Em relação ao câncer de mama, a recomendação do Ministério da Saúde do Brasil é que a mulher comece o rastreio por meio da mamografia a partir dos 50 anos. No entanto, o Colégio Brasileiro de Radiologia, a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) defendem que o rastreamento comece mais cedo, a partir dos 40 anos de idade. Isso, entre outros aspectos, porque a incidência de câncer de mama em mulheres jovens tem aumentado.
Embora o câncer de mama ainda predomine em idades acima de 50 anos, o número de diagnósticos em mulheres jovens vem aumentando significativamente. Um estudo americano publicado no JAMA em janeiro de 2024 – Breast Cancer Incidence Among US Women Aged 20 to 49 Years by Race, Stage, and Hormone Receptor Status, mostra que este aumento se tornou muito mais acentuado a partir de 2016, e continua aumentando até os dias atuais.
O Brasil é um dos países com número expressivo de casos de câncer de mama em mulher jovem”, alerta a médica especialista em radiologia mamaria Letícia Pereira Gonçalves, presidente da Sociedade de Radiologia do Rio de Janeiro (SBR-RJ).
Outro estudo publicado no JAMA em agosto de 2023 – Patterns in Cancer Incidence Among People Younger Than 50 Years in the US, 2010 to 2019, revela um aumento de 19,4% nos diagnósticos entre 2010 e 2019 entre mulheres nos Estados Unidos na faixa etária entre 30 e 39 anos, e de 5,3% entre 20 e 29 anos. Um dos estudos mais importantes realizados no Brasil é o AMAZONA III (GBECAM 0115, que avaliou as características epidemiológicas de quase três mil mulheres brasileiras.
Com relação a mulheres com idade até 40 anos que tiveram diagnóstico de câncer de mama, os resultados revelam que esse grupo é composto principalmente por mulheres de maior nível de escolaridade, casadas ou com companheiros fixos, e que são usualmente diagnosticadas com tumores mais avançados e com maiores graus histológicos. Ainda em relação a esse grupo de pacientes, há maior frequência de tumores mais agressivos (triplo negativos e HER2 superexpressos), quando comparadas a mulheres com idades mais avançadas.
Em geral, nos estudos publicados, o primeiro conceito no qual esbarramos é a definição do que seria a mulher jovem. Nos artigos, a definição é controversa. Há os que consideram jovens as mulheres até 35, 40, 45 ou 50 anos. Eu, particularmente, acho que até os 50 anos é uma idade adequada para enquadrar neste grupo porque é por volta dessa idade que a mulher, em geral, deixa de menstruar”, afirma a especialista.
Maior risco é ser mulher: até 12% terão câncer de mama
Dar início ao rastreio mamográfico a partir dos 50 anos acaba colocando a mulher que começou a desenvolver um câncer de mama mais cedo em uma situação de saúde difícil, com a detecção da doença em estágio mais avançado. Segundo Dra. Letícia, não há estudos que revelam o motivo desse aumento de incidência de câncer de mama entre mulheres jovens.
Temos hipóteses, como adoção de uma alimentação rica em alimentos industrializados; aumento do tabagismo e do consumo de álcool ou mesmo do estresse. Além disso, as mulheres têm optado pela maternidade tardia ou mesmo por não ter filhos, o que aumentaria o risco para a doença. Isso porque sabemos que cerca de 85% a 90% dos cânceres estão associados a fatores ambientais e comportamentais. No entanto, o maior fator de risco em relação ao câncer de mama é ser mulher. Entre 10% e 12% da população feminina pode desenvolver a doença ao longo da vida”, diz a médica.
A especialista em radiologia mamaria informa que a literatura não mostra que a realização da mamografia por mulheres com idade inferior a 40 anos pareça ser a solução. Isso porque essas mulheres, em geral, apresentam mamas densas, situação em que o rastreio mamográfico é menos eficaz, aumentando o número de biópsia desnecessárias, o custo, o estresse ao qual essas mulheres são submetidas e a quantidade de radiação ao longo da vida. Em resumo, com mais custos e menos benefícios.
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Ressonância magnética e ultrassonografia das mamas
A ultrassonografia, em geral, é o método complementar mais utilizado e com mais acesso pela população. Nas mamas densas, em que a mamografia pode perder sensibilidade para detecção de lesões, a ultrassonografia das mamas complementar deve ser realizada, de preferência por especialista, o que reduziria os falsos negativos e falsos positivos, pois sabemos que é um exame operador dependente”, afirma.
Além disso, de acordo com a médica, em casos selecionados, pode-se lançar mão da ressonância magnética das mamas. Nas pacientes com menos de 40 anos com algum sintoma, por exemplo, lesão palpável, a ultrassonografia será o primeiro exame e tem alta precisão em mãos experientes.
A ressonância magnética das mamas pode ser utilizada e é o método com maior sensibilidade, mas acaba tendo sua utilização limitada por fatores como custo mais alto, uso do contraste venoso, menor disponibilidade, limitação da paciente, como no caso de claustrofobia e outras contraindicações relativas e absolutas.
O fato é que devemos ter em mente que o câncer de mama também atinge mulheres jovens e o médico precisa reconhecer a doença nessas pacientes e saber que alguns subtipos são mais comuns nesta faixa etária, como o câncer triplo negativo, que, muitas vezes, pode se manifestar nos exames de imagem com aspecto benigno”, alerta Dra. Letícia.
Rastreio deve ser personalizado, defende médica
A conduta mais adequada, na opinião da médica, é particularizar o rastreio. Entre 25 e 30 anos, a mulher faria uma consulta com seu mastologista ou seu ginecologista para avaliar o risco de desenvolver câncer de mama, com base em fatores individuais, como eventual mutação genética e história familiar; se ela tem parentes de primeiro grau que tiveram câncer de mama; pré-menopausa (um fator de risco importante).
Com base nessas informações, o médico, em conjunto com a paciente, decidiria sobre a necessidade de iniciar o rastreio antes dos 40 anos, o melhor método e qual o estudo complementar mais adequado para cada mulher. Essa consulta beneficia a paciente, torna a conduta mais assertiva e contribui para desonerar o sistema de saúde com procedimentos desnecessários”, afirma.
A médica afirma que já recebeu casos em seu consultório de mulheres jovens em que na avaliação inicial, foi descrita uma lesão de aspecto benigno, quando de fato, tratava-se de um câncer de mama.
Essas mulheres acabam recebendo o diagnóstico correto quando o tumor aumenta de tamanho, tornando-se palpável e/ou visível. E não raro, a possibilidade de câncer é descartada por conta da idade jovem da paciente. O cenário do câncer mudou e precisamos ficar atentos a isso”, conclui.
Com informações da SBR-RJ