Quase um ano e meio após a chegada da Covid-19 ao Brasil, a situação da pandemia permanece extremamente preocupante, com especialistas alertando para uma possível terceira onda da doença. As ações de resposta continuam fragmentadas e descentralizadas, ao mesmo tempo em que autoridades federais seguem ignorando medidas baseadas na ciência e desdenhando da importância do uso de máscaras e do distanciamento social.

O Brasil superou a marca de 500 mil mortes pela Covid-19 e a cifra diária de óbitos chegou a ultrapassar novamente a marca de 2 mil em meados de junho. Da mesma forma, o número de novos casos também cresceu para mais de 70 mil por dia, cifra que não está distante da maior média atingida até agora, de mais de 77 mil, durante o pico da segunda onda no início de maio.

“No caso do Brasil, é até mais difícil dizer se estamos entrando em uma nova onda, porque na verdade nunca ocorreu uma queda substancial nos casos desde o início da pandemia”, afirmou o infectologista de MSF Antonio Flores. Ele explica que o que tem sido visto até o momento são ciclos. Após um pico, há uma queda moderada e depois uma estabilização, mas em um patamar alto, até que os casos reiniciem a curva ascendente, mas já a partir deste nível mais alto.

“No curso da pandemia o Brasil tem enfrentado um risco quase contínuo de aceleração no número de casos e mortes”, continua ele.

A chegada do inverno deixa o cenário ainda mais complicado. Geralmente, o clima mais frio desencadeia um aumento dos casos de gripe comum e de outras doenças respiratórias. Com as pessoas infectadas por essas doenças tendo que buscar atendimento nas unidades de saúde, um sistema que já está pressionado pelo aumento de casos de COVID-19 fica ainda mais sobrecarregado.

Atuação do MSF para minimizar impactos da pandemia

Apesar do grande desafio, à medida em que o vírus continua se alastrando, equipes de MSF que trabalham no país buscam novas maneiras de apoiar comunidades vulneráveis em áreas mais desfavorecidas do Brasil.  Os profissionais estão presentes em localidades das regiões Norte e Nordeste, onde historicamente há mais dificuldade de acesso a cuidados de saúde.

Portel, Pará

Na ilha do Marajó, MSF está dando apoio às autoridades de saúde na localidade de Portel. O município enfrenta sérios obstáculos para que a estrutura local consiga enfrentar a pandemia, incluindo a localização remota e dificuldades de infraestrutura. Geralmente, os deslocamentos na região têm de ser feitos por rio, durante várias horas ou até mesmo dias de viagem.

Em Portel, equipes da organização realizaram treinamentos em unidades de atenção primária, como UBSs, e secundária, nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), assim como no único hospital da região. O foco foi o aprimoramento dos fluxos de atendimento aos pacientes, reforço de protocolos relacionados à COVID-19, disseminação de mensagens de educação em saúde e apoio de saúde mental para os profissionais locais.

“Nosso objetivo é chegar aos mais vulneráveis de Portel e fornecer a eles os cuidados de saúde que necessitam, além de reforçar o sistema de saúde local. Queremos que médicos e enfermeiros da localidade estejam o mais bem preparados possível para um aumento dos pacientes de COVID-19, caso a terceira onda atinja a região”, disse Juan Carlos Arteaga, coordenador de projeto de MSF em Portel.

As equipes de MSF também estão levando as chamadas clínicas móveis para atendimento de pacientes em áreas remotas. Nestes atendimentos, são oferecidos testes de antígeno para detecção da COVID-19, cuidados primários de saúde, acompanhamento de pacientes que já tiveram a doença e serviços de saúde mental, além de ações de promoção de saúde nas comunidades.

Fortaleza, Ceará

Na capital cearense, MSF atua nas comunidades de José Walter e Grande Bom Jardim, locais onde há grandes entraves para aceder a cuidados de saúde. “Nestas comunidades as dificuldades no acesso a cuidados de saúde são notórias”, afirmou Daniela Cerqueira Batista, coordenadora do projeto de MSF em Fortaleza. “Estamos em contato constante com líderes comunitários e eles estão muito satisfeitos com nossa oferta de serviços, para os quais há muita demanda.”

MSF atua com duas equipes móveis que têm oferecido atendimentos perto das residências dos pacientes, com o objetivo de aumentar a disponibilidade de serviços de alta qualidade à comunidade. Assim como em Portel, são realizados diariamente testes rápidos de antígeno para detecção da COVID-19, visitas domiciliares para pacientes com comorbidades, serviços de  saúde mental e apoio ao programa local de registro para a vacinação, além de atividades de promoção de saúde.

Após a conclusão das atividades em Fortaleza, as equipes que estão na cidade devem transferir as atividades do projeto para os profissionais de saúde locais e iniciar em alguns dias ações de combate à COVID-19 na cidade de Patos, no Estado da Paraíba.

Bahia

Profissionais de MSF trabalham nas localidades de Cocos, Xique-Xique, ao mesmo tempo em que monitoram a situação referente à COVID-19 em outros municípios do Estado. Eles atuam no apoio às estruturas de saúde dos municípios para que estejam mais bem preparados no enfrentamento de uma possível terceira onda da doença.

Equipes médicas realizam treinamentos para aprimorar os protocolos relacionados à COVID-19 e o fluxo de atendimento aos pacientes. Adicionalmente, são oferecidos serviços de saúde mental para trabalhadores de saúde locais. Como em outras regiões do país, a doença tem tido um forte impacto psicológico naqueles que assistem aos pacientes afetados com maior gravidade e têm de lidar cotidianamente com um grande número de mortes.

Para aumentar a capacitação das equipes locais, MSF está implementando uma política descentralizada de testagem, com testes rápidos de antígeno e acompanhamento domiciliar de pacientes de alto risco para facilitar, caso necessário, a aplicação de terapia com oxigênio. “Queremos empoderar os sistemas de saúde locais para que possam oferecer aos pacientes o tratamento de melhor qualidade possível”, disse Fabio Biolchini, coordenador emergência de MSF no Brazil. “Estamos dando apoio às autoridades locais para que sejam transmitidas mensagens precisas de promoção de saúde às comunidades, usando a ciência para explicar como cuidar da saúde de cada um da melhor maneira possível e evitar o grande volume de desinformação que circula na comunidade.”

Enquanto isso, os rumos da pandemia no Brasil continuam incertos devido à falta de uma resposta coordenada e centralizada, o que compromete os esforços de combate à doença.  “Esta falta de coordenação e de ação estratégica das autoridades se refletem na ausência de um controle sustentado da epidemia. O vírus tem circulado sempre de maneira livre pelo Brasil”, afirmou Antonio Flores.

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