Há mais de um século, os fogos de artifício são uma tradição brasileira durante as datas comemorativas, carregando beleza e perigo na mesma medida.  Apesar do brilho e da alegria que proporcionam, rojões e bombas podem representar sérios riscos à saúde, principalmente quando utilizados de forma inadequada.
Por isso, assim como ocorre no período das festas juninas, as celebrações de fim do ano trazem preocupação para profissionais de saúde, que veem a demanda de emergências aumentar por conta, principalmente, de acidentes envolvendo fogos de artifício. 
Estima-se que cerca de 1 milhão de acidentes por queimaduras ocorram anualmente no país. Desse total, aproximadamente 100 mil vítimas buscam atendimento médico e cerca de 2,5 mil perdem a vida em decorrência das lesões. Há um aumento significativo desses acidentes no fim do ano e durante as festas juninas, os dois principais picos do ano para esse tipo de ocorrência.  Queimaduras graves, hospitalizações e até mortes são consequências frequentes do uso inadequado de fogos de artifício.
O aumento de acidentes ainda contribui para a sobrecarga dos serviços de saúde em épocas festivas, comprometendo inclusive o atendimento de outras emergências médicas, especialmente em hospitais especializados em traumas causados por acidentes de trânsito e outros acidentes domésticos.

Um a cada 10 acidentes com fogos de artifício levam à amputação

Mau uso de explosivos causa traumas graves, como queimaduras, lacerações e amputações, que requerem cirurgias complexas e recuperação prolongada (Foto: Envato)

Os fogos de artifício não perdoam a imprudência, e é nas mãos que muitas vezes deixam suas marcas mais graves. A maioria dos traumas registrados por esse tipo de acidente ocorre nos membros superiores. Além das queimaduras, são comuns lacerações e ferimentos, que representam 20% dos casos – ou seja, dois entre 10 casos.

As amputações estão presentes em um a cada dez acidentes, exigindo muitas vezes cirurgias complexas e um longo processo de recuperação”, explica a ortopedista e cirurgiã da mão dos hospitais Universitário Cajuru e São Marcelino Champagnat, Giana Giostri

Os números destacam a urgência de conscientizar a população sobre os perigos e cuidados necessários. Diante do risco de aumento de casos no período das festas de fim de ano, médicos da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão (SBCM) emitiram um alerta para os riscos de acidentes graves no manuseio de fogos de artifícios.

De acordo com o presidente da SBCM, Antonio Carlos da Costa, quando manipulados por pessoas não especializadas, os rojões e bombas podem causar lesões sérias, como queimaduras de terceiro grau, traumas ósseos, amputações e até mesmo a morte.

A força da explosão, combinada com o calor intenso, pode resultar em danos graves aos ossos, como fraturas nos dedos, nas mãos e até no punho. A explosão pode causar ainda lacerações profundas, danos aos tecidos e até amputações, dependendo da gravidade do acidente”, destacou.

Leia mais

Como se proteger dos fogos de artifício na virada do ano
Dobra número de crianças internadas por causa de queimaduras
Emergências médicas: como não estragar a festa ou a viagem

Queimaduras são as lesões mais comuns causadas por fogos de artifício

Queimaduras nas mãos são algumas das principais causas de atendimento hospitalar durante a soltura de fogos de artifício nas festas de fim de ano (Foto: Freepik)
Uma das principais lesões causadas pelo manuseio incorreto dos fogos de artifício, as queimaduras lideram emergências com dispositivos pirotécnicos, resultando em 4.809 internações e 34.567 atendimentos no Sistema Único de Saúde (SUS), entre janeiro e março de 2024. Até setembro de 2024, foram registrados 288 internações e atendimentos hospitalares por ferimentos causados por fogos de artifício, número maior do que no mesmo período de 2023, quando foram registrados 271 casos. 
A quantidade de atendimentos ambulatoriais de vítimas de queimaduras causadas por fogos de artifício chegou a 112 no mesmo período em 2024. Em 2023, no mesmo intervalo, foram 102. De 2019 a 2022, o SUS registrou 1.548 internações por ferimentos causados por fogos de artifício, média de um caso por dia. Entre 2019 e setembro de 2023, o SUS registrou 1.814 internações causadas por ferimentos envolvendo fogos de artifício, apontam dados do Ministério da Saúde.

As queimaduras podem variar de primeiro a terceiro grau e, em casos graves, levar a sequelas permanentes, como dificuldade de movimentação ou até mesmo amputações. As queimaduras podem ser profundas, extremamente dolorosas e podem ser fatais”, explica Antônio de Pádua, cirurgião plástico do Hospital e Maternidade São Luiz Campinas, da Rede D’Or

O especialista adverte que os acidentes costumam afetar principalmente homens jovens e de meia-idade. No entanto, crianças e idosos também merecem atenção especial. “Crianças, mesmo sem soltar fogos, podem ser vítimas por estarem próximas, enquanto idosos têm maior risco de complicações”, alerta o médico. As partes mais frequentemente atingidas são mãos, braços, rosto e tórax.

Nesse tipo de ocorrência, o cirurgião plástico desempenha um papel fundamental, especialmente em casos graves. Procedimentos como limpeza cirúrgica de feridas, enxertos de pele e acompanhamento ambulatorial ajudam a prevenir sequelas e garantir melhor recuperação funcional e estética. “Nos primeiros atendimentos, o médico emergencista avalia a situação e, em casos necessários, aciona o cirurgião plástico”, detalha o especialista.

Precauções rigorosas, como não manusear diretamente os fogos de artifício

A maioria dos acidentes acontece devido ao uso inadequado dos artefatos. Por isso, é preciso máxima atenção ao lidar com fogos de artifício. O presidente da SBCM, Antonio Carlos da Costa, orienta que precauções rigorosas sejam tomadas ao soltar fogos de artifício, principalmente a de não manusear os artefatos diretamente com as mãos.

Utilize sempre utensílios apropriados, como suportes ou disparadores, para manusear os fogos. Evite segurá-los diretamente nas mãos, mesmo os mais simples. Mantenha uma distância segura entre os fogos e as pessoas, especialmente crianças e animais. Não se aproxime do artefato após o acendimento, pois ele pode explodir inesperadamente”, recomenda.

Segundo o médico, também é importante que a compra de fogos de artifício seja feita em estabelecimentos autorizados, e só sejam adquiridos os artefatos que possuam selo de segurança, que garantem que os produtos atendem aos requisitos legais. Para evitar acidentes, é indispensável seguir as instruções do fabricante e nunca acender fogos fora do prazo de validade.

Confira os principais cuidados com os fogos de artifício

Também é essencial evitar o consumo de álcool durante o manuseio, manter crianças e animais afastados e jamais reaproveitar fogos que falharam na primeira tentativa de disparo. Entre as medidas preventivas recomendadas para evitar acidentes com fogos de artifício estão:

•         Não manusear ou soltar fogos sob efeito de bebida alcoólica.

•         Utilizar suportes seguros para acender os fogos, mantendo-os longe das mãos e do rosto.

•         Jamais apontar fogos para pessoas ou objetos.

•         Escolher um local seguro, longe de líquidos inflamáveis ou fontes de calor.

•         Comprar produtos de marcas confiáveis.

•         Armazenar os utensílios em locais seguros, evitando a proximidade de fontes de calor.

Me queimei, e agora? 

Em caso de acidentes, cada tipo de trauma exige um cuidado específico. Em situações de queimaduras, a orientação é lavar a área afetada com água corrente fria por até 20 minutos, cobrir com um pano limpo ou gaze esterilizada. “É importante manter o ferimento limpo e úmido, com uso de compressas frias. Nunca toque diretamente com a mão ou tente descolar os tecidos da queimadura. Além disso, não é indicado passar nenhuma substância no ferimento”, orienta o cirurgião plástico do São Luiz Campinas.

Também é preciso e evitar pomadas, gelo ou substâncias caseiras. Evite cobrir a queimadura ou aplicar substâncias caseiras, como pasta de dente ou ervas, que podem agravar a lesão e dificultar a avaliação médica”, adverte Andrezza Silvano Barreto, enfermeira da Vuelo Pharma.

Para queimaduras de segundo grau, que provocam bolhas e desprendimento da pele, ela recomenda o uso de curativos à base de celulose. Em casos de queimaduras graves, principalmente em crianças, que atingem uma grande extensão do corpo, a recomendação é procurar imediatamente atendimento médico.

É possível acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) pelo telefone 192 ou o Corpo de Bombeiros pelo 193.

Tratamento e reabilitação

Dependendo da gravidade do acidente, o tratamento pode exigir mais do que apenas um atendimento emergencial. Em casos graves, cirurgiões avaliam fatores como a extensão da lesão, o comprometimento dos tecidos e as condições clínicas do paciente. A partir disso, recorrem a procedimentos como reconstrução de lacerações, fixação de fraturas e, quando necessário, amputações cirúrgicas de dedos ou segmentos.

A mão é o órgão efetor do cérebro e é usada em praticamente todas as atividades diárias, pessoais e profissionais. Técnicas microcirúrgicas e enxertos ajudam a preservar sua funcionalidade e estética, mas nem sempre é possível reimplantar membros amputados devido à gravidade e complexidade das lesões”, explica Giana Giostri, que também é membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão.

O tempo de recuperação varia conforme a extensão do dano, mas pode superar seis meses em casos complexos, exigindo reabilitação intensiva com terapia ocupacional e fisioterapia para restaurar mobilidade, sensibilidade e força no membro afetado. “A recuperação depende muito do engajamento do paciente e do suporte adequado durante o processo de reabilitação funcional intensiva”, ressalta a especialista.

Conscientização e cuidados 

Embora as lesões provocadas por fogos de artifício sejam mais frequentes em festas juninas e de fim de ano, o alerta sobre os riscos deve ser constante. “É imprescindível difundir informações sobre os perigos da manipulação inadequada e o despreparo ao lidar com fogos de artifício, para que a população compreenda que um descuido pode levar a consequências graves”, enfatiza Eduardo Novak.

Para que as festas terminem com segurança, algumas orientações são indispensáveis. Disparar fogos apenas ao ar livre, longe de pessoas, substâncias inflamáveis e redes elétricas. Nunca segurar os fogos com as mãos; utilize suportes adequados. Ter sempre um recipiente com água por perto para descartar os foguetes usados.

A compra segura também é fundamental para evitar tragédias. É importante adquirir fogos apenas em lojas especializadas, seguir as instruções de uso e armazenamento do fabricante e nunca combiná-los com o consumo de álcool. Caso o artefato falhe, ele deve ser descartado. “Esses cuidados são essenciais para reduzir os riscos e preservar vidas. Pequenas atitudes podem fazer a diferença entre uma celebração segura e um acidente irreparável”, finaliza Novak.

Outros acidentes comuns no fim de ano

Além dos fogos de artifício, o fim de ano registra ocorrências de queimaduras em fogões, cortes com facas e acidentes envolvendo o consumo excessivo de álcool. “É importante estar atento ao manuseio de utensílios cortantes e fontes de calor, especialmente em momentos de grande confraternização, quando há consumo de álcool e momentos de distração”, alerta o cirurgião plástico do São Luiz Campinas.

Confira algumas medidas para outros tipos de acidentes nesta época do ano:

  • em caso de lesões por impacto, como fraturas ou esmagamentos, imobilizar o membro cuidadosamente e buscar atendimento médico imediato;
  • já nos ferimentos ou lacerações, comprimir o ferimento com um pano limpo para controlar o sangramento, manter a área elevada e procurar assistência médica o mais rápido possível.
  • Não remover objetos presos nem mexer na lesão.

Mesmo com essas medidas iniciais, o atendimento profissional especializado é indispensável para reduzir danos.

Diante de acidentes, buscar atendimento imediato faz toda a diferença, independentemente do tipo de lesão. O primeiro socorro adequado minimiza complicações e garante um prognóstico melhor para o paciente”, destaca Eduardo Novak, ortopedista e cirurgião da mão do Hospital Universitário Cajuru, 100% SUS e referência no atendimento de traumas.

Certificação e fiscalização para prevenir acidentes com produtos pirotécnicos

A  Associação Brasileira de Avaliação da Conformidade (Abrac) reforça a necessidade de maior atenção à certificação e fiscalização desses produtos. A certificação de fogos de artifício no Brasil é obrigatória, segundo a Portaria nº 481/2010 do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).

A norma ABNT NBR 14481 estabelece requisitos mínimos de segurança para produtos pirotécnicos e regulamenta aspectos como o nível de risco dos fogos e instruções para o uso seguro. A fiscalização do Inmetro atesta a conformidade e procedência da certificação.

A certificação é essencial para garantir que os fogos de artifício sejam fabricados com a máxima segurança. Sem ela, o risco de acidentes é significativamente maior, tanto para os consumidores quanto para a sociedade”, afirma o vice-presidente de Produtos da Abrac, Marcos Zevzikovas.

Os testes que compõem o processo de certificação envolvem, além de outros requisitos de segurança, a verificação da potência explosiva e o cumprimento de distâncias seguras para o uso. Isso é crucial para minimizar riscos e evitar tragédias”, acrescenta.

Força-tarefa

A fiscalização de fogos de artifício no Brasil é realizada por diversos órgãos. O Exército Brasileiro supervisiona a fabricação, armazenamento e comercialização de produtos explosivos, exigindo licenças e autorizações para empresas do setor.

Já o Inmetro é responsável pela certificação dos fogos de artifício, realizando testes de conformidade para garantir a segurança e certificando produtos que atendam às normas técnicas. O Corpo de Bombeiros fiscaliza o armazenamento, manuseio e uso em eventos públicos, verificando as condições de segurança nos locais de queima de fogos.

As Polícias Civil e Militar atuam no combate ao comércio ilegal e uso irregular de fogos de artifício, enquanto órgãos municipais, como o Procon, verificam se os produtos comercializados estão devidamente certificados e rotulados. Além disso, agências ambientais e secretarias municipais podem fiscalizar o impacto ambiental do uso de fogos, e as Organizações de Avaliação da Conformidade (OAC) realizam testes laboratoriais para garantir que os produtos estejam em conformidade com as normas.

“Ao adquirir produtos certificados, o consumidor contribui para a sua própria segurança e para a prevenção de acidentes que podem ser graves e, em muitos casos, fatais”, conclui Zevzikovas.

Da Agência Brasil, com Assessorias e Redação

 

Shares:

Posts Relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *