Um portal de saúde e bem-estar falar de guerra? Sim. Porque quem conhece História e violência em seu estado mais puro — a guerra — conserva sua sanidade para o futuro. Assim, vou tratar de livros sobre guerras, nestes tempos interessantes em que estamos a viver.

Por que a guerra? Das batalhas gregas à ciberguerra – Uma história da violência entre os homens, coletânea de ensaios organizada por Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster Sousa Leão, aborda a questão que é muito mais antiga do que parece: a preocupação com o histórico da violência entre os homens, que vem desde as batalhas gregas até as ciberguerras dos dias atuais.

Vamos também com Era dos Extremos, de Eric Hobsbawn, que fala das duas grandes guerras mundiais; Guerras Justas e Injustas, de Michel Walzer. Finalmente, É isto um homem, de Primo Levi, preso, torturado e massacrado num campo de concentração.

Lévi se salvou, mas se suicidou anos depois. Vamos falar de guerras, então, para sempre preservar a paz e o nosso bem-estar e bem viver uns com os outros? O período que vai 1914 a 1945, das duas grandes guerras que marcaram o século XX, é chamado de ‘Era da Catástrofe’ por Eric Hobsbawn. O historiador considera que as duas guerras representaram um só conflito, longo, que durou 31 anos. Escreve ele:

A Humanidade sobreviveu. Contudo, o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. Não há como compreender o breve século XX sem ela. Ele foi marcado pela guerra. Viveu e pensou em termos de guerra mundial, mesmo quando os canhões se calavam e as bombas não explodiam. Sua história, e mais especificamente, a história de sua era inicial de colapso e catástrofe devem começar com a da guerra mundial em 31 anos”.

Sim, a Humanidade sobreviveu. Mas uma boa parte dela — perto de 50 milhões de pessoas — partiu desta para a melhor antes da hora, em virtude das duas grandes guerras. Mortos em combate, em campos de concentração, de doenças, de bombardeios. As duas guerras vitimaram cada vez mais civis, até então, a salvo, pois as contendas se davam em campos de batalha delimitados e soldados eram as principais vítimas.

Na guerra de 1914-1918, 5% dos mortos eram civis. Na guerra seguinte, este percentual salta para 66%. Mortos pelo mesmo e recorrente motivo: manter a supremacia sobre o outro, o intolerado, o que não suportamos diante de nós porque não pensa como nós, não fala como nós e não faz o que achamos o que é o certo e o que ele deveria fazer porque o inferno são sempre os outros.

A Primeira Guerra eclode em meio a um tempo de triunfo da ciência natural, de revoluções nos meios de transporte e das comunicações, com maior difusão da imprensa e da instrução. O salário dos operários melhora. Fatores que, juntos, permitem uma existência mais confortável e interessante.

Ódio nasce do ressentimento e do vazio

Ah, mas o ódio… O ódio nasce do ressentimento e do vazio que a barbárie social acaba por preencher dentro do universo das pulsões humanas, onde se escondem o instinto de morte e a ausência de interditos.

“O nível de ódio é elevado nas trincheiras”, afirma Michel Walzer, em sua obra Guerras Justas e Injustas. Walzer é um ex-ativista político contrário à Guerra do Vietnã. Continua ele: “É por isso que inimigos feridos costumam ser abandonados para morrer e prisioneiros são mortos”.

Na opinião de Walzer, “a própria guerra não é nenhuma relação entre pessoas, mas entre entidades políticas e seus instrumentos humanos. Estes instrumentos humanos não são companheiros de armas, nem membros de confrarias de guerreiros”. São apenas soldados que foram à guerra, com seus ódios entranhados.

A Primeira Guerra mobilizou 20 milhões de homens, ávidos por combater, e certos de que a guerra seria rápida. Acreditava-se que todos estariam de volta para o Natal. O grande avanço tecnológico fazia supor uma guerra novinha em folha para os padrões de combate de antanho. Nacionalismo em demasia, certeza da vitória sobre o oponente, e lá foram eles. Quatro anos depois, os que voltaram para casa deviam pensar diferente. Leia-se Walzer:

Da Primeira Guerra: grandes exércitos engajados em combates brutais numa área relativamente pequena; multidões de rapazes lançando-se contra o fogo da artilharia e de metralhadoras; generais indiferentes quanto ao número de baixas”.

Bomba atômica

De certo modo, a bomba atômica, que viria a ser criada alguns anos mais tarde, mostrou-se mais asséptica, rápida e objetiva no seu propósito raivoso e cheio de ódio de matar. É bem verdade que os que sobreviveram a ela passaram terríveis momentos.

O armistício da Primeira Guerra foi assinado em 11 de novembro de 1918, com a derrota da Alemanha e uma dívida a pagar de U$ 33 bilhões de indenizações às nações vencedores.

A República de Weimar guardou, fermentou e ferveu seu ódio, intolerante neste terreno fértil de miséria, instigado por um jovem austríaco bom de marketing, que chegou a chanceler do partido Nacional Socialista, o nazi Adolf Hittler.

Em 1929 o crack da bolsa em Nova Iorque se faz escutar na Europa, mais precisamente na Alemanha. Na década de 30, o mundo assistia ao crescimento de ditaduras e regimes nazistas, a bolsa americana quebrara e os EUA conhecem tempos de grande depressão. Em 1936, era a guerra civil espanhola. Em 1939, Hitler invade a Polônia. É a guerra de volta, quando se vai atingir o mais alto grau de malignidade. O mal pelo mal. O Holocausto: o triunfo do ódio.

Ali não havia estado de natureza — que é um estado de guerra, para Thomas Hobbes — ali havia o nada, ali não havia sequer o porquê. Circunscritos a um tempo fora do tempo, a uma guerra em que não lhes era sequer possível guerrear. Hobbes considera que a necessidade de um pacto, de um contrato, tira-nos da morta violenta e da guerra de todos contra todos.

O Holocausto é inclassificável e quando as palavras, quando a linguagem humana é insuficiente para narrar, contar e tampouco classificar tudo o que ocorreu, de fato, ali, a reflexão se estilhaça e a dor torna-se insuportável, aniquiladora.

Sobrevivente de um destes campos, Primo Levi, escritor italiano, não sobreviveu a si mesmo. Não havia palavras que lhe trouxessem alento. Suicida-se em 1987. No século VII A.C, o herói Aquiles concorda em entregar o cadáver do também herói Heitor ao pai deste, o rei de Tróia, Príamo, para que seja pranteado. Aquiles havia trucidado Heitor em combate, que trucidara Pátroclo, amigo inseparável de Aquiles. É a guerra de Tróia contada pelo poeta cego Homero.

O general Agamenon, na mesma guerra, sacrifica a filha Ifigênia aos deuses, para que os ventos empurrem as naus rumo à guerra. Heróis míticos, imortalizados em livros que chegaram até nosso tempo: a Ilíada, do poeta da antiguidade Homero. Lutaram violentamente em guerras duras, em busca de conquistas, glória — políticas de força — tal qual se continua a fazer hoje, no século XXI, posto que a guerra sempre encontra um porque para se amparar.

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