Quando criança, o pneumologista Humberto Golfieri Júnior contraiu a poliomielite, seguida por febre e paralisia ascendente, que afetou os músculos respiratórios e quase o levou à morte. Após a realização de cirurgias corretivas para recuperação funcional muscular, Humberto se tornou médico. Aos 54 anos, ele conta sua experiência com a poliomielite:

“Meus pais eram muito jovens e, como não havia muita informação sobre as vacinas na época, apesar do medo geral da doença, não fui imunizado contra a pólio. Hoje, eu tenho uma vida plena, apesar das consequências. Infelizmente, as gerações mais jovens não têm ideia do que é a poliomielite e sua gravidade. Acredito que seja parte da minha missão ser um exemplo e servir para conscientizar os pais da importância da vacinação, única maneira de evitar a doença”,  complementa.

Casos de poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, ameaçam retornar ao país após 33 anos desde o seu último registro em território nacional. Com os primeiros surtos registrados no Rio de Janeiro no início do Século XX, o patógeno provocou epidemias no mundo todo ao longo dos anos. O último caso notificado no Brasil foi em 1989, porém, especialistas alertam que o país está sob o risco de circulação da pólio novamente.

130 mil crianças desprotegidas no Rio de Janeiro

De acordo com Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, a maior preocupação é o risco da reintrodução da poliomielite no Rio de Janeiro e no Brasil.

“Hoje nós temos 130 mil crianças desprotegidas. Além das doses previstas no esquema regular, estamos aplicando mais uma dose de reforço em crianças de 1 a 4 anos. Por isso, convocamos os pais para que levem seus filhos nessa faixa etária aos postos. A vacina é o único meio de proteger as crianças contra essa doença, que é grave, pode matar ou deixar sequelas”, afirmou.

Para marcar o Dia Mundial de Combate à Poliomielite (24 de outubro), a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro (SMS-Rio) volta a convocar pais e responsáveis que ainda não levaram seus filhos para atualizar a caderneta de vacinação. Há uma semana, a SMS-Rio deu início à busca ativa de crianças que não compareceram às unidades de Atenção Primária para serem protegidas contra a doença.

A ação garantiu a aplicação de mais de 1.600 doses da vacina diariamente — o dobro em comparação à semana anterior, de 10 a 15 de outubro. Desde o início da Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite, em 8 de agosto, a SMS-Rio aplicou mais de 174 mil doses, o que representa uma taxa de cobertura de 55,2%. A meta do município é vacinar cerca de 300 mil crianças, que correspondem a 95% do público-alvo.

A busca ativa segue sendo feita pelos profissionais das clínicas da família e centros municipais de saúde, e pode ser realizada por WhatsApp, telefone ou presencialmente, na casa do morador. As unidades de Atenção Básica funcionam de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h; e aos sábados, das 8h às 12h. O objetivo da intensificação da busca ativa é garantir que os cariocas entre dois meses e 14 anos estejam em dia com todas as vacinas recomendadas para cada faixa etária.

Fiocruz: apenas 2 entre 5 crianças estão protegidas

É importante lembrar que a poliomielite — também conhecida como paralisia infantil — já foi erradicada no Brasil graças à vacinação, mas os baixos índices de imunização podem fazer com que ela volte a ser um problema de saúde pública. A imunização segue sendo a única forma de prevenir a doença.

Apesar das graves consequências da pólio e da vacinação estar disponível gratuitamente nos postos de saúde, desde 2016 o Brasil não atinge a meta de 95% do público-alvo vacinado, taxa ideal para que a população esteja protegida.

O cenário de vulnerabilidade está ainda maior: neste ano, até o dia 30 de setembro, apenas 54,21% das crianças entre um e menores de cinco anos haviam sido imunizadas, e um estudo recente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou que apenas 2 em cada 5 delas estão protegidas contra a poliomielite.

“A situação é grave. O Brasil sempre foi exemplo de sucesso por conseguir manter altas coberturas vacinais, mesmo com sua extensão e diversidade demográfica. Hoje, somos vítimas do nosso próprio sucesso. Graças à vacinação, a população não vê mais surtos epidêmicos, doenças, mortes, sequelas. Perdeu-se a noção do risco que as doenças previníveis por vacina representam, mas essas doenças matam e deixam sequelas”, explica Maria de Lourdes Sousa Mais, coordenadora da Assessoria Clínica de Bio-Manguinhos e do Projeto pela Reconquista das Coberturas Vacinais.

Como é aplicada a vacina na rede pública

Na rede pública de saúde, a imunização contra a poliomielite deve ser iniciada com a vacina inativada injetável (VIP) a partir dos 2 meses de vida, com mais duas doses desta vacina aos 4 e 6 meses. A partir de um ano de idade, as doses de reforço são feitas com a vacina atenuada oral (VOP), aos 15 meses, 4 anos de idade e em campanhas de vacinação para crianças de 1 a 4 anos.

O calendário de vacinação da Sociedade Brasileira de Imunização (Sbim) recomenda que a imunização contra a poliomielite seja realizada com a vacina inativada injetável (VIP), sendo iniciada a partir dos 2 meses de vida, com mais duas doses de reforço desta vacina aos 4 e 6 meses, além dos reforços entre 15 e 18 meses e aos 5 anos de idade.

O esquema vacinal de rotina na rede pública municipais do Rio é composto por doses aos dois, quatro e seis meses de idade, e mais uma gotinha aos 15 meses e 4 anos. Além disso, está sendo aplicada ainda mais uma dose de reforço para crianças entre 1 e 4 anos.

Poliomielite: transmissão e sintomas

A poliomielite é uma doença infectocontagiosa aguda causada pelo poliovírus, que pode infectar adultos e crianças por meio do contato direto com o vírus presente no esgoto ou secreções eliminadas pela boca de pessoas doentes.

Nos casos graves, em que acontecem paralisias musculares, os membros inferiores são os mais atingidos, mas os músculos respiratórios também podem ser impactados, levando a casos de óbito.

A transmissão da doença ocorre por contato direto pessoa a pessoa, por objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou portadores do vírus, ou por meio de gotículas de secreções ao falar, tossir ou espirrar.

Os sintomas mais frequentes são febre, mal-estar, dor de cabeça, de garganta e no corpo, vômitos, diarreia, prisão de ventre, espasmos, rigidez na nuca e até mesmo meningite. Pode ocorrer também flacidez muscular, que afeta, em regra, um dos membros inferiores, nas formas mais graves da doença.

Alerta e vacinação em todo o mundo

A identificação de vírus ativo nos esgotos de Londres e Nova York, casos da doença confirmados em países como Malawi, Israel, Ucrânia e, mais recentemente, nos Estados Unidos, aliados à baixa cobertura vacinal no Brasil e ao redor do mundo, levaram a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) a incluir o Brasil na lista de países que estão sob alto risco de retorno desta doença.

De acordo com Luiza Helena Falleiros, pediatra e infectologista, o século XX foi marcado por um terrível medo, justificável, da poliomielite. “Milhares de crianças no mundo ou tiveram paralisia e sua vida impactada para sempre, ou mesmo morreram. Quando a vacina é disponibilizada, há uma resistência inicial, quebrada ao longo do tempo e, com o passar dos anos, a doença é controlada a tal ponto que as pessoas não se lembram de sua gravidade. É o que acontece hoje”, afirma.

Ao redor do mundo, as nações já começaram a se mobilizar. No Reino Unido, o governo segue monitorando o vírus no meio ambiente, implementando campanhas de vacinação de reforço e solicitando aos profissionais de saúde que verifiquem se as vacinas de rotina de crianças e adultos recém-cadastrados estão em dia.

Nos Estados Unidos, o governo está realizando testes e detectou a presença de poliovírus em amostras de águas residuais em Nova York e estados vizinhos, além de estar fornecendo dados atualizados sobre a doença para profissionais de saúde e hospitais.

Os casos de poliomielite, conforme reforçado pelas autoridades de saúde das Américas durante a 30ª Conferência Sanitária Pan-Americana, serão combatidos apenas com vacinação e com o engajamento de todas as esferas da sociedade, incluindo líderes comunitários, organizações não governamentais, setor privado e instituições acadêmicas.

Fontes: Sanofi e SMS-Rio

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