O tratamento do câncer tem evoluído nos últimos anos com o desenvolvimento de novas terapias que visam aumentar a eficácia e reduzir os efeitos colaterais. No entanto, ainda há desafios a serem superados para garantir o acesso e a qualidade dos medicamentos oncológicos. É o caso da terapia gênica conhecida como CAR-T, que utiliza células T do próprio paciente, modificadas em laboratório, para reconhecer e atacar as células cancerígenas, e que promete levar até a remissão completa da doença.
Atualmente, existem três medicamentos de células CAR-T aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para uso no Brasil. A Anvisa é apenas uma parte do processo de disponibilização do medicamento no país. Quando aprovado, a próxima etapa é a precificação do tratamento pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial do Governo Federal responsável pela regulação econômica do mercado de medicamentos no Brasil.
No entanto, o custo do tratamento completo, considerando as visitas ao hospital e a administração do tratamento, pode facilmente ultrapassar os R$ 2,5 milhões. Para tentar contornar esse alto custo, pesquisas que buscam viabilizar a produção nacional de medicamentos similares já estão em andamento em entidades públicas – como vimos aqui.
Entre os destaques, estão os estudos do Instituto Butantan, da Universidade de São Paulo (USP), e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde. Há ainda estudos avançados sobre CAR-T na Universidade do Ceará (UFC) e em entidades privadas, como o Hospital Albert Einstein. Em todos os casos, o financiamento é público, realizado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e por agências financiadoras de pesquisa.
Reação a terapia CAR-T pode levar paciente à UTI
Daniela Ferreira Dias, hematologista do Instituto Paulista de Cancerologia (IPC), explica que a CAR-T é uma terapia inovadora no tratamento contra o câncer. A sigla CAR vem da expressão em inglês “chimeric antigen receptor“, receptor quimérico (combinação de elementos diversos) de antígeno, em português. O “T” faz referência ao linfócito T, uma das principais células do sistema imunológico. Elas são unidas em laboratório, dando origem às CAR-T e, depois, são devolvidas ao corpo do paciente.
“É um tipo de imunoterapia em que são coletadas células T (tipo de glóbulo branco) do sistema imunológico do paciente e levadas para um laboratório especializado onde sofrerão modificações genéticas para que, essas próprias células do paciente, reconheçam e combatam as células doentes. As taxas de resposta completa, bem como sua duração, variam de acordo com cada tipo de doença”, esclarece a médica.
A aplicação é feita com dose única, por meio de infusão intravenosa. Dentro de sete dias após a infusão das células CAR-T, pode haver uma reação inflamatória, sinal de que os linfócitos modificados estão se reproduzindo dentro do organismo e promovendo a liberação de substâncias para eliminar o tumor. Nesse período, além de febre, pode haver queda importante da pressão arterial e até mesmo necessidade de internação em unidade de terapia intensiva (UTI).
“Nas primeiras semanas após infusão das células CAR-T, o paciente pode apresentar alguns sintomas neurológicos, que poder ser desde leve de confusão mental até a presença de crises convulsivas. Esses efeitos colaterais podem ser controlados com medicamentos específicos. Por esse motivo, é muito importante que o tratamento seja feito em centro especializado e com equipe treinada”, explica a médica.
Saiba em que tipos de câncer a terapia CAR-T pode ser usada
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Estudos clínicos realizados em mais de 25 países, inclusive no Brasil, apontam a eficácia da terapia CAR-T em pacientes com câncer, sobretudo hematológicos. Entenda os tipos de doenças hematológicas que podem ser tratadas por essa terapia:
– Alguns tipos de Linfoma não Hodgkin – para doenças recidivadas ou refratárias
– Leucemia linfoblástica aguda (LLA-B) – para doenças recidivadas ou refratárias
– Mieloma múltiplo
Para as leucemias mieloides agudas (LLA), tipo de doença da influenciadora Fabiana Justus – filha do empresário Roberto Justus – , entretanto, ainda não há indicação desse tipo de terapia, como informa a médica hematologista.
Dra Daniela também explica mais sobre as leucemias, que podem ser agudas (início súbito de sintomas) ou crônicas (sintomas mais lentos ou sem sintomas com diagnóstico em exames de rotina como hemograma) Leucemia linfoide aguda, Leucemia linfoide crônica, Leucemia mieloide aguda e Leucemia mieloide crônica.
O tratamento é feito inicialmente através da quimioterapia e continua com outras estratégias para consolidar a resposta inicial e impedir que os glóbulos brancos doentes voltem a proliferar. Para isso pode ser necessário uso de medicamentos orais (terapias alvo), imunoterapia, novas sessões de quimioterapia e transplante de medula óssea.
Entenda o diagnóstico e a prevenção das leucemias
“A leucemia é um tumor que afeta a medula óssea, responsável pela produção das células sanguíneas, como os leucócitos, plaquetas e hemácias. As células-tronco sofrem alterações genéticas e inicia a produção de células imaturas, que são os blastos”, explica a médica. “Eles começam a se multiplicar descontroladamente, o que atrapalha o desenvolvimento das células saudáveis, levando a manifestações clínicas como cansaço, fraqueza, dores pelo corpo, febre, hematomas na pele e sangramentos”.
Na maior parte dos casos a leucemia não é hereditária. Uma síndrome genética que pode estar relacionada a uma maior predisposição é chamada de Li-Fraumeni. É uma condição em que o gene TP53 (gene supressor tumoral), sofre uma mutação e perde a capacidade de barrar o desenvolvimento de um câncer.
O diagnóstico pode ser suspeito através do exame de hemograma, que pode apontar a presença de blastos (células imaturas). A confirmação é feita através dos exames de mielograma (punção medular) e imunofenotipagem (punção medular ou sangue periférico). Os exames de citogenética (cariótipo), PCR e FISH têm importante papel na classificação de risco das leucemias e direcionamento para tratamentos específicos.
“Há pouco a se fazer em termos de prevenção primária, mas evitar exposição a substâncias cancerígenas é de grande importância. Embora as leucemias agudas sejam diversas e potencialmente graves, há chances de cura com os tratamentos oferecidos. As respostas podem variar de acordo com o tipo, idade do paciente e características genéticas da doença”, afirma Daniela Ferreira Dias.