A semana começa com a abertura da campanha internacional “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres e as Meninas”, que vai de 20 de novembro a 10 de dezembro. Mas não é por falta de acolhimento que as mulheres brasileiras devem deixar de denunciar seus agressores. Desde o mês de abril deste ano, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) passaram a funcionar 24 horas por dia, inclusive em feriados e finais de semana. Além disso, é obrigação do Poder Público fornecer acompanhamento psicológico e jurídico à mulher vítima de violência.
O registro da ocorrência e atendimento deve ser realizado em salas fechadas e, preferencialmente, por policiais do sexo feminino. Essa regra também vale para os municípios que não possuem delegacia especializada no atendimento à mulher. A advogada Marília Golfieri Angella, especialista em Direito de Família, Gênero e Infância e Juventude, explica que é função das Deams realizar ações de prevenção, apuração, investigação e enquadramento legal da violência doméstica.
“É nessa delegacia, por exemplo, que se pede medida protetiva de urgência. A polícia tem até 48 horas para enviar o pedido ao juiz, que também tem 48 horas para responder ao pedido da ofendida. É importante destacar que a mulher não precisa estar acompanhada de advogado para solicitar esse tipo de proteção”, diz ela.
Como romper o ciclo do silêncio e denunciar Marília explica que, se a mulher tiver sofrido agressão física, será encaminhada para o exame de corpo de delito. Algumas delegacias têm médicos no próprio local. Quando não há um especialista na delegacia, a vítima é encaminhada para um hospital, onde será feito o exame. “Além disso, se a vítima achar que ela ou os filhos correm riscos, pode-se solicitar encaminhamento para uma casa abrigo, onde ficará protegida”, afirma a advogada, que é mestre em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP.
Apesar dos direitos assegurados por leis de proteção à mulher, como a Lei Maria da Penha, dados da ONU revelam que as mulheres frequentemente só encontram coragem para denunciar após a sétima agressão em relacionamentos abusivos. Mas se todos os direitos são resguardados às vítimas de violência doméstica e familiar, por que tantas mulheres ainda “se submetem”, ao invés de romper com esse ciclo de violência?
“A violência não faz distinção de classes sociais ou grau de escolaridade. A dependência econômica não é o fator preponderante para a persistência desse relacionamento abusivo. A violência transcende fronteiras sociais, ultrapassando classes econômicas. O papel crucial do agressor é menosprezar a vítima e destruir sua autoconfiança, criando um cárcere emocional que a acorrenta à situação”, diz a delegada Raquel Gallinati (veja mais no artigo abaixo).
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Violência doméstica: processo é aberto mesmo que a vítima não dê queixa
Na opinião da advogada Marília Golfieri, é importante debatermos o quão vulnerável é a vida da mulher diante da estrutura machista na qual estamos inseridas. “Ainda habita no consciente coletivo a ideia de que a mulher é propriedade do homem e, por isso, ele pode invadir e agredir o corpo dela quando quiser”, pontua. Ela lembra que, no caso de a agressão ser contra uma conhecida, amiga ou vizinha, também é possível registrar ocorrência.
“A Lei Maria da Penha trouxe uma modificação sobre lesão corporal, que antes dependia de representação só da vítima. Agora é possível seguir com o processo penal mesmo que a vítima não dê queixa. Portanto, se você conhece alguém que foi agredida, ajude esta mulher acionando a polícia. Muitas vezes que metemos a colher na briga de marido e mulher, salvamos uma vida”, orienta.
Para a especialista, a medida adotada pela apresentadora Ana Hickmann, de chamar imediatamente a polícia e registrar o boletim de ocorrência contra o marido, o empresário Alexandre Correa no último dia 11, em Itaú, interior de São Paulo, foi extremamente acertada. Ela também faz quatro recomendações básicas para incentivar mulheres a denunciarem um caso de violência doméstica. Confira!
Veja em 4 passos como denunciar a violência doméstica
- Chame a polícia ou procure qualquer socorro possível (193, do Corpo de Bombeiros; 190, da Polícia Militar; ou 197, do Disque Denúncia), e denuncia de imediato a agressão. Se o agressor for capturado, poderá ser preso em flagrante, como prevê a Lei Maria da Penha.
- Aja rápido. Vá até uma delegacia de polícia e registre a ocorrência. Algumas lesões podem desaparecer logo. Quanto mais rápido agir, mas opções a polícia tem para te proteger.
- Colabore com a polícia dando detalhes do caso, faça exame de corpo de delito, se necessário.
- Se possível, faça imagens que comprovem o que aconteceu e apresente testemunhas.
- Tenha coragem de denunciar! Você pode estar salvando sua vida e a vida das pessoas que moram com você.
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O que o caso Ana Hickman pode nos ensinar?
Por Raquel Gallinati*
Nos últimos anos, os casos de violência doméstica têm ocupado espaço na mídia, e a história de Ana Hickmann nos instiga a uma análise mais aprofundada desse problema que aflige inúmeras mulheres em todo o mundo. Dados impactantes da ONU revelam que as mulheres frequentemente só encontram coragem para denunciar após a sétima agressão em relacionamentos abusivos. Surge a indagação: por que tantas mulheres “se submetem” ao invés de romper com esse ciclo de violência?
Desmistificando algumas narrativas, é evidente que a violência não faz distinção de classes sociais ou grau de escolaridade. A dependência econômica não é o fator preponderante para a persistência desse relacionamento abusivo. A violência transcende fronteiras sociais, ultrapassando classes econômicas. O papel crucial do agressor é menosprezar a vítima e destruir sua autoconfiança, criando um cárcere emocional que a acorrenta à situação.
O silêncio persistente das vítimas em relacionamentos abusivos é um tema que requer reflexão. Analisar a resistência das vítimas em denunciar agressões é necessário. Os sinais de um relacionamento abusivo se manifestam de maneira dissimulada. A exposição constante de machucados até mesmo nas redes sociais exemplifica esse disfarce, uma cortina de fumaça que camufla a verdade.
Esse véu de disfarce, onde a vítima sofre “acidentes” com frequência, torna-se uma armadilha que perpetua o ciclo de violência e dificulta a intervenção de terceiros, incluindo a polícia, que é a porta de entrada do sistema de justiça criminal. O comportamento agressivo do agressor é justificado como um simples “jeitão dele”, numa rede de desculpas que perpetua a impunidade.
Identificar um relacionamento abusivo pode representar um desafio significativo. Os sinais comportamentais apresentados pelos agressores são sutis e dissimulados, incluindo o controle excessivo sobre a vida da vítima, a imposição de restrições a amizades e contatos familiares, além da manipulação emocional, chantagem emocional e críticas constantes. Essa sutileza torna difícil para a vítima e as pessoas ao redor perceberem a gravidade da situação.
Contudo, é crucial que as mulheres abram os olhos para a realidade do relacionamento abusivo e superem a perda de esperança. A conscientização é o primeiro passo para desfazer as amarras emocionais que mantêm tantas mulheres aprisionadas.
* Delegada de Polícia, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduada em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera (Uniderp). Também possui pós-graduação em Direito de Polícia Judiciária na Academia Nacional de Polícia (ANP), da Policia Federal, e em Processo Penal pela Escola Paulista de Magistratura (2023).
Com Assessorias