A Praia de Copacabana amanheceu nesta sexta-feira (29/11) com quatro patas de onça gigantes, esculpidas na areia pelo artista Rogean Rodrigues. A ação da organização não governamental Proteção Animal Mundial celebrou o Dia Internacional da Onça Pintada e marca a campanha “No Rastro da Onça”, que chama a atenção para a importância da refaunação, o processo de devolver espécies silvestres da fauna para o seu habitat natural.
A fauna silvestre desempenha um papel crucial na saúde das florestas, exercendo diversas funções ecológicas e interagindo continuamente com a vegetação. Quando ocorre a defaunação, toda a dinâmica do ecossistema é comprometida, afetando negativamente o equilíbrio e a resiliência do ambiente. Por isso é tão importante promover a refaunação”, explica Júlia Trevisan, coordenadora de vida silvestre da Proteção Animal Mundial.
A onça-pintada é o maior felino e maior predador terrestre das Américas. Originalmente, habitava desde os Estados Unidos até a Argentina. Hoje, está oficialmente extinta nos Estados Unidos, é muito rara no México e já praticamente desapareceu dos pampas e da maior parte das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil.
A espécie é considerada vulnerável na lista oficial de espécies brasileiras ameaçadas e vem reduzindo significativamente a sua população. O número de indivíduos atualmente já é 54% menor que a população original; nos últimos 27 anos, ocorreu uma diminuição de 30% da espécie e, se não houver uma atenção séria em preservação, a perspectiva é de diminuir em mais 30%, nas próximas três décadas.
Agenda Positiva
Rio celebra a volta de Xamã ao seu habitat natural
Totalmente alinhada ao conceito universal de ‘saúde única’ – que a interligação entre saúde humana, animal e do planeta -, a iniciativa da Proteção Animal Mundial em Copacabana comemora também a volta de Xamã ao seu habitat natural. A primeira onça-pintada macho reintroduzida na Amazônia foi resgatada em 2022, próximo a focos de incêndio em Sinop (MT).
Xamã passou por dois anos de cuidados e adaptação. Com 30kg a mais, foi solto em área de 2 milhões de hectares na Amazônia. Para a ONG internacional presente no Brasil, a reintegração, com sucesso, é celebrada por promover a preservação do meio ambiente e a liberdade dos animais.
As comemorações pelo Dia Internacional da Onça Pintada continuam no domingo (1/12) no Rio de Janeiro, com a realização do Ponto Animal, na Avenida Atlântica, Posto 6. Voluntários e apoiadores da ONG receberão crianças e adultos que poderão saber mais sobre a história do Xamã e de outros animais silvestres.
Das 10 às 16h, o local contará com Espaço Kids, com aplicação de tatuagens temporárias, desenhos para colorir, além de dois bonecos infláveis – um lobo-guará e uma onça-pintada – ideal para quem quiser tirar fotos e guardar de recordação. Saiba mais aqui.
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Jaguar Parade reúne arte e conscientização ambiental
Não é a primeira vez que onças pintadas puderam ser ‘vistas’ na Cidade Maravilhosa – ao menos de forma artística. Entre julho e agosto deste ano, 68 onças esculturais – sendo 39 delas obras inéditas, pintadas no Rio especialmente para a edição carioca da Jaguar Parade – ficaram expostas gratuitamente em 15 pontos de bairros das zonas Sul, Norte e Oeste e também no Centro, entre praças, praias, parques, shopping, aeroporto e pontos turísticos, como o Cristo Redentor.
Uma das maiores exposições de arte ao ar livre do mundo, a Jaguar Parade é um projeto internacional que reúne arte e conscientização socioambiental, artistas e público em geral em torno de uma importante causa: a conservação da onça-pintada e a preservação de seu habitat. A iniciativa já contou com a participação de 176 artistas que customizaram 185 esculturas, expostas durante cerca de 209 dias para um público estimado em 31 milhões de pessoas.
A exposição deste ano já passou por diversas cidades do país e do mundo, como Nova Iorque, São Paulo, Florianópolis, entre outras. Após a exibição gratuita, as obras são disponibilizadas para venda por meio de leilões virtuais e presenciais. Todo o lucro líquido é revertido para as ONGs parceiras – Onçafari, Panthera, Ampara Silvestre e FAS – que se dedicam a conservar a fauna e os habitats naturais brasileiros por meio de projetos voltados à ciência, educação e ecoturismo.
Pela saúde única: um convite à ação no Dia da Onça–Pintada
Nunca o Dia Internacional da Onça–Pintada (29 de novembro,) foi tão celebrado no Brasil. Para, a data é mais do que uma celebração de uma espécie única. É um momento de reflexão sobre o papel da biodiversidade no equilíbrio do planeta.
Um dos animais mais emblemáticos das Américas, a onça-pintada é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas. Reconhecida como predadora de topo, o animal regula populações de presas e contribui para a saúde ambiental das regiões em que vive.
Para especialistas em Saúde e ONGs que atuam na causa animal, proteger a onça–pintada significa garantir a preservação de ecossistemas inteiros, que são essenciais para os esforços globais de combate às mudanças climáticas.
A presença de onças-pintadas em uma região é um indicativo do alto grau de conservação ambiental, além disso esses felinos desempenham importante papel na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas”, esclarece a médica veterinária Camylla Silva Pereira.
Infecções em onças também traz riscos à saúde humana
Ela liderou uma pesquisa inédita sobre a saúde de onças-pardas e onças-pintadas pela Universidade Santo Amaro (Unisa), que revelou a presença de agentes virais e parasitários em indivíduos que vivem nos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.
A crescente fragmentação dos habitats, aliada à presença humana e de animais domésticos em áreas antes ocupadas somente por espécies silvestres, pode impactar negativamente a fauna nativa. Além disso, este cenário pode afetar a saúde humana, favorecendo a existência de novas relações entre patógenos e hospedeiros”, destaca a pesquisadora.
De acordo com Camylla, quanto mais estudos realizados sobre agentes infecciosos e parasitários, maior é o avanço no conhecimento sobre a saúde das onças-pardas e onças-pintadas nos diferentes biomas em que estas espécies habitam. “Doenças infecciosas e parasitárias podem contribuir para o declínio populacional da vida selvagem, representando grave ameaça à biodiversidade”, pontua a veterinária.
Ainda segundo a cientista, “é complexa a relação entre humanos, animais domésticos e silvestres”, sendo, portanto, necessário adotar medidas de prevenção e controle, além do monitoramento de alguns agentes, para reduzir a ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias.
Onças ameaçadas por protozoários transmitidos por carrapatos
Os pesquisadores constataram, nas onças-pardas, a presença de vírus das famílias Coronaviridae e Parvoviridae, além de protozoários do gênero Hepatozoon. Em ambas as espécies, onças-pardas e onças-pintadas, foi detectada a presença de protozoários da ordem Piroplasmida, que são parasitas transmitidos por carrapatos. A pesquisa foi realizada durante o Mestrado da médica veterinária Camylla Silva Pereira no Programa de Pós-graduação em Saúde Única, sob orientação do professor doutor Herbert Sousa Soares.
O estudo foi realizado entre os anos de 2022 e 2024, e utilizou amostras biológicas de 17 onças-pardas e quatro onças-pintadas, obtidas por meio de parcerias com o Programa Amigos da Onça, do Instituto Pró-carnívoros; Projeto Carnívoros da Serra do Itajaí; Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap-ICMBio) e Parque Zoológico Municipal de Bauru (SP). Teve ainda apoio do Projeto de Conservação de Carnívoros do Parque Nacional da Serra do Itajaí (SC) e do Laboratório de Investigação Etiológica (LIvE Vet) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Por aqui passou uma onça: app identifica rastros
Tecnologia, ciência cidadã e estratégias inovadoras ajudam a preservar o maior felino das Américas e promover a convivência com comunidades locais
O avanço do desmatamento e os conflitos com humanos colocam a espécie em risco, exigindo soluções inovadoras para sua conservação. E isso inclui desde câmeras e aplicativos de identificação de rastros de onças até estratégias de coexistência entre as comunidades locais e os animais.
No município de Bujari, no Acre, o projeto Hiwi, liderado pela Carbonext – uma empresa de soluções baseadas na natureza – , utiliza um aplicativo de identificação de onças para criar uma convivência mais harmônica entre comunidades locais e a fauna selvagem.
A ferramenta permite registrar eventos de predação de gado, georreferenciar ataques e identificar a espécie responsável – como a onça–pintada ou a onça-parda (sussuarana) – com base em sinais deixados na carcaça e nos padrões de ataque. Essa abordagem busca mitigar conflitos, evitando retaliações que agravam o risco de extinção das espécies.
Os dados coletados ajudam a entender o comportamento das onças e fatores que influenciam os ataques. Enquanto a onça–pintada costuma abater suas presas com uma mordida na base do crânio e iniciar o consumo pela parte frontal, a onça-parda prefere a garganta e começa pela parte traseira.
Essas informações, aliadas à localização dos incidentes, orientam ações de manejo e estratégias para minimização de conflitos que protegem tanto os rebanhos quanto os predadores, promovendo uma convivência mais harmoniosa.
No Acre ainda existe recompensa para quem mata onça
A empresa lembra que as ações são necessárias para garantir a preservação da espécie. No Acre, por exemplo, ainda existe recompensa para quem mata onça. Além de identificar padrões de ataque, o aplicativo analisa como fatores ambientais influenciam a predação.
No projeto Hiwi, observou-se que muitos eventos ocorrem próximos a maciços florestais, especialmente em áreas onde há fontes de água. Durante a estação seca, por exemplo, o gado tende a se concentrar perto de rios e açudes localizados próximos à mata, locais ideais para as onças realizarem emboscadas.
Esses dados são utilizados para orientar práticas de manejo mais eficazes. Uma das estratégias envolve afastar o gado jovem, mais vulnerável a ataques, das florestas e concentrá-lo em áreas abertas, enquanto os animais maiores, que intimidam as onças, permanecem próximos às zonas de mata. Essas ações também incentivam as onças a voltarem a se alimentar de suas presas silvestres naturais.
Monitoramento através de armadilhas fotográficas
O monitoramento com câmeras trap é outra das ferramentas utilizadas nos projetos de conservação das onças. Essas armadilhas fotográficas, posicionadas estrategicamente em áreas florestais, capturam imagens e vídeos que permitem observar hábitos como alimentação, descanso e deslocamento.
Com esses registros, é possível mapear territórios ocupados por elas e acompanhar sua dinâmica populacional ao longo do tempo. Além de gerar dados valiosos para a ciência, as câmeras trap ajudam a identificar possíveis ameaças, como a presença de caçadores ou mudanças no comportamento das onças devido a alterações no hábitat.
Ciência cidadã e estratégias para coexistência humana e animal
Mas não basta a tecnologia para dar conta do desafio que é a convivência entre humanos e onças-pintadas na conservação da espécie. É preciso também investir na educação. Nos projetos da Carbonext, por exemplo, as comunidades locais desempenham um papel essencial por meio da ciência cidadã, contribuindo com informações valiosas sobre a fauna e os eventos de predação. Essa abordagem participativa amplia a conscientização sobre a importância da biodiversidade e fortalece o envolvimento das comunidades na proteção das onças.
Além disso, estratégias de coexistência têm sido desenvolvidas com base nas diretrizes da International Union for Conservation of Nature (IUCN), referência global em conservação. Essas ações incluem oficinas e programas educativos participativos que desmistificam temores, promovem métodos não letais para resolver conflitos e criam alternativas econômicas sustentáveis para as comunidades que compartilham território com a fauna selvagem.
Trabalhamos para construir um modelo que vá além da proteção das onças-pintadas, integrando as comunidades ao processo de conservação e promovendo soluções práticas e efetivas. E as diretrizes da IUCN nos oferecem um caminho consistente para alcançar esse equilíbrio,” afirma Isabella Romitelli, head de Biodiversidade dos Projetos REDD+ da Carbonext.
Com Assessorias