Por Ana Claudia Cardoso*

Eu mesma sofri bullying quando menina, mas naquele tempo tudo se resolvia de pronto, na base do Código de Hamurabi – que se baseava na Lei do Talião, também conhecida pela expressão “olho por olho, dente por dente”. Atualmente, a situação é um pouco pior, pois o ataque psicológico vem muitas vezes por trás de uma tela de computador ou de celular, com covardia e crueldade, expondo, ridicularizando e menosprezando particularidades físicas ou intelectuais. É praticamente o mesmo comportamento, os mesmos ataques repetidos, porém agravados por um “suposto” anonimato.

Já o cyberbullying é a violência realizada com o uso de tecnologias da informação em ambientes digitais. Essa prática tem como intuito ofender, humilhar ou ainda envergonhar e intimidar a vítima da ação. O Brasil é o segundo país do mundo com mais casos de cyberbullying no mundo, segundo o Instituto Ipsos, ficando atrás somente da Índia.

A falta de compaixão, tolerância e respeito, conforme consta da Lei Nacional de Diretrizes e Bases da Educação, são as principais características do cyberbullying. Porém, acredito que o fato de os agressores poderem praticar esse ato sem serem vistos, cria uma falsa sensação de impunidade. Acham que são super heróis, pessoas acima do bem e do mal e com todos os direitos e nenhum dever.

Em tempos de pandemia, os casos de cyberbullying aumentaram de forma exponencial. Em razão disso, as escolas e universidades estão investindo cada vez mais na capacitação dos seus professores, a fim de evitar indenizações milionárias contra as instituições educacionais.

Para ser um cyberbullie (valentão, agressor digital), não é preciso ser o mais forte, o mais popular ou o mais temido do grupo, agora basta apenas ter acesso a um celular com internet. O poder de destruição do cyberbullying sobre as vítimas é maior, porque o público, aquela plateia que “assiste” aos ataques, ultrapassa as fronteiras da escola e repercute de forma mundial. Isso ocorre porque as ofensas são transmitidas com grande velocidade para outras esferas de convívio da vítima, como os amigos, familiares e colegas, conforme consta do manual antibullying feito pelo Ministério Público de São Paulo.

Além do bullying virtual, outra prática recorrente na internet e que pode ser grande ameaça a crianças, adolescentes e mulheres em geral é o cyberstalking (ou, em português, perseguição virtual), em que um indivíduo ou grupo de indivíduos utiliza a tecnologia para perseguir alguém.

As duas práticas podem ter impacto na autoestima, autoconfiança e até mesmo na segurança das vítimas, e estão previstas em lei com penas variadas, que vão de multas a reclusão.

Ana Cláudia Cardoso Braga é militante em Direito Digital e advogada da Toledo e Advogados Associados (Foto: Divulgação)

Saiba como se proteger:

Não responda aos ataques

Quando percebem que suas provocações têm efeitos na vítima, é possível que os agressores enxerguem nessa reação um estímulo e, desse modo, invistam cada vez mais na agressão. Embora não responder a essas intimidações pareça um conselho óbvio e difícil de seguir, essa é uma das melhores maneiras de desestimular os chamados bullies (quem pratica bullying), já que a indiferença pode fazer com que eles desistam de seus alvos. Além disso, outra razão importante para não responder às provocações é evitar incorrer na mesma prática do agressor, proferindo ofensas e propagando informações caluniosas como vingança.

Salve evidências

Diferentemente de outras formas de intimidação e perseguição, o cyberbullying e o cyberstalking costumam deixar rastros pela forma e pelo meio em que são praticados. Felizmente, esses registros podem ser utilizados posteriormente a favor da vítima. Nesse sentido, devem ser guardadas todas as provas dos ataques sofridos — como capturas de telas de mensagens e ameaças ou ainda a comprovação da instalação de stalkerwares, por exemplo — já que esses materiais podem ser utilizados em uma possível denúncia ou processo judicial. Vale lembrar também que é necessário que todos esses registros mostrem claramente os endereços de e-mail, nomes de usuário ou números de telefone de que partiram os ataques.

Peça ajuda a parentes, amigos e profissionais

Sempre que se sentir atingido por uma agressão, mais do que apenas buscar auxílio na lei, é importante pedir ajuda a pessoas de confiança para não precisar lidar com a pressão sozinho.

Entre em contato com o suporte das redes sociais

Caso sofra ou presencie ataques partindo de perfis em redes sociais como Instagram, Facebook e Twitter, por exemplo, é importante contatar o suporte da plataforma pelos canais de ajuda. Nesse contato, você deve informar a conduta e o perfil envolvido na prática de cyberbullying ou cyberstalking, denunciando a conta do agressor.

Após reportar uma prática de cyberbullying, também é importante denunciar e bloquear o perfil envolvido na ação, para evitar que o agressor entre em contato com novas intimidações. Vale lembrar, no entanto, que os assediadores têm a prática comum de criar mais perfis falsos para realizar intimidação sistemática, o que pode gerar um ciclo sem fim de bloqueio e surgimento de perfis. Por isso, é importante reunir todo o acervo de provas necessário para denunciar e comprovar a prática reiterada de abusos.

Caso nada funcione, use a lei a seu favor

A prática de cyberbullying pode se enquadrar em crime contra a honra, previsto nos artigos 138 a 140 do capítulo IV do Código Penal brasileiro. Para ele, já existe punição no Brasil, com uma pena que pode ser aumentada em casos que envolvam crianças ou adolescentes.

Além disso, desde 2018 o Código Penal também prevê, em seu artigo 218-C, punição de um a cinco anos de reclusão para quem oferecer, transmitir, publicar ou divulgar, sem o consentimento da vítima, fotos, vídeos ou qualquer outro tipo de mídia que contenha, por exemplo, cena de sexo, nudez ou pornografia. Essa pena pode ser aumentada caso o crime envolva menores de idade e/ou mulheres.

Ainda se tratando de bullying, há a Lei 13.185, de 2015, que instaurou o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. Nela, são caracterizados atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetitivos, praticados por indivíduos ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-las ou agredi-las — como, por exemplo, o bullying. O texto legal determina que escolas, clubes e agremiações recreativas desenvolvam medidas de conscientização para prevenção e combate à prática.

Por fim, a Lei 14.132, sancionada em março de 2021, acrescentou ao Código Penal a previsão do crime de perseguição, que inclui a prática de cyberstalking. Caso haja condenação, ele pode render ao infrator multas ou ainda penas de reclusão com períodos que variam de seis meses a dois anos.

Vale lembrar, no entanto, que, para que essas legislações sejam colocadas em prática, é necessário que seja buscada ajuda. A vítima ou seu representante legal — em caso de menores de 18 anos ou incapazes — tem de declarar às autoridades que quer que o agressor seja investigado e processado.

Como perceber os sinais em crianças e adolescentes?

Crianças e adolescentes às vezes têm dificuldades de se abrir sobre casos de bullying ou stalking sofridos na Internet.

Oscilações de humor abruptas, dificuldades para dormir, perda de apetite e desinteresse por atividades cotidianas são algumas das alterações que podem indicar um possível caso de cyberbullying.

Além disso, exclusão repentina de perfis nas redes sociais ou falta de vontade de participar de aulas e eventos sociais também podem significar que há algo de errado nesse sentido.

Por isso é importante que pais ou responsáveis mantenham um diálogo aberto com seus filhos, buscando entender que tipo de conteúdo eles consomem.

 *Ana Cláudia Cardoso Braga é militante em Direito Digital e advogada da Toledo e Advogados Associados.

 

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