O tratamento mais inovador da Medicina no combate ao câncer está cada vez mais perto de chegar ao SUS. Hoje disponível somente na rede particular no Brasil, a terapia CAR-T Cell, como é conhecida, chega a custar 350 mil dólares, o equivalente a quase R$ 1,74 milhão, segundo estimativa do Ministério da Saúde, ou até 500 mil dólares (R$ 2,5 milhões), segundo operadoras de saúde. Duas iniciativas, lideradas pelas duas principais instituições científicas brasileiras – o Instituto Butantan, em São Paulo, e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, vão ampliar as pesquisas para produção de tecnologias nacionais, que possam ser oferecidas gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Cinco hospitais do Estado de São Paulo receberão 81 pacientes oncológicos para um novo estudo sobre as células CAR-T  (sigla para receptor quimérico de antígeno, em português), uma forma avançada de terapia celular que pode representar a cura em alguns casos de câncer. Se bem sucedida, a tecnologia desenvolvida e testada no Brasil poderá ser aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e, posteriormente, oferecida pelo SUS.

O estudo clínico do Programa de Terapia Celular, realizado pelo Instituto Butantan, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e o Hemocentro de Ribeirão Preto, vai avaliar o uso de células CAR-T para o tratamento de pacientes com leucemia linfoide aguda de células B e linfoma não Hodgkin de células B.  São pacientes que não tiveram resposta ou apresentaram recidiva da doença após tratamentos convencionais, como quimioterapia e transplante de medula óssea.

A novidade foi anunciada nesta segunda-feira (25), durante o início da operação do Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), localizado no Hemocentro de Ribeirão Preto, no campus da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto. No local, ocorrerá toda produção das células CAR-T para o estudo, a partir das células de defesa dos próprios pacientes, por meio de um processo de modificação para que consigam combater as células cancerígenas.

Já no Rio de Janeiro, o Instituto Nacional de Câncer (Inca) realizará ensaios clínicos para cânceres hematológicos, por meio da transferência de tecnologia de uma empresa americana para a Fiocruz para produção de células CAR-T e vetores lentivirais. O anúncio será feito nesta terça-feira (26), pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) e a Caring Cross. A iniciativa beneficiará pacientes com doenças oncológicas, infecciosas e genéticas atendidos pelo SUS.

Cinco hospitais participarão do estudo

Serão contemplados, dessa vez, 81 pacientes do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-USP), Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HC-FMRP-USP) e Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (HC-Unicamp), além de pacientes da Beneficência Portuguesa e Hospital Sírio Libanês, na capital paulista.

De acordo com o  Instituto Butantan, “o objetivo é desenvolver um produto nacional para a obtenção de registro junto à Anvisa, que poderá ser disponibilizado a pacientes pelo SUS. Não foram passados detalhes sobre o início do estudo, nem como será feita a seleção dos pacientes elegíveis para receber as células modificadas, mas a previsão é que dure 12 meses, assim como estudos anteriores.

“Estamos, agora, no momento de terminar uma tarefa importantíssima, que é concluir os dados finais para trazer isso para a realidade do Sistema Único de Saúde, não restrito a ele, mas como objetivo primário. O objetivo é oferecer uma terapia que hoje é tão cara [no sistema privado] pelo SUS. É essa a nossa missão”, destacou Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan.

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Investimento de R$ 220 milhões em núcleo em SP

Nutera, que começa a funcionar no Hemocentro de Ribeirão Preto, produzirá células CAR-T para pacientes oncológicos (Fotos: Instituto Butantan)

Localizado no Hemocentro de Ribeirão Preto, no campus da Universidade de São Paulo (USP), o Nutera representa um salto qualitativo na capacidade de tratamento de pacientes com câncer, prometendo atender as necessidades dos participantes do estudo clínico em curso e, futuramente, expandir o atendimento para até 300 pacientes anualmente, garantindo a manutenção de altos padrões de qualidade e segurança conforme as Boas Práticas de Fabricação (BPF).

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, visitou a unidade e celebrou, nesta segunda-feira (25), convênio com a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (SP) – uma das pioneiras na produção dessa terapia em solo nacional – para o desenvolvimento de projetos para uso de células CAR-T no tratamento do câncer no Brasil. Foram investidos R$ 100 milhões na pesquisa que tem prazo de execução de 34 meses.

O Instituto Butantan, por meio de acordo entre a Fundação Butantan e a Fundação Hemocentro, informou que já repassou R$ 190 milhões para viabilizar o projeto, além de R$ 30 milhões para custeio, num total de R$ 220 milhões. Com capacidade de produção ampliada, a unidade solidifica a infraestrutura necessária para o desenvolvimento e aplicação desses tratamentos inovadores no Brasil.

“É um projeto extremamente inovador em terapia celular. Para a consolidação dessa iniciativa, foram investidos R$ 220 milhões nessa construção para equipar a unidade, capacitar os colaboradores e dar toda a estrutura para a nossa equipe de cientistas, possibilitando o desenvolvimento de pesquisas que serão de grande contribuição para o nosso Estado e País”, declarou Eleuses Paiva, secretário de estado da saúde de São Paulo.

O Nutera conta com apoio de instituições de fomento à pesquisa, como Fapesp, CNPq e Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon). Já o estudo clínico, se deu por meio de projeto-piloto de cooperação técnica regulatória da Anvisa para o desenvolvimento de terapias avançadas para o SUS e foi financiado por recursos do Programa para o Desenvolvimento do Complexo Industrial da Saúde (Procis), do Ministério da Saúde, marcando avanço significativo na disponibilização da terapia celular CAR-T no Brasil.

“Esse estudo clínico permitirá fazer chegar à população um tratamento revolucionário para tipos de câncer como linfomas, leucemia aguda e outras doenças. Essa tem que ser a visão maior da ciência e tecnologia no SUS. Salvar vidas, garantir essas condições para os pacientes, o que representa também uma economia muito importante para que possamos abranger novos tratamentos”, disse a ministra.

Custo da terapia até 15% menor e redução de outros gastos do SUS com o câncer

As terapias com células CAR-T utilizam as próprias células imunológicas do paciente, modificadas geneticamente, para atacar as cancerígenas. Apesar de representarem um avanço revolucionário, demonstrando uma eficácia superior a 80% em pacientes em estágio terminal, as terapias de células CAR-T são inacessíveis para a maioria da população por seus custos proibitivos. O preço elevado cria uma disparidade acentuada no acesso, especialmente para pacientes de regiões de baixa e média renda.

Essa abordagem, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) em 2017, agora é foco de investimentos do Ministério da Saúde, no âmbito do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) e do novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC). Com a produção local, o tratamento poderia ser disponibilizado gratuitamente à população brasileira.

De acordo com o Ministério, a nacionalização da produção, insumos e mão de obra reduz consideravelmente o custo para a fabricação das células CAR-T. A perspectiva de que os valores de custo ofertado do produto celular para tratamento ao SUS seja em torno de 10% a 15% do valor do produto já aprovado para comercialização no Brasil.

A terapia com células CAR-T pode impactar na redução do uso de remédios para a dor, da necessidade de sessões de quimioterapia e suas complicações, trazendo qualidade de vida aos pacientes sem mais alternativas terapêuticas ou que sofrem com a recorrência do câncer após terapias anteriores. As células CAR-T permanecem ativas no organismo por um longo período e têm potencial de remissão total do câncer em pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais. 

Entenda como funciona a terapia Car-T

As células CAR-T representam uma nova fronteira inovadora no tratamento de certos tipos de leucemias e linfomas que não responderam a tratamentos convencionais.  Esta abordagem terapêutica integra a biotecnologia, a engenharia genética, a imunologia e a hematologia para reprogramar as células imunológicas do próprio paciente para combater o câncer de maneira mais eficaz.

“A terapia consiste em uma célula de defesa do organismo geneticamente modificada que passa a combater o câncer. Nós modificamos uma célula do próprio paciente e transformamos essa célula em um armamento contra o câncer que ele possui. Por isso que há uma elevada porcentagem de cura”, afirmou o hematologista Dimas Covas, ex-presidente do Butantan.

O procedimento é semelhante a uma transfusão de sangue, só que em um processo mais rápido que os tratamentos tradicionais. “A internação é muito curta. Se não houver nenhuma complicação no tratamento, em um mês o paciente recebe alta e, quando isso, acontece a doença normalmente já está sob controle”, detalha Dimas.

O primeiro voluntário, que recebeu o tratamento experimental em 2020, alcançou a remissão total de um linfoma em estágio terminal. Outros pacientes que optaram pelo tratamento também tiveram remissão.

Durante o estudo clínico com os pacientes, são analisados a segurança do método e seus efeitos adversos iniciais e de longo prazo, a resposta clínica nos 30 e 90 dias após a infusão das células CAR-T, assim como a duração da resposta e a sobrevida dos pacientes.

Inicialmente, a terapia está indicada apenas para quem não teve respostas positivas em outros tratamentos. À medida que os estudos clínicos estiverem progredindo, o tratamento começará a ser aplicado em fases mais precoces, ganhando escala para, então, ser oferecido no SUS.

Mais sobre o estudo em São Paulo

Instituto Butantan lidera estudo sobre terapia com células modificadas para pacientes com linfoma e leucemia (Fotos: Butantan / Arquivo)

Lançado em junho de 2022, o Programa de Terapia Celular liderado pelo Butantan é composto pelos centros Nutera São Paulo e Nutera Ribeirão Preto. Os núcleos serão as primeiras instalações a produzir totalmente no Brasil a terapia CAR-T em escala.

A parceria vem com a missão de ampliar o acesso ao tratamento, voltado primeiramente ao combate de cânceres no sangue, para a população brasileira via Sistema Único de Saúde (SUS). O convênio visa não apenas ao desenvolvimento, mas também à implementação de um sistema de qualidade que garanta a segurança e eficácia dos procedimentos.

A terapia com células CAR-T já é desenvolvida desde 2020 no Centro de Terapia Celular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP com alguns pacientes, mas deve ganhar escala com a inauguração da nova fábrica de produção das células de defesa modificadas.

O novo estudo será aberto, o que significa que todas as partes envolvidas (médico e paciente) estarão cientes do método utilizado; prospectivo, com acompanhamento da evolução da doença, no sentido de avaliar se a terapia elimina ou não o câncer; e de braço único, com apenas um grupo de participantes recebendo a mesma terapia.

O primeiro estudo clínico realizado pelo Programa de Terapia Celular do Butantan contou com 30 pacientes entre 18 e 70 anos com diagnóstico de linfoma difuso de células B refratários, não elegíveis a transplante autólogo de medula óssea, participarão de um estudo clínico de fase 1/2. Os pacientes foram recrutados durante 12 meses nos dois Hospitais das Clínicas da USP e no HC-Unicamp.

Com informações do Butantan, Ministério da Saúde e Fiocruz

 

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