Com a entrada em vigor adiada para 2026, as empresas terão mais tempo para se adaptarem à nova redação da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), do Ministério do Trabalho e Emprego, que impõe mudanças significativas nas práticas empresariais relacionadas à saúde e segurança no trabalho. Mas como o adiamento da NR-1 pode afetar a prevenção e gestão de transtornos psicológicos no trabalho?
De acordo com Alessandra Pinatti Kinjo, psicóloga e consultora na Vetor Editora, na verdade, não houve um adiamento da exigência, mas sim a definição de um cronograma de implementação progressiva. A partir de 26 de maio de 2025, as empresas deverão iniciar a gestão dos riscos psicossociais, conforme previsto na Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), com foco inicial no caráter educativo.
Isso significa que, durante o primeiro ano, o objetivo será orientar e capacitar empregadores e profissionais sobre a identificação, avaliação e controle desses riscos. A partir de 2026, as empresas que não se adequarem poderão ser penalizadas”, explica a Mestre em Psicologia pela USP – Ribeirão Preto/SP, com ampla experiência em Avaliação Psicológica.
Essa fase educativa é uma oportunidade valiosa para que as organizações revisem e adaptem seus processos internos, promovam ações voltadas à saúde mental e criem ambientes de trabalho mais seguros e saudáveis. Um período de transição bem estruturado favorece a construção de uma cultura organizacional mais consciente e preparada para lidar com os desafios relacionados ao bem-estar psicológico dos trabalhadores.
Alessandra esclarece alguns pontos fundamentais em relação à nova norma. Mais do que reforçar obrigações com os próprios colaboradores, a atualização amplia o foco sobre os terceiros, exigindo das contratantes uma atuação mais ativa e integrada na prevenção de acidentes e riscos psicossociais.
A partir da nova norma, a gestão de fornecedores ganha status de prioridade na estrutura de governança das empresas. A responsabilidade compartilhada, antes presente apenas no discurso, agora se consolida como diretriz fiscalizável e estratégica”, diz a professora da Vetor Editora, empresa da Giunti Psychometrics.
Impacto de quadros como burnout na produtividade e na cultura organizacional
O burnout, caracterizado por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização profissional, tem um impacto direto e significativo na produtividade. Colaboradores afetados podem apresentar dificuldades de concentração, perda de motivação, aumento de erros e retrabalho, além de menor capacidade de inovação e tomada de decisão. Isso tudo compromete o desempenho individual e, em escala maior, os resultados da equipe e da organização.
No aspecto da cultura organizacional, o burnout pode gerar um ambiente de trabalho tóxico, marcado por sentimentos de injustiça, desconfiança e desengajamento coletivo. Quando não há reconhecimento ou suporte diante do adoecimento mental, corre-se o risco de consolidar uma cultura em que o sofrimento é normalizado — onde o desgaste extremo é visto como algo inerente à função. Isso não apenas desestimula a busca por ajuda como também dificulta a implementação de políticas preventivas e de acolhimento”, pontua a psicóloga.
Escala Brasileira de Burnout (EBBurn)
Professora em vários cursos sobre as ferramentas, Alessandra afirma que a Escala Brasileira de Burnout (EBBurn), por exemplo, desempenha um papel fundamental na avaliação e monitoramento dos riscos psicossociais dentro das organizações, ajudando gestores e RHs na promoção de ambientes mais saudáveis.
Por meio de uma metodologia validada, elas permitem identificar colaboradores ou setores com maior vulnerabilidade ao burnout, mapeando padrões de exaustão emocional, despersonalização e sentimento de ineficácia no trabalho.
Com essas informações em mãos, gestores e profissionais de RH podem elaborar estratégias direcionadas para a prevenção e intervenção, promovendo mudanças organizacionais mais assertivas.
Além disso, o uso de instrumentos como o EBBurn contribui para consolidar uma cultura organizacional baseada no cuidado, reduzindo estigmas relacionados à saúde mental e reforçando o compromisso da empresa com o bem-estar de seus colaboradores.
Corresponsabilidade e fiscalização intensificada
Atualização da norma trabalhista exige nova postura das empresas em relação a contratação, fiscalização e integração com fornecedores
De acordo com Rodrigo Vieira Vaz, auditor fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego, o novo texto da NR-1 introduz parâmetros mais rigorosos para a comprovação do cumprimento das obrigações legais por parte das empresas contratantes.
A ideia não é só responsabilizar a contratada, mas entender de que forma a contratante atua para assegurar que as normas estão sendo efetivamente seguidas. Terceirizar não é repassar risco, e sim compartilhar responsabilidade”, afirma.
Ainda segundo o auditor, a atualização da normativa reforça a importância da avaliação contínua dos riscos psicossociais no ambiente de trabalho e cresce também a necessidade de ações mais estratégicas e propositivas dentro das empresas. Nesse contexto, o Diagnóstico de Saúde Mental surge como uma ferramenta essencial para ir além do cumprimento legal, promovendo uma cultura organizacional mais saudável e sustentável.
Essa abordagem pode ser decisiva na construção de ambientes de trabalho mais seguros e produtivos. Mais do que atender a uma exigência normativa, o diagnóstico de saúde mental permite que a empresa conheça melhor seus colaboradores e atue de forma preventiva, criando estratégias alinhadas à realidade do seu time.”
Mais proteção aos terceirizados
Para o Ministério Público do Trabalho, a nova NR-1 representa um avanço na luta por condições mais equânimes de segurança para todos os profissionais. “Boa parte dos acidentes e adoecimentos ocorre entre prestadores de serviços que, muitas vezes, atuam em atividades críticas sem o mesmo nível de proteção dos colaboradores internos”, destaca Cirlene Luiza Zimmermann, coordenadora nacional da Codemat/MPT.
Segundo ela, “a norma fortalece a obrigação de integrar esses profissionais à cultura de segurança das empresas contratantes”. Cirlene ainda reforça que a prevenção começa na contratação e se estende às rotinas operacionais. “Ignorar os riscos associados aos terceiros pode gerar não apenas sanções jurídicas, mas também danos reputacionais”
Saúde e segurança além do RH: integração é essencial
Um bom exemplo de adequação prática às novas exigências vem do setor hospitalar. No Hospital Israelita Albert Einstein, a área de Suprimentos atua de forma conjunta com o setor de Saúde e Segurança do Trabalho.
Deixamos de ser apenas um setor de compras. Participamos da homologação de fornecedores com foco em critérios como regularidade legal, boas práticas de SST e qualidade”, afirma Bruno Lima, coordenador de compras e projetos estratégicos do hospital. “A segurança dos terceiros impacta diretamente na de nossos colaboradores e pacientes”.
Para Bruno Santos, sócio da área de Gestão de Terceiros da consultoria Bernhoeft, referência nacional em consultoria empresarial, a atualização da NR-1 exige uma nova mentalidade. “Não é mais suficiente ter contratos bem elaborados. É preciso auditar, monitorar, orientar e integrar os fornecedores à rotina de prevenção”, afirma.
A empresa realizou no início do mês um evento, na FGV EAESP (Fundação Getulio Vargas), com o foco no debate sobre a atualização da normativa, com ênfase na inclusão dos riscos psicossociais e no fortalecimento da cultura de prevenção nas empresas brasileiras. Segundo Erlon Torres, especialista em Saúde e Segurança do Trabalho da Bernhoeft, as empresas mais maduras já encaram a segurança como um diferencial competitivo.
Redução de afastamentos, minimização de riscos jurídicos, fortalecimento da marca – tudo isso é impacto direto de uma cultura de segurança bem implementada. A nova NR-1 apenas torna esse caminho obrigatório”, resume.
Compliance e ESG: uma nova fronteira da segurança do trabalho
A atualização da NR-1 reforça que a gestão de terceiros deve estar alinhada a diretrizes mais amplas de compliance, governança e responsabilidade social. Deixar de se preparar pode significar não apenas sanções legais, mas a perda de competitividade em um mercado cada vez mais atento a critérios ambientais, sociais e de governança.
Empresas que se antecipam às exigências regulatórias não apenas evitam riscos – também demonstram compromisso real com a sustentabilidade e com a valorização da vida.
Com Assessorias