Quem não recebeu pelo Whatsapp uma mensagem alardeando a chegada do “caminhão cata-véio”? Ou vídeos mostrando pessoas idosas circulando nas ruas sem máscaras ou nas filas de supermercados, farmácias e outros estabelecimentos, com mensagens muitas vezes até agressivas? A brincadeira, que pode parecer divertida, não tem graça nenhuma se for exagerada, ofensiva ou mesmo estimular a hostilidade e até mesmo a agressão verbal ou física contra os idosos. Esse é o alerta da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), que destacamos neste Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa (15 de junho).
Segundo especialistas, o crescimento da violência doméstica durante o isolamento social não afeta somente crianças, adolescentes e mulheres. Mais vulneráveis à Covid-19, os idosos também estão sujeitos a todo tipo de agressão, que pode não ser somente física, mas também verbal, por meio de humilhações, desrespeito, palavras mal ditas e muito mais.
É fato que durante a pandemia do novo coronavírus, as notícias e informações sobre os idosos têm sido dedicadas principalmente a esta população, considerada o grupo mais vulnerável à doença, com ênfase na importância dos cuidados e do isolamento social entre pessoas acima dos 60 anos. No entanto, mesmo sendo a principal vítima da Covid-19, o idoso vem sendo alvo de uma enxurrada de vídeos e memes com imagens de idosos tentando burlar a quarentena.
Para especialistas, esse tipo de humor em um momento delicado como esse reforça estereótipos e a infantilização, na medida em que expõe o idoso como se fosse uma pessoa sem autonomia e que tem necessidade de ser tutelada por outra pessoa. A entidade chama atenção para três temas importantes que têm afetado de forma mais acentuada a população idosa nesse contexto de isolamento social: a infantilização, o ageísmo ou etarismo (preconceito contra idosos) e a violência doméstica.
A caricatura do idoso é um dos preconceitos que têm sido exacerbados por conta da pandemia da Covid-19. O preconceito pode ser percebido inclusive em falas oficiais quando relativizam a perda de vidas dos idosos, como se a vida de um idoso tivesse menor valor do que a vida de uma pessoa mais jovem”, afirma o presidente da SBGG, Carlos André Uehara.
Além disso, esse tipo de comportamento reforça o etarismo, que é o preconceito com relação à idade, pois a pessoa idosa passa a ser vista como irresponsável, incapaz de executar tarefas do dia a dia e sem autonomia para tomar decisões. Reforçar esses estereótipos pode acabar se refletindo em vários setores da sociedade, como, por exemplo, no aumento da resistência por parte das empresas na contratação de pessoas mais velhas.
O idoso é um adulto consciente, independente, apto a ter uma vida ativa e autônoma e que deve ter seus interesses respeitados. Infantilizar a pessoa idosa com esse tipo de comportamento é desrespeitar a sua autonomia e biografia”, afirma o presidente da SBGG.
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Violência contra o idoso
Segundo especialistas, o crescimento da violência doméstica não afeta somente crianças, adolescentes e mulheres durante o isolamento social. Os idosos também estão vulneráveis a esse tipo de violência.
As agressões não são apenas físicas, mas aparecem por meio de vários formatos como humilhações, desrespeito, ofensas verbais, palavras mal ditas, o que afeta mentalmente a saúde do idoso e reforça o estereótipo negativo construído”, diz Vania Beatriz Merlotti Herédia, presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG.
A violência contra o idoso é um assunto estigmatizado na sociedade e uma violência que tem sido negligenciada. O Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03) caracteriza o tema como qualquer ação ou omissão, praticada em local público ou privado, que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.
Mesmo que o Estatuto do Idoso assegure em seu artigo 4º que “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão e todos atentado aos seus direitos por ação ou omissão, será punido por lei”, as agressões acontecem e ferem um número considerável de idosos.
O fato de o idoso não denunciar a violência não significa estar de acordo. Reflete, entretanto, as condições de dependência em que muitos vivem e a falta de alternativas no enfrentamento das agressões, o que evidencia o medo que muitos passam frente à violência dentro de casa”, conclui.