A partir desta segunda-feira, 23 de junho de 2025, começa a valer em todo o Brasil a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que torna obrigatória a retenção da segunda via da receita médica para compra de medicamentos análogos ao GLP-1, popularmente conhecidos como canetas emagrecedoras, nas farmácias e drogarias de todo o Brasil.

 A categoria inclui as substâncias semaglutida, a liraglutida, a dulaglutida, a exenatida, a tirzepatida e a lixisenatida. presentes em medicamentos como OzempicWegovyMounjaro e similares. A decisão por um controle mais rigoroso na prescrição e na dispensação desse tipo de medicamento foi tomada pela diretoria colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em abril e entrou em vigor 60 dias após a publicação no Diário Oficial da União.

A regra foi estabelecida pela Instrução Normativa nº 360, publicada em 23 de abril no Diário Oficial da União, que atualiza a RDC nº 471/2021, incluindo oficialmente esses medicamentos na lista de controle especial, como já ocorre com antibióticos.

A decisão da Anvisa surge como resposta ao uso indiscriminado e sem acompanhamento médico desses medicamentos, além de buscar maior segurança para a saúde pública. O objetivo é também garantir o acesso dos pacientes que realmente necessitam dos tratamentos, como pessoas com diabetes tipo 2 e obesidade diagnosticada, que muitas vezes enfrentam desabastecimento nas farmácias.

A farmacêutica sênior credenciada da Voy, Lenyta Gomes, reforça que a exigência de retenção da receita médica é uma medida fundamental para assegurar o uso adequado e racional destes medicamentos. 

Os  análogos do GLP-1 são indicados para o tratamento do diabetes tipo 2 e obesidade, com eficácia e segurança comprovadas, em estudos clínicos. No entanto, seu uso requer avaliação médica criteriosa e acompanhamento multidisciplinar, para garantir a segurança do paciente e melhores resultados ”, alerta.

Efeitos adversos: medida para proteger a saúde

Em nota, a agência informou que a medida tem como objetivo proteger a saúde da população brasileira, “especialmente porque foi observado um número elevado de eventos adversos relacionados ao uso desses medicamentos fora das indicações aprovadas pela Anvisa”.

A análise, segundo a agência, se baseou em dados de notificação do VigiMed, sistema disponibilizado pela Anvisa para que cidadãos, profissionais de saúde, detentores de registro de medicamentos e patrocinadores de estudos possam reportar suspeitas de eventos adversos relacionados a medicamentos e vacinas.

Em uma análise comparativa, o sistema de farmacovigilância, de acordo com a agência, sinalizou “muito mais eventos adversos relacionados ao uso fora das indicações aprovadas pela Anvisa no Brasil do que os dados globais”.

Ao apresentar seu voto, em abril, o diretor-presidente substituto da Anvisa, Rômison Rodrigues Mota, destacou que o incentivo ao uso de canetas emagrecedoras apenas com finalidade estética, acompanhado de promessas e depoimentos de rápida perda de peso e sem o devido acompanhamento médico, coloca em risco a saúde dos usuários:

Estamos falando de medicamentos novos, cujo perfil de segurança a longo prazo ainda não é totalmente conhecido. Por isso, é fundamental o monitoramento e a vigilância. O uso sem avaliação, prescrição e acompanhamento por profissionais habilitados, de acordo com as indicações autorizadas, pode aumentar os riscos e os potenciais danos à saúde.”

Uso indiscriminado

A retenção do receituário de canetas emagrecedoras já era defendida por entidades da área da saúde, incluindo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, a Sociedade Brasileira de Diabetes e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica.

Em nota aberta, as entidades citam que o uso indiscriminado desse tipo de medicamento gera preocupações quanto à saúde da população e ao acesso de pacientes que realmente necessitam desse tipo de tratamento.

A venda de agonistas de GLP-1 sem receita médica, apesar de irregular, é frequente. A legislação vigente exige receita médica para a dispensação destes medicamentos, porém não a retenção da mesma pelas farmácias. Essa lacuna facilita o acesso indiscriminado e a automedicação, expondo indivíduos a riscos desnecessários”, destacou o documento.

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Foco na segurança do paciente e uso racional de medicamentos

Amplamente utilizado por pessoas em busca do emagrecimento, os medicamentos Ozempic, Mounjaro e Wegovy e outros com efeito emagrecedor vêm sendo alvo de polêmicas envolvendo sua venda, prescrição e, mais recentemente, a exigência de retenção de receitas em farmácias para a dispensação das chamadas ‘canetas emagrecedoras’.

A medida foi adotada com foco na segurança do paciente e no uso racional desses medicamentos. Não se trata de uma medida relacionada a desabastecimento ou dificultar a compra, mas sim de uma resposta às evidências de uso indiscriminado, muitas vezes sem acompanhamento médico adequado”, diz a farmacêutica Aline Santana Goes, professora das disciplinas de Habilidades Terapêuticas do Curso de Medicina e Assistência Farmacêutica, da Universidade Tiradentes (Unit).

Ela lembra que relatos de efeitos adversos graves em alguns usuários reforçam a necessidade de um controle mais rigoroso. A intenção é garantir que esses medicamentos sejam utilizados de forma segura, dentro das indicações corretas e com a devida orientação profissional.

Consequências clínicas e sociais

Inicialmente indicadas para o tratamento de diabetes tipo 2, os medicamentos como o Ozempic tornaram-se populares por induzir a perda de peso como efeito secundário — o que levou muitos médicos a prescrevê-los para o controle da obesidade. A prática, embora permitida no Brasil como uso off-label, tem gerado efeitos colaterais importantes no sistema de saúde. No Brasil, a Anvisa registrou um número significativo de eventos adversos graves relacionados ao uso inadequado da semaglutida, medicamento presente no Ozempic.

Muitos casos envolvem o uso fora das indicações aprovadas, o que aumenta os riscos à saúde, como a pancreatite, uma reação grave que exige interrupção imediata do tratamento. Por se tratar de um medicamento recente, o uso deve ser feito com prescrição e acompanhamento rigoroso, garantindo a segurança do paciente”, destaca Aline.

Para a professora da Universidade Tiradentes (Unit).,  é preciso reconhecer que a obesidade é uma doença crônica complexa, que exige tratamento multidisciplinar e acesso facilitado a terapias reconhecidas.

As ‘canetas emagrecedoras’ oferecem uma nova esperança, mas precisam ser usadas com responsabilidade e acompanhamento médico. Infelizmente, o estigma ainda dificulta o acesso a tratamentos e traz sofrimento desnecessário. Precisamos avançar no cuidado e na compreensão, tratando a obesidade com respeito, ciência e empatia, pontua.

Entenda a polêmica

Com a decisão da diretoria colegiada da Anvisa, a prescrição de medicamentos agonistas GLP-1, incluindo Ozempic, Mounjaro e Wegovy, deve ser feita em duas vias, e a venda só pode ocorrer com a retenção da receita nas farmácias e drogarias, assim como acontece com antibióticos.

A validade das receitas será de até 90 dias a partir da data de emissão, período durante o qual poderão ser utilizadas pelo paciente.

Farmácias e drogarias, por sua vez, devem incluir, no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), a escrituração da movimentação de compra e venda dos medicamentos.

Segundo a agência, a decisão não altera o direito do profissional médico de prescrever os medicamentos para finalidades diferentes das descritas na bula.

A prática, conhecida como uso off label, ocorre quando o médico entende que, para determinado paciente, os benefícios do tratamento superam os riscos.

“É uma decisão tomada com responsabilidade pelo médico e sempre com o devido esclarecimento ao paciente, garantindo que ele esteja bem-informado sobre o procedimento”, destacou a Anvisa.

Dados alertam para riscos do uso indiscriminado

  • Dados da plataforma Pharmaceutical Market Brazil (LQVIA) mostram que, apenas em 2024, foram vendidas mais de 3 milhões de unidades do Ozempic no Brasil. Nos últimos seis anos, o crescimento na compra foi de 663%, segundo a instituição. A venda dos medicamentos Ozempic, Saxenda, Victoza, Xultophy, Rybelsus, em conjunto, somou mais de R$ 4 bilhões apenas em 2024;
  • Ao mesmo tempo, de acordo com o VigMed, sistema da Anvisa em que são reportadas suspeitas de eventos adversos relacionados a medicamentos e vacinas, de janeiro de 2012 a setembro de 2024, foram registradas 1.165 notificações relacionadas às substâncias liraglutida, dulaglutida, semaglutida e tirzepatida.
  • Comparando os dados brasileiros com os globais, 32% dessas notificações estão relacionadas ao uso não previsto em bula ou não aprovado —contra uma taxa 10% registrada globalmente (VigiMed);
  • Outro dado que chama a atenção é o percentual de relatos de casos de pancreatite (inflamação do pâncreas) relacionados ao uso dos medicamentos: 5,9% no Brasil contra 2,4%, no mundo.

Com informações da Agência Brasil e Assessorias

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