Uma em cada duas mil pessoas no Brasil é portadora de ceratocone, uma doença inflamatória e degenerativa da córnea, segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia. No Brasil, o ceratocone atinge 100 mil pessoas e responde por 70% dos transplantes de córnea, a lente externa do olho que responde pela refração da luz e se nutre do oxigênio retirado do ar.
Pensando neste público, entidades de Oftalmologia do mundo inteiro elegeram este mês para a campanha Junho Violeta, que alerta para o risco de coçar os olhos. Um ato simples e corriqueiro, mas que nos pacientes de ceratocone, o atrito ao esfregar agrava a doença.
O oftalmologista Leôncio Queiroz Neto, presidente do Instituto Penido Burnier, ressalta que em meio à pandemia, tocar os olhos também pode levar à Covid-19 ao sistema respiratório. Isso porque, o ducto lacrimal faz a ligação entre olhos e nariz. Os riscos não param por aí. Uma pesquisa realizada por Queiroz Neto com 315 portadores de ceratocone revela que metade dos participantes convive com alguma doença respiratória crônica.
Os sintomas da alergia ocular são coceira, ardência, vermelhidão, lacrimejamento e sensibilidade à luz. O problema, afirma, é que a análise do filme lacrimal mostra que basta uma pessoa coçar os olhos por 1 minuto para ativar reações alérgicas e reduzir os inibidores de inflamação. Significa que coçar os olhos pode causar ceratocone em qualquer córnea já que diminui a resistência biomecânica e este é o maior fator de risco da doença.
Por isso, a recomendação é consultar um oftalmologista sempre que sentir coceira. O especialista esclarece que o tipo de tratamento varia conforme o diagnóstico. Em alguns pacientes a causa da comichão são reações inflamatórias no filme lacrimal e o tratamento é feito com colírio antialérgico, ou anti-inflamatório, de acordo com a severidade. Em outros, resulta de uma irritação causada por olho seco e o mais indicado é usar colírio lubrificante.
Formas de diagóstico
O ceratocone, que pode ou não ser genético, é caracterizado pelo afinamento da córnea e, consequente, protusão desse tecido e mudança da curvatura. De arredondada como a metade de uma laranja, gradualmente passa a ficar mais pontuda, em formato parecido com um chapéu de bruxa. Por isso o nome “ceratos”, que em grego é córnea e cone.
Queiroz Neto afirma que o ceratocone aparece na infância, mas só na adolescência surgem os primeiros sinais de perda visual. Estudos demonstram que 94% dos pacientes de ceratocone são diagnosticados entre os 12 e 39 anos e apresentam o problema nos dois olhos, mas não ao mesmo tempo. “Pode aparecer primeiro em um olho e, anos depois, no outro”, salienta o oftalmologista Armando Signorelli, especialista em córnea.
Tecnologias de imagem como a topografia, tomografia de coerência óptica (OCT) e o estudo biomecânico da córnea permitem diagnosticar casos subclínicos, antes dos primeiros sintomas.
Isso é muito importante porque na infância a progressão costuma ser mais rápida, o acompanhamento da evolução se torna viável e o paciente se sente mais seguro para passar pelo crosslinking, única cirurgia capaz de interrompe a evolução da doença”, pondera Queiroz Neto.
Formas de tratamento
A progressão do ceratocone é variável. No estágio inicial, o uso de óculos ou de lentes de contato rígidas mantém a boa visão. No entanto, no decorrer do tempo, a protrusão avança, dificulta o encaixe das lentes e o paciente tem a visão reduzida.
Diferentes tipos de lentes de contato têm sido desenvolvidos para se ajustar à curvatura corneana, com alteração do material da lente, desenho, formas de uso, sistemas de limpeza e manutenção. Essas mudanças têm conferido mais conforto aos pacientes”, observa.
“O paciente de ceratocone deve passar por um tratamento crônico que inibe crises alérgicas e coceira das pálpebras”, frisa o Signorelli. O médico explica que a piora do quadro deve-se ao fato da córnea do portador da doença apresentar um tecido mais delicado e fino. Segundo o especialista, o ato de coçar provoca ainda mais afinamento, aumentando a deformidade e a baixa visual.
Novidades no crosslinking
O oftalmologista observa que por enquanto o crosslinking continua sendo feito com aplicação de radiação UV (ultravioleta) associada à riboflavina (vitamina B2) para fortalecer as ligações cruzadas entre as fibras de colágeno da córnea.
Mas já estão em curso, estudos de um novo tipo de crosslinking feito com Genipin, substância natural capaz de reticular as fibras de colágeno da córnea sem aplicação de radiação UV e riboflavina. Queiroz Neto ressalta que os estudos não são conclusivos, mas revelam que esta substância nas concentrações de 0,20% e 0,25% são menos tóxicas para a córnea e pode oferecer resultado semelhante ao da cirurgia tradicional.
Por enquanto, observa, a novidade é o crosslinking personalizado em que a potência é modulada de acordo com as irregularidades da córnea e acompanha o formato do ceratocone mediante aplicação de máscaras.
Para ceratocone avançado
A doença evolui e quando a adaptação das lentes de contato se torna difícil, pode-se indicar o tratamento cirúrgico em que se coloca a prótese Anel Intracorneano, também conhecido no Brasil como Anel de Ferrara. Signorelli explica que a prótese é de material acrílico óptico e, ao ser inserida dentro da córnea, corrige a deformidade e promove um espessamento do tecido corneano.
A iniciativa melhora consideravelmente a acuidade visual e permite a adaptação de lentes de contato ou, em alguns casos, o uso de óculos. “Quando a córnea é muito deformada e fina, a colocação do anel é inviável e a opção para restituição da visão passa a ser o transplante de córnea”, argumenta o especialista.
Para evitar o transplante em ceratocone bastante avançado, Queiroz afirma que a novidade são dois novos tipos de anel intraestromal. Um deles é o anel 360º ou de arco longo para ceratocone bastante avançado com astigmatismo baixo. O outro é o anel assimétrico que tem efeito de aplanação de acordo com a espessura da córnea.
“Estudos mostram que as duas tecnologias melhoram da acuidade visual, comenta. Outra novidade para melhorar a visão de portadores de ceratocone com alta miopia é o implante de ICL, uma microlente biocompatível com os tecidos oculares. A cirurgia é feita sem a retirada do cristalino, conclui Queiroz Neto.
Curiosidades sobre o ceratocone
– Pessoas que têm alergia nos olhos, rinite e sinusite têm mais probabilidade de adquirir o distúrbio ocular;
– Pessoas com Síndrome de Down, Síndrome de Turner, Síndrome de Marfan ou outras síndromes podem desenvolver o ceratocone com mais facilidade;
– A córnea normal apresenta formato com curvatura que se assemelha a metade de uma laranja e tem de 40 a 47 dioptrias (medida de grau de uma lente). O portador da doença tem a córnea mais fina e mais curva, em formato de cone, medindo mais que os 47 dioptrias, podendo chegar a acima de 60 dioptrias;
– A etiologia do ceratocone ainda não foi determinada. Especula-se que tenha origem a partir de defeitos em diversos genes. Pode ser familiar ou incidir sobre um único membro familiar.
Com Assessorias