O dia era 4 de maio de 2023, na 22ª semana da tão sonhada gestação, que aconteceu de forma natural, três meses após seu casamento. Ana Cristina Martins, de 42 anos, deu entrada no Hospital e Maternidade São Luiz Anália Franco, em São Paulo. Após avaliação da triagem no pronto-socorro obstétrico, foi encaminhada para a ala de cardiologia. Hoje, com o pequeno Stephan no colo, Ana compartilha um dos momentos mais difíceis da sua vida.
Senti um aperto muito forte no peito. Percebi que não era algo normal e corri para o pronto-socorro, onde fiz um eletrocardiograma. Lembro deles correndo comigo na maca pelo hospital e, quando ouvi os médicos falando sobre pegar um stent, tive certeza que tinha infartado. Eu só descansei quando ouvi o coraçãozinho dele batendo dentro de mim”, relata a analista comercial.
Esperávamos encontrar pequenos rasgos na artéria, que é o mais comum, no entanto era um caso de obstrução completa, e realizamos um cateterismo de emergência”, explica Rafael Domiciano, médico e coordenador de Cardiologia da unidade da Rede D’Or na zona leste da capital paulista.
“Como se tratava de uma gestante, o que é muito raro, montamos uma equipe multiprofissional para fazer o acompanhamento e discutir todos os passos de tratamento e acompanhamento”, destaca o coordenador.
Apesar de o infarto agudo do miocárdio ser a maior causa de mortes no país, trata-se de um evento raro durante a gravidez, com incidência estimada de três casos a cada 100 mil partos.
Traduzindo para o cenário brasileiro, seria como se 20 gestantes por ano apresentassem a doença. Se por um lado, aparentemente são poucos casos, por outro, a letalidade é expressiva, podendo chegar a 20%.
As causas de infarto em gestantes são amplas e variadas, sendo a principal a dissecção da artéria coronária, que ocorre devido à separação da parede da artéria e corresponde a acerca de 45% dos casos, seguida por trombose (formação de coágulos sanguíneos), vasoespasmo (estreitamento das artérias) e doença aterosclerótica (acúmulo de placas de colesterol nas paredes das artérias).
Os fatores de risco do infarto na gravidez são diferentes, sendo os mais frequentes o tabagismo (23%), histórico familiar (16%), hipertensão (9%) e distúrbio lipídico (7%).
Durante a gestação, Ana manteve hábitos saudáveis e as consultas e exames do pré-natal em dia. “Mas tenho um histórico familiar. Meu pai faleceu de infarto, minha mãe e meu irmão também já tiveram. Quando entendi o que estava acontecendo só conseguia pedir a Deus para não perder meu bebê, pois ser mãe era meu maior sonho”, conta Ana.
O tratamento do infarto na gestação é extremamente complexo, considerando a escassez de dados clínicos, dificuldade no manejo medicamentoso e as alterações fisiológicas da gravidez. Mas, o bebê não foi afetado e os meses seguintes foram de muita expectativa e cuidados, com consultas regulares na obstetra e cardiologista, e uso de medicamentos.
Stephan nasceu por volta de 9h da segunda-feira (21/8), com 2.710 kg e 45,5 centímetros, após um parto cirúrgico realizado no Hospital e Maternidade São Luiz Anália Franco.
“O momento do parto já exige naturalmente um aumento do esforço cardíaco da mãe. Como o quadro já era delicado, planejamos todos os detalhes para ter o maior controle possível e garantir mais segurança para a mãe e o bebê”, explica Fabiana Ruas, obstetra e Coordenadora da Maternidade São Luiz Anália Franco.
Para isso, Ana realizou o procedimento sedada, visando um controle mais efetivo da situação e principalmente, da pressão arterial, que costuma ter queda com o uso da anestesia raquidiana (raqui), comumente utilizada para realização de cesarianas.
“A técnica anestésica escolhida foi uma decisão difícil pelo fato de não proporcionar a mãe o primeiro contato imediato com o filho, contudo, foi o mais indicado para o caso da Ana. Todo o procedimento transcorreu sem intercorrências, com o nascimento de um bebê saudável, que chorou ao nascer e que contagiou a sala cirúrgica onde todos comemoraram a sua chegada” , complementa Mayara Ferrarez, coordenadora da Maternidade e uma das obstetras que realizaram o parto.
“O momento do nascimento foi o mais emocionante da minha vida. Não sabia que era possível sentir frio e calor ao mesmo tempo. Foram meses de expectativa, minutos muito intensos, e agora está tudo bem com a minha família”, compartilha Igor Diego Correa, pai do pequeno Stephan e marido de Ana.
Após o parto, a paciente foi encaminhada para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) cardiológica para observação, e o primeiro contato com o filho foi por meio de vídeochamada. No dia seguinte, já no quarto da maternidade, finalmente pegou o pequeno no colo. “Ele é lindo, perfeito”, disse enquanto as lágrimas de emoção desciam pelo rosto.
Ana e Stephan receberam alta hospitalar e ela seguiu em tratamento ambulatorial e acompanhamento do quadro cardiológico.
“O que posso compartilhar dessa experiência é: fiquem atentas, pois um sintoma aparentemente simples na gravidez pode ser algo mais grave. Eu achei que era uma queimação, mas estava infartando. Não espere, vá para o hospital”, alerta Ana Cristina.
De acordo com a American Heart Association, o risco de infarto em uma mulher durante o período gestacional é até quatro vezes maior do que quando ela não está grávida. “Isso ocorre por causa das alterações fisiológicas do organismo, como aumento da frequência cardíaca, elevação hormonal e nos níveis de colesterol, coagulação, entre outras”, alerta Rafael.