28 de junho marca o Dia Internacional de Conscientização da Triagem Neonatal, popularmente conhecida como o Teste do Pezinho. Mas não há muitos motivos para se comemorar a data no Brasil. A Lei nº 14.154, de maio de 2021, que amplia a testagem para mais de 50 doenças – em vez de apenas seis, como ocorre atualmente – fez um ano que foi regulamentada e já deveria estar em vigor no Sistema Único de Saúde (SUS).

Mas até o momento poucos estados estão aptos a atender à nova exigência. Recentemente, no Dia Nacional do Teste do Pezinho, o Estado do Rio de Janeiro anunciou que seria o primeiro a implementar a nova legislação, oferecendo o teste do pezinho ampliado para diagnosticar até 53 doenças, mas a Secretaria de Estado de Saúde não informou como nem quando nem em quais unidades o exame seria oferecido.

O antigo teste do pezinho na rede pública cobre o diagnóstico de seis doenças. Com a nova legislação, ficou determinado que o exame deve cobrir mais de 50 dos tipos metabólicas, genéticas e infecciosas. Entre as doenças cobertas pela triagem ampliada, estão: atrofia muscular espinhal (AME); leucinose; acidemia propiônica; doenças lisossômicas; imunodeficiências primárias; entre outras.

Especialistas defendem ser de extrema importância ampliar o debate entre a população sobre a importância da testagem e os meios de acessá-la. O exame, que é realizado nas primeiras horas de vida, é capaz de adiantar tratamentos necessários que impactarão o futuro do recém-nascido. No Brasil, ela é fornecida pelo Sistema Único de Saúde e é obrigatória.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), as anomalias congênitas são a segunda principal causa de morte entre os menores de cinco anos no Brasil. Dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) ainda mostram que, a cada ano, cerca de 24 mil recém-nascidos são registrados com algum tipo de anomalia congênita diagnosticada ao nascimento.

Não basta diagnosticar: é preciso tratar a doença identificada

O Teste do Pezinho proporciona o diagnóstico precoce de doenças raras que, normalmente, não apresentam sintomas na fase inicial da vida. Se não tratadas adequadamente e em tempo oportuno, elas podem levar ao desenvolvimento da deficiência intelectual ou outras sequelas relacionadas à saúde da criança.

Portanto, para além da identificação precoce, o acompanhamento do paciente durante o fechamento de diagnóstico e o início do tratamento são essenciais para que a prevenção se concretize.

“Caso algum dos exames seja positivo, o bebê recebe desde os primórdios da vida o acompanhamento adequado, possibilitando a redução de sequelas e maior qualidade de vida”, destaca Armando A. Fonseca, médico patologista e diretor presidente da DLE – Genética Humana e Doenças Raras.

Cenário atual do Teste do Pezinho no Brasil e no mundo

De acordo estimativas apuradas em 2020 pelas Nações Unidas-ONU, cerca de 140 milhões de bebês nascem no mundo a cada ano, destes, cerca de 50 milhões desses bebês passam por alguma forma de Triagem Neonatal por meio de testes em sangue seco em papel de filtro.

Embora seja um número expressivo de recém-nascidos beneficiados, isso corresponde a pouco mais de um terço do total de nascidos vivos, e demonstra o tanto que resta a fazer.

A triagem neonatal vai além de um simples teste de medicina laboratorial. Trata-se de um programa complexo e multidisciplinar, que envolve laboratórios de análise e centros clínicos com diversos especialistas. Juntos, eles atuam em prol do diagnóstico de doenças metabólicas hereditárias, em benefício das crianças e da segurança das famílias.

Fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito e fibrose cística são apenas algumas das raras doenças pediátricas, com nomes difíceis e muitas vezes confusos, que, se diagnosticadas precocemente, podem ser efetivamente tratadas, graças aos avanços na inovação terapêutica”, explica Roberta Paschoalick Farinelli, diretora-geral da Revvity na América Latina.

Teste do Pezinho: como é realizado o exame?

A triagem neonatal começa com um exame de sangue. O teste é simples e demanda apenas algumas gotas de sangue, que devem ser retiradas do calcanhar do bebê, idealmente, entre 48 e 72 horas após o nascimento. Ainda assim, amostras podem ser coletadas até uma semana de vida. Um período maior do que esse, pode prejudicar a detecção de algumas doenças que se manifestam clinicamente já nos primeiros dias de vida.

A triagem já é realizada em diversas maternidades do Brasil, antes mesmo da alta hospitalar. Entretanto, caso o exame não seja feito durante a internação, os responsáveis devem procurar os postos de saúde do seu município.

A coleta é minimamente dolorosa. Primeiro, a equipe do hospital preenche um formulário com todas as informações essenciais sobre o bebê: nome, sexo, peso, data e hora de nascimento, data e hora da coleta de sangue e informações de contato dos pais.

Depois de aquecer e esterilizar cuidadosamente o calcanhar da criança, a equipe de saúde realiza uma pequena punção, tirando algumas gotas de sangue, que são colocadas no papel até que todos os círculos impressos no cartão contenham uma amostra de sangue. O método mais utilizado é o uso de pontos secos do sangue, por ser fácil de obter as amostras e demanda uma pequena quantidade de sangue.

Assim, essas pequenas marcas sanguíneas são analisadas laboratorialmente por equipamentos desenvolvidos especialmente para realizar os testes com precisão e o máximo de aproveitamento do material. A amostra é depositada em um suporte, que é enviado para o laboratório onde o sangue é analisado para as várias condições que compõem o painel de triagem neonatal (teste de Nível I).

Atualmente, o exame já passou por várias inovações e, hoje, o Brasil conta com equipamentos e laboratórios avançados, que possibilitam, por exemplo, a realização de testes genéticos de triagem neonatal por meio da realização de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) — tecnologia que consiste na amplificação de uma região específica de DNA — em tempo real.

Triagem neonatal começou a ser oferecida na década de 60 nos EUA

A triagem neonatal nos Estados Unidos começou na década de 1960, proposta pelo médico microbiologista Robert Guthrie. O dia 28 de junho celebra o aniversário do microbiologista que trabalhou na pesquisa oncológica na década de 1950, em Buffalo, Nova York. Pai de um filho nascido com deficiência intelectual, Guthrie queria entender como as deficiências mentais ocorrem.

A partir de suas pesquisas, ele desenvolveu uma ferramenta simples de triagem neonatal, e passou a ser um ativista para que esse teste se tornasse um procedimento padrão para todos os recém-nascidos nos EUA.

“Além de propor o primeiro exame para o diagnóstico precoce de uma doença metabólica hereditária tratável, a Fenilcetonúria (PKU), ele popularizou o meio simples e eficaz de coletar amostras em ‘cartão de sangue seco’ que facilita o transporte para laboratórios de referência”, conta Armando A. Fonseca.

Essa agitação inicial do ativismo de doenças raras encontrou oposição na Medicina, porque os médicos acreditavam que o exame diagnosticava condições raras demais para justificar o teste de milhares de bebês. Mas Guthrie persistiu, levando seu argumento aos departamentos de saúde pública, treinando médicos e lançando um teste nacional no seu país.

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