Neuromielite óptica: ‘Perdi a visão de um olho. Anos depois descobri doença rara’

Entenda a doença autoimune neurológica que afeta mais mulheres negras, causando danos a nervos ópticos e medula espinhal

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Aos 31 anos, a assistente financeira Erika Lima Cariêllo, hoje com 47 anos, perdeu repentinamente a visão parcial de um olho e foi às pressas para o oftalmologista. “O médico constatou uma inflamação do nervo óptico e fui tratada com corticoide, mas sem uma investigação profunda da causa”, conta ela.

Um ano depois, Erika passou a sentir um formigamento nas pernas. Então, consultou um ortopedista que tratou a questão como um “problema de coluna”. Na sequência, ela perdeu os movimentos do lado direito do corpo. Enfim, conseguiu uma consulta com um neurologista que a diagnosticou com o distúrbio do espectro da neuromielite óptica (DENMO).

Ainda confundida com esclerose múltipla, essa doença autoimune rara se manifesta por surtos inflamatórios graves e pode resultar em cegueira, paralisia e até mesmo a morte. Assim como na maioria dos casos, os surtos de Erika foram gravíssimos.

“Em pouco tempo, eu parei de andar e passei a utilizar cadeira de rodas. À época, minhas duas filhas eram pequenas e sofri um grande impacto em relação ao cuidado com elas”, conta Erika.

Neste período, ela iniciou o acompanhamento com a neurologista Cláudia Cristina Ferreira Vasconcelos, especialista em neuromielite óptica e esclerose múltipla. Ao longo de dois anos, os cuidados administrados devolveram a ela a capacidade motora.

“Hoje sou mais ativa, frequento a academia, trabalho e cuido da minha família. Apesar de não ter recuperado 100% de minha visão, sinto que tenho uma boa qualidade de vida”, completa.

Doença é até nove vezes mais comum entre mulheres negras

Conhecida como NMO, DENMO, NMOSD ou doença de Devic, a neuromielite óptica é uma doença autoimune e de origem neurológica caracterizada pela inflamação do nervo óptico e da medula espinhal.

A doença autoimune rara se manifesta com sintomas como diminuição da capacidade visual, dificuldades motoras, dormência nos membros e desregulação nos controles urinário e intestinal, gerando incapacidades graves que podem levar à morte.

No Brasil, estima-se que até 10 mil pessoas convivam com a neuromielite óptica. A enfermidade pode afetar indivíduos de qualquer faixa etária, embora seja mais comum em mulheres na meia-idade. A sua prevalência é de sete a nove vezes mais comum em mulheres e duas a três vezes maior nas populações negras, como é o caso de Erika, bem como nas asiáticas.

A doença provoca surtos irreversíveis e cumulativos, que podem afetar o nervo óptico, a medula espinhal e o cérebro. O surto inicial da doença costuma ser agressivo e poder gerar lesões neurológicas irreversíveis caso não diagnosticado rapidamente. Apesar de incurável, a neuromielite óptica já dispõe de tratamento para evitar o agravamento das inflamações.

Perda de visão, paralisia, perda de sensibilidade, disfunção da bexiga e do intestino, dor e insuficiência respiratória são possíveis manifestações dessa doença debilitante, que produz um impacto social significativo. Estudos apontam que 41% das pessoas acometidas pela doença podem ficar cegas de pelo menos de um olho cinco anos após o início dos sintomas e 34% podem desenvolver deficiências motoras permanentes.

Estima-se que, em três anos, 69% dos pacientes têm perda de visão grave em ao menos um dos olhos. Com pacientes em uma média de idade de 40 anos, em plena idade produtiva – os impactos da doença vão além do aspecto clínico, existem consequências que são físicas, funcionais e psicológicas.

“Sem um diagnóstico precoce e cuidado adequado, os pacientes têm maior chance de ter surtos repetitivos que, ao longo do tempo, podem trazer consequências ainda mais graves. Dados mostram que 41% das pessoas com DENMO ficam cegos cinco anos após o surgimento da doença e 34% podem desenvolver deficiência motora permanente”, alerta a neurologista Cláudia Vasconcelos.

Impacto da NMO no mercado de trabalho

São diversas questões que cercam a vida de pessoas com uma doença rara. E a jornada de quem convive com neuromielite óptica (NMO) não é diferente, já que o diagnóstico pode ocorrer em qualquer idade, embora seja ainda mais comum em mulheres de 30 a 40 anos. No auge de suas vidas, os indivíduos com a doença passam a rever suas rotinas e hábitos, gerando impacto também na vida profissional.

Segundo dados parciais de uma pesquisa realizada através de um questionário online pela Organização Não-Governamental Crônicos do Dia a Dia (CDD), apenas metade das pessoas que responderam está trabalhando após o diagnóstico de NMO, mesmo em uma população altamente escolarizada, onde mais de 50% possui pelo menos ensino superior.

A pesquisa mostra, ainda, que mais de 35% dos respondentes recebem benefício do INSS, ou estão aposentados, mesmo em população jovem. 14,9% dos respondentes ocupam posição ou cargo específico para pessoa com deficiência (PCD); 38,5% perderam o emprego ou ficaram impossibilitados de trabalhar após o diagnóstico.

Doença é confundida com esclerose múltipla

Náuseas, vômitos e soluços persistentes podem ser sintomas de doença rara neurológica. No entanto, o transtorno do espectro da neuromielite óptica é frequentemente confundido com a esclerose múltipla (EM), pelos sintomas semelhantes.

As duas são doenças inflamatórias, desmielinizantes, autoimunes e sem cura, predominantemente recorrentes com sintomas agudos, com momentos de estabilidade depois dos surtos, elas possuem diferenças fundamentais entre si.

Por muito tempo, a NMOSD foi entendida como um tipo de esclerose múltipla mais agressiva. Esse conceito mudou em 2004, a partir da descoberta do biomarcador específico que diferencia a doença da EM, o anticorpo aquaporina-4 (AQP4).

Aproximadamente 75% dos pacientes possuem o anticorpo AQP4, que gera a ativação do sistema imune de maneira inadequada, atacando células e tecidos saudáveis do sistema nervoso central (SNC).

“Alguns sinais e sintomas da neuromielite óptica podem assemelhar-se com os da esclerose múltipla, doença frequentemente confundida com DENMO. Entretanto, a neuromielite óptica se destaca pela gravidade e intensidade de seus sintomas”, afirma a neurologista.

Profissionais de saúde precisam conhecer a doença

O Dia Mundial de Conscientização da Neuromielite Óptica (27 de março) é fundamental para ampliar a visibilidade sobre essa doença grave, ainda pouco conhecida inclusive entre médicos.

É fundamental a conscientização da sociedade e da classe médica e de outros profissionais da saúde para que estejam capacitados a diferenciar essas enfermidades e fazer os encaminhamentos adequados para um tratamento com eficácia durável e seguro.

Cláudia Vasconcelos chama a atenção para que os profissionais da saúde e a população saibam identificar os sinais ligados à neuromielite óptica. Um deles é o embaçamento visual, escotoma (ponto cego na visão) ou até a perda total da visão, de um olho ou dos dois olhos.

A pessoa apresenta ainda perda de força, alteração da sensibilidade nas pernas e no tronco e, em alguns casos, acontece inflamação na altura da coluna cervical, podendo avançar para tetraplegia, que é a perda de movimentos dos membros (braços e pernas) e do tronco.

Vômitos e soluços persistentes podem ser sinais da NMO

Buscar neurologista para realização de teste genético é fundamental para prevenir novos surtos da neuromielite óptica

Em menor frequência, a pessoa pode apresentar vômitos ou soluços persistentes, consequência da síndrome da área postrema, região no cérebro que controla o vômito, como explica Milena Pitombeira, neurologista com especialização em neuroimunologia pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP).

“Uma das manifestações iniciais da doença, a síndrome da área postrema gera sintomas inespecíficos como náuseas, vômitos ou soluços persistentes – e que leva o paciente a buscar uma emergência ou a gastroenterologia, enquanto trata-se de uma lesão no sistema nervoso central”, informa.

Alguns dos sintomas são dor nos olhos, perda de visão (neurite óptica), fraqueza, adormecimento ou paralisia parcial dos membros (mielite transversa), perda do controle dos esfíncteres da bexiga e intestino, náuseas, vômitos e soluços prolongados.

Durante o surto, o paciente pode manifestar cegueira parcial ou completa, no caso da neurite (inflamação do nervo óptico) ou formigamento nas pernas e/ou braços ou até mesmo paralisia, no caso da mielite (inflamação na medula espinhal).

Dor crônica e fadiga são sintomas invisíveis da doença

Em estágios iniciais, muitas doenças possuem sinais inespecíficos que acabam passando despercebidos até para quem os sente. Dor crônica e fadiga são “sintomas invisíveis”, que podem indicar a doença causada por surtos graves e recorrentes no sistema nervoso central que podem resultar em incapacidades permanentes, como perda de visão e paralisia.

“Esses sinais podem ser menosprezados em um primeiro momento, por isso, é preciso estar atento”, explica Felipe Von Glehn, médico neurologista especializado em neuroimunologia.

Ainda que a dor crônica e a fadiga sejam consideradas sintomas invisíveis, o impacto delas na qualidade de vida dos indivíduos pode ser facilmente percebido. A estimativa é que 40% dos pacientes com NMO podem apresentar um quadro depressivo, resultado da dor intensa que sentem e 60% deles relatam impacto significativo no trabalho, atividades físicas e capacidade de realizar tarefas em geral.

Os pacientes acometidos por essa enfermidade podem sentir também dores nos olhos, sensações alteradas com sensibilidade à temperatura, dormência e formigamento, além de membros fracos e pesados. Outros pontos de atenção são vômitos e soluços que duram mais de 48h e não possuem causa gástrica.

“Garantir que a sociedade esteja munida de informações sobre essa doença debilitante, é uma forma de corroborar para mantermos a independência, autonomia e qualidade de vida dos pacientes. Principalmente porque a média de idade do aparecimento é aos 40 anos, ou seja, em plena fase produtiva. O quanto antes for feito o manejo adequado, mais chances de evitarmos danos sérios nesses indivíduos”, finaliza o neurologista.

Como é realizado o diagnóstico

O diagnóstico pode ser realizado por um neurologista por meio do exame para detecção de anticorpos anti-aquaporina-46,4, presente na maior parte dos pacientes com NMOSD. Complementar ao exame do biomarcador, é feita avaliação clínica dos sintomas, ressonância magnética e identificação de padrões da apresentação da doença, como o tamanho e a localização das lesões causadas por danos nos tecidos.

O diagnóstico da doença é feito com base no histórico do paciente, avaliação clínica e identificação das descobertas de características físicas. Além disso, o teste AQP4-IgG, um simples exame de sangue usado para detectar anticorpos que são específicos para a proteína aquaporina (AQP4), é capaz de diagnosticar até 80% dos pacientes. Em caso de suspeita, a realização deste teste é fundamental para a confirmação.

A causa da neuromielite óptica ainda é desconhecida, contudo, ela pode surgir após uma infecção ou pode estar associada a outra doença autoimune.

“A NMO faz com que o corpo produza um anticorpo chamado anti-aquaporina 4, que ataca a proteína responsável por transportar água no sistema nervoso. Com isso, ocorre uma destruição de células e fibras nervosas na medula espinhal (mielite) e fibras nervosas no nervo óptico (neurite óptica)”, diz Dr Felipe.

Segundo ele, cada episódio grave ou agudo da doença pode gerar danos irreversíveis. “Portanto, é de suma importância conscientizar a sociedade, a classe médica e profissionais da saúde sobre os sintomas, principalmente os invisíveis, para que os pacientes sejam diagnosticados e recebam o cuidado adequado precocemente”, complementa o especialista.

Falta de protocolo dificulta acesso a tratamentos

O diagnóstico, no entanto, normalmente vem atrelado a sequelas graves, já que, atualmente, não há um protocolo clínico exclusivo para o tratamento dessa patologia no Brasil. Bem diferente de outras doenças desmielinizantes, que já contam com um guia de cuidado, o chamado Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), e opções terapêuticas disponíveis no SUS, como é o caso da esclerose múltipla (EM), mais frequente em caucasianos.

Isso dificulta consideravelmente o acesso a tratamentos adequados. Ou seja, acende-se um alerta sobre a equidade na saúde, tema que tem ganhado cada mais relevância nas discussões sobre políticas públicas que atendam às necessidades clínicas e sociais, principalmente quando se trata de DENMO, que é uma doença de alto impacto social.

Na maioria dos casos, os surtos causam hospitalização, tratamentos paliativos e multidisciplinares, além de gastos indiretos como horas de cuidador e auxílio-doença que acarretando um maior custo para o sistema.

Mas o tratamento correto pode minimizar consideravelmente os efeitos da NMO. Por isso, é fundamental que todos tenham acesso a informações que valorizem o diagnóstico precoce e o acesso ao cuidado de qualidade.

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Agenda Positiva

Março Verde e dia de conscientização

Por meio do movimento Março Verde, as Organizações Não-Governamentais Amigos Múltiplos pela Esclerose (AME) e a Crônicos do Dia a Dia (CDD) chamam atenção para a neuromielite óptica, que tem seu dia nacional de conscientização celebrado em 27 de março.

O objetivo é enfatizar a importância da quebra de estigmas relacionados aos sintomas e vivências na jornada da pessoa com NMO, sua família e cuidadores, e as consequências que os tabus e informações equivocadas podem causar.

Ao lidar com esses temas, espera-se informar e conscientizar sobre o mecanismo de ação da doença e como a NMO impacta a vida das pessoas diagnosticadas em todos os âmbitos (pessoal, social, profissional).

Com o objetivo de elevar o conhecimento sobre a doença, a Associação Brasileira de Neuromielite Óptica (ABNMO), com apoio da biofarmacêutica Amgen e da Comunidade NMO, promove uma série iniciativas no Março Verde, em função do Dia Nacional de Conscientização sobre a NMO (27 de março).

“É essencial promovermos medidas que elevem a conscientização, tanto entre a sociedade civil quanto entre os profissionais de saúde, a fim de termos cada vez mais diagnósticos precoces, garantindo que essas pessoas tenham qualidade de vida”, atenta Cleide Lima, presidente da Associação Brasileira de Neuromielite Óptica (ABNMO).

Nesta quarta-feira (27)a partir das 18h, monumentos históricos e atrações turísticas de diferentes regiões do Brasil receberão uma iluminação especial na cor verde. O Palácio do Congresso Nacional, em Brasília, fica iluminado até domingo (31).

A iniciativa, realizada pela Crônicos do Dia a Dia (CDD), tem como propósito ampliar a conscientização sobre a neurológica rara e autoimune que pode levar a perda de visão e dificuldades motoras.

Este ano a campanha traz o mote “Esperançar e Agir” e conta com outras ações que visam dar visibilidade para a NMOSD e reforçar a importância da participação social em questões que envolvem a doença, como acesso a serviços de saúde.

Para Giulia Gamba, diretora executiva da CDD, dar visibilidade à NMOSD é contribuir para que a sociedade eleve o conhecimento a respeito da doença. “Trata-se de uma enfermidade que afeta, só no Brasil, 10 mil pessoas. O diagnóstico precoce e o cuidado adequado podem garantir mais qualidade de vida. Por isso, campanhas como essas são extremamente necessárias”.

Em 2023, um vídeo da campanha Março Verde, com a abordagem “É chegada uma nova era para pessoas com NMO no Brasil, é tempo de #EsperançarNMO”, conta histórias de pacientes e uma narrativa emocionante. O foco principal é conscientizar a sociedade sobre a doença, seus sintomas e a realidade de quem vive com a condição.

“Sabemos que é crucial que as informações sobre a NMO cheguem ao maior número de cidadãos, e que isso possa impactar diretamente no diagnóstico correto e precoce e em como as pessoas com NMO são tratadas e incluídas nos espaços que ocupam”, explica Gustavo San Martin, superintendente da AME e da CDD.

Confira abaixo os locais que serão iluminados:

Elevador Lacerda em Salvador
Local: Cidade Baixa – Praça Visconde de Cayru, Comércio / Cidade alta – Praça Municipal (Praça Tomé de Souza s/n Centro Salvador) Centro Histórico, Salvador – BA
Horário: a partir das 18h

Roda Gigante no Rio de Janeiro
Local: Porto Maravilha – Av. Rodrigues Alves, 455 – Santo Cristo, Rio de Janeiro – RJ
Horário: a partir das 18h

Roda Gigante em Balneário Camboriú
Local: Estr. da Raínha, 1009 – Pioneiros, Balneário Camboriú – SC
Horário: a partir das 18h

Senado Federal em Brasília
Local: Praça dos Três Poderes – Brasília – DF
Horário: a partir das 18h

Teatro Amazonas em Manaus
Local: Av. Eduardo Ribeiro, 659 – Centro – Manaus – AM
Horário: a partir das 18h

  • Com Assessorias

 

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