Um relatório Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgado em 2023 17 países já têm políticas de banimento ou restrições de celular em escolas: México, Estados Unidos, Canadá, Guiné, Portugal, França, Escócia, Suécia, Espanha, Holanda, Letônia, Finlândia, Turquia, Uzbequistão, Índia, Bangladesh e Indonésia.
Antes mesmo da nova lei federal, sancionada nesta segunda-feira (13) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seis em cada 10 escolas brasileiras de ensino fundamental e médio, tanto urbanas quanto rurais, restringem o uso de celulares, com limitações de horários e espaços específicos. Em 28% das instituições, o uso é completamente proibido, segundo pesquisa TIC Educação 2023, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Na Escola Lourenço Castanho, rede privada de Ensino Infantil, Fundamental e Médio de São Paulo, a proibição do uso do celular entrou em vigor em 2024 para alunos da Educação Infantil e Ensino Fundamental Anos Iniciais (1º ao 5º ano). Estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) só podem usar o aparelho nos horários de entrada e saída e a proibição se estende a todo o período de aulas, incluindo o intervalo.
Para os alunos do Ensino Médio, a escola autoriza o uso do celular apenas durante o período do lanche, por razões de autonomia progressiva. A regra também vigora entre professores, educadores, inspetores e colaboradores, que não podem mais usar o dispositivo nos espaços de aprendizagem nem nos corredores.
Os resultados da medida adotada na da Escola Lourenço Castanho já são considerados “muito positivos”, na avaliação de Daniela Coccaro, diretora do Ensino Médio.
Os alunos encararam melhor do que a gente imaginava e avaliamos como uma decisão acertada. Ao longo de 2023, discutimos com toda a comunidade escolar a presença desses dispositivos nos espaços da escola, inclusive com o apoio de psicólogos e especialistas em educação. Acreditamos que a transição esteja sendo suave e tendo boa aceitação por ser o resultado de um processo construído conjuntamente.
Em Londrina (PR), o Colégio Marista implementou uma iniciativa para limitar o uso de celulares por crianças e adolescentes em ambiente escolar. Antes da aula começar, os estudantes deixam os equipamentos em caixinhas que ficam dentro da sala e pegam ao final da aula. A medida é aplicada aos alunos do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio, entre 12 e 17 anos.
A intenção é restringir o acesso aos aparelhos durante as aulas e, assim, melhorar a interação e o foco dos estudantes durante as aulas, evitando distrações causadas por mensagens, vídeos e jogos, por exemplo. Para os estudantes da Educação Infantil e Fundamental Anos Iniciais, o uso de celular é proibido.
O uso de celulares em sala de aula pode prejudicar o processo de aprendizagem. Essa é uma medida simples para ajudar os estudantes a se concentrarem mais no conteúdo que está sendo trabalhado”, explica o coordenador do Ensino Fundamental Anos Finais e Ensino Médio, Vinicius Montai.
Mesmo com a restrição, o coordenador afirma que o uso do aparelho pode ser permitido em algumas circunstâncias: “Quando é proposta alguma atividade online ou alguma pesquisa que necessite do uso do celular, o professor autoriza e orienta o uso”.
Colégio de SP cria oficinas de trabalho manual e de criatividade
A iniciativa se alinha com o projeto de lei do Ministério da Educação (MEC), que prevê a proibição do uso dos equipamentos em escolas de todo o país. Para Daniela, a medida na Lourenço Castanho vai ao encontro de um movimento adotado por algumas escolas em países considerados referência em educação, como Finlândia e Suécia, aque estão também proibindo o celular durante a aula.
Já antes da pandemia o uso exacerbado do celular chamava a atenção pela distração gerada em sala de aula quando usado sem mediação adequada e por seus impactos nas relações humanas. Hoje, após um longo período de confinamento compulsório, em que as interações foram maciçamente conduzidas por meio de telas, ainda vivemos um momento de resgate e reconstrução da convivência presencial coletiva.”
Para reforçar o convívio e oferecer alternativa ao celular, a escola promove atividades no intervalo, como oficinas de trabalho manual e de criatividade. Tomamos esse cuidado principalmente com os alunos mais novos, para promover momentos de integração e fortalecer vínculos que o celular amorteceu”, afirma Daniela.
Parceria família-escola
Para que a medida funcione, as famílias precisam se envolver. A escola criou e está aplicando as regras com base nas consultas à comunidade escolar, mas os pais precisam apoiar a decisão chamando a atenção dos filhos quando eles descumprem o combinado, disse a diretora.
Os alunos precisam de limites claros e francos, embasados em argumentos. É o que fazemos na escola e, como nas demais propostas educacionais, o apoio das famílias faz toda a diferença.”
Celular ajuda e ao mesmo tempo atrapalha os estudos
A coordenadora do Ensino Fundamental do Colégio Bilíngue, em Santos (SP), Lúcia de Melo, convive diariamente com as realidades do âmbito escolar e defende que o aparelho pode ser uma ferramenta valiosa, desde que utilizado de forma adequada. “O celular proporciona acesso a diversos conhecimentos quando há uma excelente orientação pedagógica e é usado de maneira integrada a todas as áreas do conhecimento”, afirma.
Por outro lado, ela alerta para os riscos do uso inadequado, como a utilização exclusiva para jogos, que limita o aprendizado ao expor os usuários a conteúdos sem valor educativo, prejudicando a memória.
Precisamos manter nossa memória ativa, estimular a organização e a criatividade. O uso do celular sem propósito educativo pode encurtar ainda mais a memória”, ressalta. Lúcia também destaca a importância de envolver as famílias nesse processo. “Trabalhamos junto com os pais para que o celular seja utilizado pelos alunos apenas como uma ferramenta pedagógica dentro da escola”, explica.
Para o mestre em Inteligência Artificial e Ética, educador e consultor da Escola Lourenço Castanho, Alexandre Le Voci Sayad, a única visão não pode ser apenas sobre a proibição, mas, sim, da cultura digital, que é parte da vida das pessoas hoje. Ela destaca que a questão é complexa e não pode ser tratada de forma simplista, ressaltando sua relação direta com a cultura digital.
Trata-se de um assunto que carece de debate com a sociedade. Vemos o impacto que a inteligência artificial tem dado na sociedade em todos os campos e, muitas vezes, a proibição é uma maneira mais fácil de lidar com uma questão que é complexa”, completa.
Ele ressalta que é papel da escola promover a educação midiática, preparando os alunos para usar a tecnologia com ética e responsabilidade na análise de informações.
No mundo digital, a educação midiática é fundamental. Ela capacita o aluno a usar o celular com ética e a interpretar os signos da mídia”, afirma. Nesse contexto, a participação da família é essencial. “A educação midiática começa em casa, no que chamamos de educação parental. Cabe à família decidir sobre a compra ou não de um aparelho. Afinal, o celular não faz parte da lista de material obrigatório do aluno”, enfatiza.
A proibição dos celulares em escolas no Brasil e no mundo
O relatório da Unesco sugeriu que os celulares sejam banidos das escolas, ressaltando os possíveis prejuízos para os estudantes. Segundo a organização, o uso excessivo de tecnologia em sala de aula pode prejudicar a concentração e o desenvolvimento cognitivo dos alunos, a memória e a capacidade de compreensão, impactando diretamente no aprendizado.
Além disso, estudos da Universidade de Harvard alertam para os impactos no desenvolvimento cognitivo, na comunicação e no sono. No Relatório de monitoramento global da educação, resumo, 2023: a tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?, a Unesco enfatiza a necessidade de uma “visão centrada no ser humano” e que a tecnologia digital deve ser utilizada como uma ferramenta e não para substituir a interação humana.
Dados do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) mostram que 24% das crianças brasileiras acessam a internet antes dos seis anos, evidenciando a necessidade de equilibrar o uso da tecnologia com atividades recreativas.
Outra recente pesquisa do Datafolha reforça essa preocupação ao revelar que 62% da população apoia a proibição, enquanto 43% dos pais de crianças de até 12 anos afirmam que seus filhos já possuem celulares próprios.
O uso de celulares em sala de aula é tema de discussões frequentes entre educadores e especialistas em pedagogia, especialmente em um cenário onde, de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2022, 80% dos estudantes brasileiros de 15 anos relatam se distrair com o uso dos dispositivos durante as aulas de Matemática.
Com Assessorias