O surgimento de doenças sempre coloca em alerta cientistas no mundo todo para descobrir um tratamento ou cura. Não é diferente com a pandemia da Covid-19, que já infectou mais de 1 milhão de pessoas em todos os continentes e matou, até o momento, mais de 65 mil. Porém, a descoberta de vacinas e medicamentos eficazes para o tratamento e futuro combate à doença pode levar mais de um ano e meio, para somente depois poder ser liberada para todos. O motivo é simples: é necessário e importante esperar um tempo para que seja descoberta e testada a real eficácia e os possíveis efeitos colaterais.

Atualmente há inúmeras pesquisas em andamento com diferentes tipos de medicamentos já conhecidos no mercado para outras finalidades. Um dos mais famosos até o momento, a cloroquina era facilmente encontrada em farmácias até o presidente Jair Bolsonaro alardear seu potencial de cura contra a covid-19, replicando por aqui o discurso de seu ídolo, o presidente norte-americano Donald Trump.

A procura desenfreada pelo medicamento fez com que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o colocasse na lista de controlados, e que só pode ser adquirido em drogarias e farmácias de manipulação com a prescrição em duas vias de um receituário médico. Mas a Anvisa voltou atrás e afrouxou as regras, depois que Bolsonaro anunciou que mandou laboratórios químicos do Exército produzirem o medicamento em massa.

Devemos lembrar que estes medicamentos fazem parte de um grupo de substâncias denominadas de quimioterápicos e que podem promover inúmeros efeitos adversos. A cloroquina, por exemplo, pode desencadear anemia, urticária, broncoespasmo, anorexia, psicose, comportamento suicida e muitos outros”, alerta o professor André Luiz de Moura, coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo São Paulo. 

Ele chega a comparar a cloroquina ao famoso caso do medicamento talidomida, responsável pela má-formação de milhares de crianças após sua introdução na década de 1950 em todo o mundo e no Brasil entre 1960 e 1965. Proibida ao longo de muitos anos, a droga ainda é utilizada como  sedativoanti-inflamatório e hipnótico. Especialistas alertam que a substância deve ser evitada durante a gravidez e em mulheres que podem engravidar por conta de seus efeitos teratogênicos.

Além do risco da automedicação, Moura alerta para o fato de os estudos sobre os efeitos da cloroquina ainda não serem conclusivos para o tratamento ou prevenção da covid-19. “É importante termos cautela e respeitarmos os tempos de cada fase de estudo. Já tivemos no passado inúmeros exemplos de situações onde os prazos não foram respeitados e surgiram complicações significativas após a liberação do medicamento”, comenta.

Além dos estudos com cloroquina e a hidroxicloroquina (utilizados no tratamento para doenças reumáticas e de pessoas com malária), ele cita pesquisas com medicamentos como Interferon-Alfa (usado pra tratar casos de hepatite), lopinavir-ritonavir (empregados para retrovírus como o HIV), Ribavirina e Arbidol (empregados para infecções virais) e a associação de hidroxicloroquina e azitromicin. “As mais avançadas indicam que alguns antimicrobianos já utilizados em outras patologias podem apresentar ação positiva no tratamento da covid-19. O mundo todo está se unindo em uma força tarefa gigantesca para concluírem o mais rápido possível as análises”, afirma o especialista.

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Busca por moléculas em medicamentos já autorizados

Diante do cenário de pandemia, a busca por moléculas em medicamentos já autorizados é estratégica. Dentre os dois mil medicamentos testados por pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais contra a covid-19, cinco foram considerados promissores, com base em métodos de biologia computacional.

Essa pré-seleção reúne drogas como analgésicos, anti-hipertensivos, antibióticos, diuréticos e outros, que seguiram para testes com células infectadas com o vírus. Já disponíveis nas farmácias, medicamentos são baratos e bem tolerados, um deles já possui, inclusive, formulação pediátrica. Posteriormente somou-se aos cinco fármacos selecionados previamente uma sexta substância, escolhida por técnicas de quimioinformatica e inteligência artificial.  Eficácia in vitro do medicamento que se mostrou mais promissor é comparável ao da cloroquina.

Ao olharmos para substâncias já avaliadas como seguras, podemos chegar aos testes clínicos, com pacientes humanos, em um intervalo de tempo reduzido, se comparado ao processo normal de descoberta de fármacos”, explica Rafael Elias Marques, especialista em virologia do CNPEM, organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

2 mil remédios já foram avaliados

Buscar moléculas ativas contra o coronavírus entre medicamentos que já estão no mercado é um dos principais esforços do CNPEM, no âmbito da Rede Vírus MCTIC. Por meio de ferramentas avançadas de biologia computacional e inteligência artificial, os pesquisadores a valiaram cerca de dois mil fármacos já aprovados, conhecidos e comercializados. As análises indicam se essas substâncias são capazes de se ligar ao vírus, em lugares específicos, capazes de bloquear a replicação viral.

A Universidade do Vale do Itajaí (Univali) iniciou um projeto de pesquisa sobre novas moléculas inibidoras da protease viral do SARS-CoV-2, agente causador do Covid-19. O reitor, professor Valdir Cechinel Filho, envolvido diretamente na pesquisa, solicitou pedido de ajuda à Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc), na avaliação das substâncias que se mostraram promissoras computacionalmente e outras oriundas de plantas medicinais com possibilidades de efeitos promissores.

O grupo está fazendo modelagem molecular, ou seja, utiliza métodos e técnicas computacionais para modelar e mimetizar o comportamento das moléculas, e triagem virtual orientada, com ferramentas de docagem molecular, acoplamento, de derivados da cloroquina. A partir dos resultados, a ideia é estabelecer protocolos de síntese que possibilitem a obtenção de derivados e análogos estruturais de classes de compostos orgânicos já estudados pelos pesquisadores da Univali, que possuem efeitos antivirais, nesse caso, condensadas ao núcleo básico da cloroquina.

O vice-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, professor Rogério Corrêa, doutor e mestre em Química, com ênfase, respectivamente, em Síntese Orgânica e Química Medicinal, explica que a Univali atua há 25 anos na pesquisa de compostos bioativos, de origem natural ou sintética, para a cura e controle de diversas enfermidades que acometem as pessoas. “Foram desenvolvidas novas entidades moleculares, além de derivados e análogos de fármacos já disponíveis na terapêutica. Com a pandemia do Covid-19, julgamos oportuna e estratégica a inserção da nossa Universidade nesse cenário de desafio científico e tecnológico”, pontua.

O estudo conta com a participação direta do reitor, enquanto pesquisador. Ele é mestre e doutor em Química Orgânica e coordenador internacional da Rede Iberoaamericana de Estudo e Aproveitamento Sustentável da Biodiversidade Regional de Interesse Farmacêutico (Ribiofar) e da Rede de Investigação em Câncer (Ribecancer).

De acordo com o professor Cechinel, o pedido à Abruc é para que as Universidades passem a buscar subsídios científicos e a interagir para buscar novas alternativas de tratamento ao coronavírus. “A Univali já demonstrou sua expertise, pela produção acadêmica de excelência e desenvolvimento de produtos junto à indústria farmacêutica. Temos este estudo inicial e a próxima etapa consiste na busca por instituições parceiras para avaliar as moléculas naturais e sintéticas, em modelos experimentais in vitro, in vivo e clínicos”, ressalta.

Com Assessorias

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