Os famosos “nove meses” de gravidez, na verdade, simplificam uma conta muito mais complexa: a gestação humana leva em torno de 40 semanas, mas é considerada “a termo”, ou seja, dentro do tempo adequado, de 37 até 42.  No entanto, em 2023, quase 12% dos nascimentos no Brasil aconteceram antes desse marco, totalizando cerca de 300 mil bebês prematuros. O Brasil não só está acima da média global, que é em torno de 10%, como também é um dos dez países com maior número de nascimentos prematuros por ano.
Geralmente, um feto é considerado viável – ou seja, com possibilidade de viver fora do útero – a partir das 25 semanas, e com peso mínimo de 500 gramas. Mas a taxa de mortalidade após o nascimento entre esses prematuros extremos é de 30% a 45% e menos da metade dos sobreviventes se desenvolvem sem deficiências ou problemas de saúde.

Os riscos são menores ou maiores de problemas de saúde, dependendo do tempo que passaram na barriga da gestante. A cada semana de gestação, a taxa de sobrevivência aumenta e a probabilidade de sequela diminui, mas mesmo bebês nascidos dias antes do período ideal têm risco aumentado de paralisia cerebral leve e de apresentar atrasos no desenvolvimento.

Incidência é maior entre mães adolescentes

Se a taxa nacional acima da média global já é preocupante, dentro do território brasileiro, há situações alarmantes: na Região Norte, aproximadamente 35 mil bebês nasceram antes da hora em 2023, uma taxa de 12,61% dos nascimentos, a maior entre as regiões do país.
Lá estão os três estados com os piores índices: Roraima, com mais de 18% de partos prematuros, Acre e Amapá, com taxas próximas de 14%. Além disso, o Pará ocupou a oitava posição no país e também ficou acima do índice nacional, com 12,45% de partos prematuros.

A ruptura prematura da bolsa é mais frequente em gestantes adolescentes. A Região Norte registrou, em 2023, mais de 55 mil partos de pessoas com até de 19 anos, o que representa 19% de todos os nascimentos ocorridos no estado. Ou seja, uma em cada cinco gestantes era menor de idade quando engravidou ou tinha acabado de completar 18 anos.

A gestação na adolescência já é um fator de risco de parto prematuro porque o corpo da menina não está preparado para gestar. Por outro lado, um bebê que é planejado, a chance de ser prematuro é menor, então o planejamento familiar é muito importante”, afirma Denise Suguitani, diretora executiva da Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros (OnG Prematuridade).

Infecções bacterianas, principalmente urinária, entre as causas

Mães com idades mais avançadas, pessoas com alguma malformação uterina, mal nutridas e também que ingerem bebidas alcoólicas, fumam ou usam outros entorpecentes durante a gravidez também enfrentam maior risco de parto prematuro. O risco também é maior em gestações de mais de um bebê, e quando a placenta está mal inserida no útero.

As infecções bacterianas, principalmente a urinária, e as de transmissão sexual, também são grandes causa de prematuridade. As infecções de transmissão sexual – como a sífilis congênita, por exemplo – podem ser detectadas em exames laboratoriais e prevenidas com sexo seguro.

Já a infecção urinária é bastante comum na gestação e nem sempre tem sintomas nesse período. Mas um desconforto abdominal incomum, ou o aumento repentino da vontade de urinar podem ser sinais de alerta, e se a doença for tratada com antibiótico, o parto prematuro pode ser evitado.

Hipertensão arterial é principal fator de complicação na gravidez

Já a hipertensão é o principal fator de complicações na gravidez, e além de provocar partos prematuros, é a maior causa de morte materna e perinatal do Brasil. Estima-se que 15% das gestantes tenham pressão alta durante a gestação e que um quarto dos partos prematuros ocorram por esse motivo.

Por isso, a aferição de pressão é um dos procedimentos básicos das consultas de pré-natal, como reforça a obstetra Joeline Cerqueira, que integra a Comissão de Assistência Pré-Natal da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

A melhor prevenção é a primária, ou seja, detectar qual o potencial que aquela mulher tem de ter uma hipertensão grave na gravidez e já fazer a profilaxia com AAS, que é um remédio muito barato, e cálcio. Mas mesmo quando você detecta que a pressão começou a subir, se já começar a tratar, isso realmente previne até 80% dos casos de desfecho ruim”, diz a especialista.

Número recorde de cesáreas eletivas também influencia

Além das desigualdades sociais e regionais, a grande quantidade de cesarianas do Brasil também contribui para o grande número de partos prematuros no Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde, em 2023, quase 60% dos nascimentos ocorreram via cirurgia, como destaca Denise Suguitani, da OnG Prematuridade.

A gente tem muitas cesáreas eletivas, que é aquela cesárea agendada sem necessariamente uma indicação médica. Isso traz mais bebês prematuros porque a gestação não é uma matemática exata”, destaca.

Hoje, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autoriza o agendamento sem indicação médica só a partir de 39 semanas, mas muitas vezes quando o médico agenda uma cesárea com 39 semanas, por desinformação da mulher ou algum erro no cálculo, o bebê pode ter menos de 37 e está imaturo. “É um bebê que não precisa ir para uma UTI de imediato, mas quando ele vai mamar ele se atrapalha, ele tem dificuldade pra respirar”, complementa Denise.

Mesmo nas situações em que a causa não pode ser revertida, a gestante pode ser monitorada com mais frequência e até mesmo internada em um hospital, e receber medicamentos para acelerar a maturidade dos órgãos do bebê e tentar prolongar ao máximo a gestação.

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Desigualdade social e dificuldade de acesso a rede de atenção básica

Aurimery Chermont, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA), diz que o maior número de partos prematuros na Região Norte é um problema antigo e multifatorial, relacionado com questões geográficas e sociais da região e também com a insuficiência da rede de atenção básica de saúde.

De acordo com a especialista, as condições sanitárias e de alimentação, especialmente em comunidades mais carentes, ou distantes das cidades, são preocupantes. A Região Norte tem a menor proporção do país de residências com esgotamento sanitário e abastecimento de água e, no ano passado, cerca de 30% da população estava em situação insegurança alimentar.

O segundo motivo é que muitas vezes, elas chegam na unidade de saúde e lá não tem os exames. O terceiro motivo é que, em algumas regiões, não tem como chegar.

Se eu moro numa palafita e eu tenho que pegar um barco para ir até o posto de saúde, se estiver chovendo muito, eu já não consigo chegar. E às vezes, a gestante chega, identifica algum problema, mas não tem a medicação no posto pra ela tomar, então não dá continuidade. Aí ela não faz pré-natal, ela não faz vacina, ela não faz prevenção”.

Como melhorar o atendimento à gestantes da Região Norte?

Aline Hennemann, assessora técnica da Coordenação-Geral de Atenção à Saúde das Crianças do Ministério da Saúde, confirma que os altos índices de prematuridade têm origens socioeconômicas e diz que a pasta tem se debruçado sobre as desigualdades regionais do país, e no que se refere à Região Norte, tenta vencer o desafio de melhorar o atendimento à gestante em territórios indígenas e outras comunidades tradicionais.

Agora, por exemplo, muitos rios estão secos e com isso, muitas vezes, a gente não consegue fazer o transporte fluvial e mesmo que a gente consiga fazer um transporte terrestre, aumenta muito o tempo, o que acaba impactando também o atendimento. Por isso que a gente tem que qualificar os enfermeiros, os médicos, os agentes indígenas de saúde, os agentes comunitários para que a gente consiga fazer um diagnóstico no território”, complementa

Um exemplo é a Terra Indígena Yanomami, nos estados do Amazonas e de Roraima, que passou por uma grave crise de saúde. Um dos maiores problemas é a desnutrição infantil que, na verdade, começava já na gestação, provocando também muitos partos prematuros.

Uma estratégia utilizada pelo ministério é a qualificação dos profissionais selecionados pelo programa Mais Médicos, já que muitas cidades não contam com serviços especializados em obstetrícia e esses médicos acabam sendo os únicos disponíveis.

Rede Alyne promete reverter este cenário

De acordo com Aline Hennemann, os investimentos feitos pela Rede Alyne – nova estratégia de cuidado de gestantes e bebês, lançada pelo Ministério da Saúde em setembro – devem trazer bons resultados.

O recurso hoje é enviado aos estados para que a gente tenha uma qualificação do pré-natal. Ele teve um reajuste muito considerável e exames que antes não eram ainda preconizados, hoje já entraram nessa realização do pré-natal que é orientada para todos os estados e municípios.”

O programa também oferece benefícios financeiros para a implantação de ambulatórios para os bebês egressos de UTI neonatal, que em sua maioria são bebês prematuros. Em 2024, o Ministério investiu cerca de 400 milhões de reais na Rede Alyne e a previsão é que essa quantia alcance um bilhão de reais em 2025.

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Falta educação sexual reprodutiva para a prevenção

Segundo a professora da UFPA, Aurimery Chermont, muitas pessoas em idade fértil não recebem educação sexual para prevenir gestações indesejadas, nem informações sobre a importância do pré-natal.

O nosso maior problema é a educação para a prevenção. Principalmente entre as gestantes mais jovens. Elas não fazem pré-natal por um motivo simples: ignorância”, complementa a professora da UFPA.

De acordo com a diretora executiva da Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros, Denise Suguitani, a maior parte desses casos podem ser prevenidos.

Aqui no Brasil essas taxas estão muito ligadas a determinantes sociais, de acesso à saúde e à educação. E, claro, o acesso ao pré-natal. E não é só o volume de consultas que importa, mas a qualidade do atendimento e das informações.”

Número pode ser reduzido com bom atendimento pré-natal

Aline Hennemann também defende que o pré-natal é a maior ferramenta à disposição da saúde pública.

A gente precisa cada vez mais trabalhar com pré-natal de qualidade. Não adianta o Ministério da Saúde colocar nas suas diretrizes que o pré-natal deve ter sete consultas se elas não foram de qualidade. Essa mulher tem que ser realmente vista de uma forma integral, avaliando também o seu ecomapa [sua relações sociais e com o ambiente em que ela vive] e o seu genograma [relações familiares], e pensando nas outras causas que podem provocar o nascimento prematuro, como algumas doenças”.

A obstetra Joeline Cerqueira enumera algumas situações que podem ser identificadas no pré-natal e tratadas para evitar o parto prematuro, entre outras complicações.

A gente tem as infecções, a rotura prematura da bolsa e as síndromes hipertensivas na gestação. Essas doenças acometem muitas mulheres na gravidez e são algumas das principais responsáveis pelo parto prematuro.”

A especialista esclarece que é preciso que a gestante inicie o pré-natal precocemente, seja bem avaliada para identificar fatores de risco pré-existentes, e faça todos os exames recomendados no tempo certo.

No momento em que a gestante faz o ultrassom morfológico, a gente também faz a medida do colo do útero. Se ele estiver muito curto, essa mulher tem um maior risco, mesmo sem nenhuma outra doença, de ter um parto prematuro. E a gente pode usar, por exemplo, a progesterona via vaginal, que é um relaxante da musculatura e previne que as contrações ocorram de forma precoce. Esse exame precisa ser feito por volta da 22ª semana de gestação”, explica Joeline.

‘Não ter os filhos em casa era triste’, diz mãe de gêmeos prematuros

Yngrid Antunes Louzada teve o parto antecipado por uma infecção urinária e seus filhos gêmeos, Lucas e Isis, nasceram com apenas 27 semanas de gestação, pesando menos de 1 quilo e medindo 33 e 35 centímetros.

A família recebeu um alerta assustador dos médicos: as crianças corriam alto risco de ter atrasos psicomotores e problemas respiratórios e a própria internação representava um risco de infecções. Foram 52 dias de cuidados intensivos na Utin (unidade de terapia intensiva neonatal) para os pequeninos e de ansiedade para Yngrid e o marido, Felipe.

A gente ficava na Utin duas horas por dia, sete dias na semana. Todos os dias eu chegava um pouco mais cedo para poder tirar leite pra eles. Era tudo bem organizado, as crianças ficavam na incubadora, a gente sempre ficava de olho em cada barulhinho, no monitor, na saturação. Eu e meu marido, a gente se dividia, cada um com uma criança. Era o final da pandemia de covid-19, então tinha que ter todo o cuidado, os pais precisavam usar uma roupa especial, com uma máscara”, relembra.

E não era nada fácil quando as duas horas de visita terminavam: “Não ter os filhos em casa era triste para gente né? Porque a gente não tinha idealizado aquilo, por mais que eles estivessem muito bem amparados e cuidados. Depois de três semanas de internação, eles permitiram o método canguru, e foi um momento muito especial, muito emocionante. Porque, ali de fato, eu pude ter o primeiro contato físico com os meus filhos.”

Depois de 52 dias, Lucas e Isis tiveram alta e o melhor: foram pra casa sem sequelas. Eles precisaram fazer fisioterapia, terapia ocupacional e tratamento de fonoaudiologia por quase 2 anos e meio, mas agora têm a rotina de qualquer criança saudável.

Eles nasceram no hospital da Marinha e quando tiveram alta, já foram encaminhados para a terapia, porque o sistema de saúde da Marinha tem um local específico para tratamento de prematuros. Essa assistência fez muita diferença”, diz Yngrid.

Acompanhamento após deixar a UTI neonatal

Denise Suguitani, diretora executiva da ONG Prematuridade, reforça esse ponto: mesmo os prematuros que saíram do hospital saudáveis precisam de acompanhamento.

A prematuridade não é uma sentença: cada bebê escreve a sua história. Mas o risco é grande, então a gente precisa olhar com uma lupa porque essas crianças precisam de uma atenção especial de vários profissionais: terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, várias especialidades médicas, nutricionistas para olhar esse bebê que tem um desenvolvimento peculiar. Esses especialistas podem identificar um risco e já intervir precocemente”, acrescenta

Ainda segundo a especialista, o impacto da prematuridade é tão grande que muitas vezes o pai abandona o bebê ou acaba acontecendo uma separação familiar e a mãe fica sozinha. “E se é uma criança que demanda muitas consultas, terapias, como fica essa mãe? Então a assistência social para essa família também é importante”, complementa Denise.

Da Agência Brasil, com Redação

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