Atualmente, o Brasil perde ou desperdiça 42% do seu abastecimento alimentar. A perda de alimentos é responsável por até 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. Mas o país pode tomar medidas importantes para reduzir essas emissões e alimentar mais pessoas que sofrem com a insegurança alimentar, um problema que afeta um quarto da população (61,3 milhões de pessoas), de acordo com dados oficiais do governo, incluindo várias gradações da fome, nutricional e de escassez.
É o que aponta pesquisa feita em 24 países pela Food Law and Policy Clinic (FLPC), da Harvard Law School, mais antiga universidade de Direito dos Estados Unidos, e a The Global FoodBanking Network (GFN). O estudo traça um panorama de como as políticas de doações de alimentos estão implementadas em cada nação e traz algumas recomendações sobre como os legisladores podem ajudar a reduzir o desperdício de alimentos e a insegurança alimentar.
Emily Broad Leib, professora clínica de direito na Harvard Law School e diretora do corpo docente da FLPC, disse que as melhores políticas de doação de alimentos estão ao alcance das mãos, quando se trata de enfrentar as alterações climáticas e a fome.
“As recomendações podem ser implementadas agora, muitas a baixo custo, para limitar os danos ambientais do desperdício de alimentos e ajudar os brasileiros a terem acesso a alimentos saudáveis, seguros e excedentes”, disse Emily.
Da mesma forma, a presidente da The Global FoodBanking Network, Lisa Moon, ressaltou que a “extraordinária biodiversidade” torna o Brasil um país importante quando se trata de alimentação, recursos naturais e clima. Ela acredita que as recomendações propostas auxiliarão muitas pessoas no país.
Rótulos com duas datas de validade – de segurança e de qualidade
Uma das políticas sugeridas – em parceria com o Sesc Mesa Brasil e em consulta com outros especialistas brasileiros – é a implementação de um sistema padrão de rotulagem com duas datas, diferenciando de forma clara a data baseada na segurança e a baseada na qualidade.
Essa diferenciação permitirá que ocorra a doação após a data baseada na qualidade, garantindo que os rótulos de data não resultem no descarte de alimentos que seriam seguros para consumo. Jogados em aterros, esses alimentos produzem metano, potente gás de efeito estufa.
As recomendações compõem o Atlas Global de Políticas de Doação de Alimentos, que analisa leis e políticas que afetam a doação de alimentos em todo o mundo. Uma delas é sobre a adoção de políticas locais e nacionais que exijam a doação de alimentos excedentes.
Formas de conscientizar e incentivar grandes doadores
Outra recomendação é conscientizar doadores de alimentos sobre as exclusões de responsabilidade civil sobre a doação, como está previsto na Lei de Combate ao Desperdício.
“Isso é importante porque muitas empresas não têm consciência de que podem fazer isso, ou seja, que elas podem doar”, diz a diretora de Programas Sociais do Sesc, Janaína Cunha, que participou do estudo. “É importante reiterar que não se trata de generosidade, mas de entender o contexto social do país, de entender que este é um país que não necessita ter fome”, completa.
Outra recomendação envolve aumentar a dedução fiscal aplicável a doações de alimentos e atividades associadas ao armazenamento, transporte e entrega de alimentos doados. O objetivo é garantir que os doadores e as associações de recuperação de alimentos recebam incentivos fiscais e informações apropriadas para participar da doação de alimentos.
A pesquisa recomenda também o desenvolvimento de oportunidades de subsídios governamentais para a infraestrutura de doação de alimentos, a fim de garantir que doadores e organizações de recuperação de alimentos possam manusear, transportar e distribuir os excedentes de forma mais eficaz e segura.
50 milhões de quilos de alimentos distribuídos
O programa Sesc Mesa Brasil, criado há 15 anos, tem atualmente 3 mil empresas parceiras que são doadoras e 7 mil entidades assistidas, com média mensal de 2 milhões de pessoas atendidas. São quase 50 milhões de quilos de alimentos distribuídos. Além disso, tem uma rede de 95 bancos de alimentos, a maior rede privada da América Latina.
“O programa recolhe o alimento que seria desperdiçado e coloca na mesa de quem passa fome. E não se trata de alimento que seria descartado por falta de condições de uso e consumo. Ao contrário, muitas vezes, o alimento talvez não esteja virtualmente em condições de ser comercializado, mas está próprio para consumo, absolutamente adequado para a mesa”, explica Janaína.
Segundo ela, o Brasil precisa aprender a conhecer melhor o potencial dos seus alimentos e não descartar cascas e partes importantes do alimento que podem ser usadas de outras maneiras. A casca de banana, por exemplo, pode ser usada como farinha nutritiva ou ingrediente para bolo. Com isso, além de não desperdiçar, a pessoa agrega valor nutricional ao alimento que está sendo preparado.
O Sesc Mesa Brasil oferece oficinas que ensinam a aproveitar melhor os alimentos. Ao lidar com populações indígenas, o programa observa os hábitos alimentares locais de consumo e faz essa adequação.
“Ensinar como se alimentar adequadamente também faz parte de superar ou de enfrentar a questão da insegurança alimentar. O Brasil dispõe de espaço para plantar, promover a circulação dos insumos e a alimentação adequada”, afirma.
O Sesc Mesa Brasil, do Serviço Social do Comércio (Sesc), mediou os contatos dos pesquisadores de Harvard com os de outras instituições que trabalham com bancos de alimentos, para entender também a instância da política pública, até porque a configuração geopolítica brasileira é diferente da dos outros países. No entanto, como entidade privada, não há comprometimento da instituição, bem como do governo, de realizar as recomendações de Harvard.
Da Agência Brasil, com Redação