O Abril Azul, mês mundial de conscientização do autismo, também potencializa a discussão sobre os direitos relacionados à pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Nos últimos anos, os autistas passaram a ter uma série de direitos assegurados por legislações no Brasil.

No campo jurídico, é essencial que advogados, juristas e profissionais do Direito estejam atentos às legislações que protejam as pessoas com autismo. Afinal, a conscientização sobre o autismo não se limita à sensibilização social, mas exige também uma atuação jurídica firme.

No Brasil, a legislação tem avançado para garantir a inclusão de pessoas com TEA, com destaque para a Lei nº 12.764/2012, conhecida como a “Lei Berenice Piana”, que reconheceu oficialmente o autismo como um transtorno global do desenvolvimento e estabeleceu direitos específicos, como acesso à educação especializada e cuidados de saúde adequados”, aponta Carmem Bosquê, advogada no escritório Bosquê & Grieco Advogados.

Além disso, a Constituição Federal de 1988 assegura direitos fundamentais como a igualdade e a não discriminação, que devem ser aplicados a todas as pessoas, incluindo aquelas com condições de saúde diferentes. Dessa forma, a inclusão social das pessoas com autismo não é apenas uma questão de empatia, mas uma obrigação legal tanto do Estado quanto da sociedade.

Profissionais do direito desempenham um papel de extrema importância na defesa dos direitos das pessoas com TEA, assegurando que políticas públicas sejam eficazes, que as escolas promovam inclusão e que as empresas cumpram normas de acessibilidade, ajudando assim a promover a construção de uma sociedade mais justa e igualitária”, diz a especialista.

Advogada previdenciária explica como requerer o BPC para autistas

A lei nº 6.458/2023 estabelece que no Amazonas, o laudo médico para diagnóstico de autismo tenha validade por tempo indeterminado

As pessoas com diagnóstico de autismo têm direito ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), que deve ser solicitado junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  A advogada previdenciária Raysa Lima explica que um autista terá direito ao BPC, quando for comprovado que o transtorno causa limitações significativas na vida diária, como dificuldades de comunicação e interação social. Isso deve ser acompanhado da comprovação da renda familiar dentro dos limites estabelecidos pela lei.

A avaliação médica detalhada e a análise da renda familiar são essenciais para a concessão do benefício. A orientação de um advogado especializado em previdência é fundamental para garantir que o processo de solicitação do BPC seja bem-sucedido. Para as famílias que têm filhos autistas, a recomendação é reunir todos os documentos necessários, como laudos médicos e comprovantes de renda, e procurar apoio legal para garantir os direitos do indivíduo”, pontua a especialista.

De acordo com a especialista, o primeiro passo para dar entrada ao pedido do BPC é fazer ou atualizar o Cadastro Único (CadÚnico) da família, que pode ser feito no CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) mais próximo.

Leve documentos como RG, CPF, comprovante de residência e de renda de todos que moram na casa. Depois, você deve solicitar o BPC ao INSS. Isso pode ser feito pelo telefone 135, pelo site ou aplicativo Meu INSS. Sendo necessário juntar ao processo documentos pessoais da pessoa com autismo e dos familiares, além de laudos médicos e relatórios detalhados que descrevam o diagnóstico de TEA”, orienta.

O autista pode solicitar o auxílio-doença se estiver contribuindo para o INSS e não conseguir trabalhar temporariamente devido ao autismo ou outra condição de saúde, mas para isso, é necessário apresentar laudos médicos que comprovem a incapacidade temporária para o trabalho.

O autista que estiver contribuindo para o INSS e for considerado incapaz de trabalhar permanentemente pode solicitar aposentadoria por invalidez. A perícia médica do INSS é essencial para avaliar a capacidade funcional e confirmar o direito ao benefício”, observa Raysa Lima.

A advogada também explica que é possível uma pessoa com autismo receber mais de um benefício, mas deve seguir as regras do INSS. “O BPC, por exemplo, não pode ser acumulado com aposentadoria, pensão ou outros benefícios previdenciários. No entanto, caso o autista seja dependente de alguém que receba pensão ou aposentadoria, ele pode acumular esses valores com o BPC”.

A Lei nº 6.458/2023, do Amazonas, estabelece que o laudo médico para diagnóstico de autismo tem validade por tempo indeterminado.

 Isso facilita a vida das famílias que não precisarão renová-lo periodicamente. A Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal aprovou um projeto de lei que visa tornar a validade do laudo permanente em todo o país, mas o projeto ainda precisa ser aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado”, observou.

Dificuldades no processo de solicitação do BPC

Uma das maiores dificuldades que os advogados enfrentam ao solicitar o BPC para autistas, pontua advogada, é comprovar a gravidade da deficiência, já que o autismo pode ter diferentes níveis de impacto na vida de cada pessoa.

Além disso, o processo exige a apresentação de laudos médicos detalhados e de relatórios sociais que evidenciem as limitações reais da pessoa. A documentação precisa ser clara e específica para garantir a aprovação do benefício”.

É possível que o autista solicite a aposentadoria da pessoa com deficiência (PCD), desde que tenha contribuído para o INSS e comprove a deficiência. Esse tipo de aposentadoria oferece vantagens, como redução no tempo de contribuição ou a possibilidade de se aposentar por idade com menos tempo de trabalho.

Para solicitar, é necessário apresentar laudos médicos detalhados que atestem como o autismo afeta a capacidade funcional da pessoa. O INSS realiza uma avaliação para confirmar se a pessoa se enquadra nos critérios de aposentadoria para PCD”, conclui.

Palavra de Especialista

TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA: BREVE ANÁLISE DA LEI Nº 12.764/2012  

Por Thais Marques*

Diante da fragilidade dos dados sobre essa parcela da população, os quais são capazes de influenciar a formulação de políticas públicas, a Lei nº 13.861, de 18 de julho de 2019, acrescentou o parágrafo único ao artigo 17 da Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, para que os censos demográficos realizados a partir de 2019 incluíssem as especificidades inerentes ao transtorno do espectro autista.

Dessa forma, mesmo que os diagnósticos não representem com precisão os casos, já apresentam informações dotadas de maior verossimilhança com a realidade. Nesse viés, é importante ressaltar que o principal marco legislativo foi a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, a qual considera como pessoa com transtorno do espectro autista aquelas que apresentam (artigo 1º, §1º, incisos I e II):

I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.

A Política Nacional pauta-se, portanto, na necessidade em promover a intersetorialidade para o desenvolvimento das ações, a participação da comunidade, a atenção às questões de saúde (diagnóstico precoce, atendimento multidisciplinar, acesso à mediação e nutrientes), o estímulo à inserção no mercado de trabalho. Além disso, ainda contempla iniciativas voltadas a promover a informação, a pesquisa científica e a formação de profissionais para atendimento (artigo 2º da Lei nº 12.764/2012).

No que tange aos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, o artigo 3º da Lei nº 12.764/2012 ainda apresenta 3º um rol meramente exemplificativo, dentre os quais destacam-se o direito à: vida digna, integridade (física e moral), segurança, lazer, proteção, bem como o direito ao acesso à saúde à educação, à moradia, ao mercado de trabalho, à previdência social e à assistência social.

Por outro lado, no que diz respeito às proteções, a referida lei reitera disposições constitucionais ao apresentar o dever de proteger a pessoa com transtorno do espectro autista de qualquer tratamento desumano, degradante ou de qualquer forma de discriminação (artigo 4º da Lei nº 12.764/2012), conforme artigo 3º, inciso IV, 5º, inciso III, e outros da CF. Nessa perspectiva de vedação à discriminação, o texto legal ainda contempla a vedação de planos de saúde privados impedirem a participação de pessoas com espectro autista, bem como de escolas recusarem a matrícula de aluno com transtorno de espectro autista ou outro tipo de deficiência.

Para além das questões supramencionadas, que enfatizam a legislação própria sobre o tema, a pessoa com espectro autista ainda goza de toda a proteção garantida à pessoa com deficiência, disposta no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) ou em outras disposições legais e constitucionais espaças pelo ordenamento. Há, inclusive, disposições que asseguram direitos à pessoa com espectro autista e quiçá que poderão beneficiar familiares/ responsáveis, dos quais ressalte-se:

(i) o Benefício de Prestação Continuada (BPC) previsto no que garante um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família (artigo 20, Lei nº 8.742/1993);

(ii) caso a empresa aérea exija a presença de um acompanhante para a pessoa com deficiência, concederá ao acompanhante desconto de no mínimo 80% da tarifa cobrada do passageiro com deficiência (artigo 48, §1º, Resolução 009, de 05 de junho de 2007);

(iii) a Isenção de IPI Imposto sobre Produtos Industrializados) e/ou IOF (Imposto sobre operações financeiras) na aquisição de veículos, nos termos da RFB nº 1.769/2017;

Dentre as alterações recentes da Lei nº 12.764/2012, está o acréscimo do artigo 3º-A pela Lei nº 13.977/2020, a qual instituiu a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). O documento possui como objetivo “garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social.”. Por essa razão, contempla os dados pessoais e a fotografia da pessoa com transtorno do espectro autista, bem como os dados pessoais do responsável legal ou cuidador.

Conforme o exposto verifica-se que a legislação apresenta disposições relevantes sobre o tema, não apenas voltadas aos direitos que nos soam mais abstratos (vida, saúde, segurança, etc.), mas visando a promoção de políticas públicas assistenciais direitos às pessoas com transtorno do espectro autista. Entretanto, realizando uma análise do tema conforme a vertente do “Direito Achado na Rua”, a “a lei é uma referência, mas por meio das ações da sociedade consegue-se tirá-la do papel, dar-lhe vigor e vitalidade, modificá-la”.

Ou seja, mesmo que haja relevantes disposições sobre o tema, mostra-se essencial fomentar “a criação e o desenvolvimento de Políticas públicas voltadas à melhor qualidade do acesso à educação, aos tratamentos multidisciplinares, ao acompanhamento de profissionais qualificados, assim como para o incentivo às pesquisas direcionadas aos autistas”, tal como objetivou a Lei nº. 12.764/2012.

Portanto, neste Abril Azul, é essencial destacar a importância de uma educação em direitos humanos, a qual possa pauta-se “na tolerância em relação às diferenças, na solidariedade, na justiça social, na sustentabilidade” e visa promover avanços na defesa dos direitos fundamentais para todos os seres humanos.

*Thais Marques é advogada de família do núcleo de direitos humanos da Martins Cardozo Advogados Associados

Com Assessorias

 

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