente “com inteira dedicação e prioridade por parte da equipe técnica da Agência”, afirmou.

Foram 104 dias de avaliação documental realizada pela agência e 144 dias de respostas às exigências trabalhadas pela Fundherp. Após a aprovação do início do ensaio clínico, a Anvisa criou um plano de acompanhamento, que envolve revisões frequentes dos dados e informações da pesquisa, com ações planejadas até dezembro de 2024, para monitorar de perto o desenvolvimento do produto.

Ainda segundo a agência, desde 2020, foram registrados no país três produtos de terapia gênica, do tipo CAR-T, para tratamento de leucemias, linfomas e mielomas, e dois produtos de terapia gênica para doenças genéticas raras, desenvolvidos por empresas farmacêuticas biotecnológicas internacionais, mas no sistema privado.

Atualmente, cerca de 40 ensaios clínicos com produtos de terapia avançada experimentais estão acontecendo no país, após a aprovação da Anvisa. Um deles está na fase 1, com CAR-T, que também está sendo desenvolvido por pesquisadores brasileiros do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, para tratamento de câncer do sangue.

Técnica é apontada como ‘pole position’ na luta contra o câncer

Principal avanço da atualidade na oncologia, tratamento considerado revolucionário vem mudando o cenário de combate a tumores hematológicos e acena para um futuro promissor na luta contra diferentes tipos de câncer. Técnicas de engenharia genética vêm revolucionando a oncologia e, dentre todas elas, as de CAR-T Cell já se tornaram, definitivamente, os grandes destaques, com resultados promissores no tratamento de doenças oncológicas do sangue, tais como mieloma múltiplo, leucemia e linfoma de células B.

De forma resumida, a terapia CAR-T utiliza as atividades de células T, que estão no sistema imunológico e defendem o corpo de doenças e demais corpos estranhos ou contaminados com vírus, por exemplo. O princípio do novo tratamento é manipular essas células para que elas possam combater também os agentes cancerígenas. Ela vem se mostrando promissora para casos avançados, em que os recursos para tratamento se mostravam pouco efetivos para frear a progressão da doença.

“São drogas vivas, chamadas de terapia celular, que aprimoram o sistema de defesa do paciente para que ele promova a cura através da destruição das células do câncer. Dentre elas, o CAR-T é uma nova modalidade de tratamento que, pela sua importância, insere-se como um novo pilar na jornada de tratamento do paciente, junto com a imunoterapia, quimioterapia e radioterapia. Nesse caso, no entanto, ela oferece uma resposta mais específica, pois trabalha de forma personalizada, guiada para tratar aquela célula, aquele câncer, aquela mutação, e não apenas de uma maneira geral, em todo o corpo”, analisa Renato Cunha, hematologista e líder do Programa de Terapias Gênicas do Grupo Oncoclínicas.

Aplicativo gratuito e guia sobre CART Cell

Todos os dias são feitas novas descobertas na área da medicina – e, por isso, os profissionais da saúde precisam se manter atualizados. Em uma rotina intensa, atualmente, a conectividade com plataformas de educação em saúde facilita o acesso às novidades. Para atualizar profissionais de saúde da área de Hematologia, o Einstein lançou em julho o Cartlog Terapia Celular, aplicativo sobre CART Cell, disponível gratuitamente nas lojas virtuais, para Android e iOS.

A plataforma que reúne informações para manejo de pacientes e protocolos com score de monitoramento após infusão, já que as complicações do CART podem ser muito graves se não conduzidas adequadamente.

“O ‘Cartlog Terapia Celular’ chega para fomentar um cuidado seguro e de qualidade para pacientes e democratizar informações de extrema relevância a profissionais que atuem ou pretendam atuar na área”, comenta o coordenador de Hematologia e Transplante de Medula Óssea do Einstein, Nelson Hamerschlak.

Em 2021, a  Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) publicou o ‘Guia de Boas Práticas Clínicas em Terapia Celular e o Consenso sobre Células Geneticamente Modificadas’. Fonte: Anvisa, G1, Oncoclínicas, Einstein e ABHH

Desafio no Brasil é capacidade para produzir grandes quantidades de células

A terapia celular recentemente foi capa da renomada revista científica Nature e um dos destaques também do Congresso Internacional Oncoclínicas, promovido pelo Instituto Oncoclínicas e Dana-Farber Cancer, da Harvard Medical School. instituição que reúne os principais nomes da oncologia mundial. Realizado entre os dias 14 e 16 de setembro em São Paulo, com transmissão ao vivo por plataformas divisoras, o evento discutiu a importância e os avanços desta técnica, assim como os desafios na área.

Nos Estados Unidos, a FDA (órgão equivalente à Anvisa) vem aprovando tratamentos desde 2017. Desde então, mais de 20 mil pessoas já se submeteram a algum tipo de terapia CAR-T, segundo a publicação. Aqui no Brasil, o primeiro paciente tratado foi em 2019 de forma experimental, já que as primeiras drogas aprovadas pela Anvisa aconteceram apenas em 2022.

Para Renato Cunha, um dos maiores pesquisadores do assunto no Brasil, os desafios ainda são grandes. “Falta capacidade de produzir rapidamente grandes quantidades de células. Precisamos de novas tecnologias para o processamento”, afirma.

Como aponta o médico, para realizar pesquisas e experimentos é preciso trilhar um caminho longo pautado, sobretudo, em demonstrar a segurança e efetividade do tratamento proposto. Mas os avanços são impressionantes, conforme apontam os resultados que vêm sendo verificados mundialmente.

Fonte: G1, Anvisa, Oncoclínicas, Einstein e ABHH

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