Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) mostram que existem entre 6 e 8 mil doenças raras no mundo. Destas, apenas 4% contam com algum tipo de tratamento e 30% dos pacientes morrem antes dos cinco anos de idade, principalmente por conta do diagnóstico tardio, que acaba impedindo o tratamento adequado da doença para que ela não chegue ao seu estágio mais avançado. No Brasil, estima-se que 13 milhões de pessoas tenham alguma doença rara. 

O Dia Nacional do Teste do Pezinho (6 de junho) chama a atenção para as doenças raras, de difícil diagnóstico, que podem afetar o desenvolvimento neurológico, físico e motor e podem ser detectadas pelo exame. A disponibilidade do Teste do Pezinho ampliado no SUS, determinada a partir da lei 5043/2020, publicada no final de maio, vai acelerar o diagnóstico de doenças raras, hoje realizado apenas na rede privada. O exame é feito a partir da coleta de sangue do calcanhar do bebê, entre o terceiro e quinto dia de vida, e é capaz de diagnosticar mais de 50 doenças.  

Especialistas destacam que a lei é um avanço para identificar e iniciar precocemente o tratamento de doenças raras, como a Mucopolissacaridoses (MPS), que causa impactos na vida dos pacientes. A doença possui 11 tipos diferentes, que são numerados em seus nomes de acordo com a enzima específica faltante no corpo do indivíduo: MPS I, II ou III, por exemplo. No Brasil, o tipo mais comum é a MPS II, também conhecida como Síndrome de Hunter.  

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Detecção precoce é fundamental para tratamento

As MPSs atingem homens e mulheres e está associada ao gene recessivo, ou seja, só é transmitida caso pai e mãe sejam portadores. São doenças hereditárias e afetam 1,57 em cada 100 mil nascidos vivos (dados do período de 1994 a 2018). Números da Rede MPS, entidade que reúne centros de tratamento para pacientes com a Síndrome de Hunter, mostram que 493 casos foram registrados no Brasil entre 1982 e 2019, uma média de 13 novos pacientes por ano.

Por ter sintomas comuns em outras patologias, o diagnóstico das MPS acaba sendo demorado e complexo. Crianças com a doença podem sofrer limitações articulares, perda auditiva, problemas respiratórios e cardíacos, aumento do fígado e do baço, além de déficit no desenvolvimento neurológico. Sem tratamento adequado, o doente pode morrer antes de completar 20 anos.

Já com o diagnóstico precoce e o devido acompanhamento médico, o paciente pode desacelerar o avanço da doença e aprender a conviver com ela, levando uma vida mais tranquila. “Se fizermos o diagnóstico precoce da MPS, o paciente terá uma resposta maior ao tratamento e ele e sua família terão uma qualidade de vida”, explica a geneticista Ana Maria Martins, professora da Unifesp e membro da Sociedade Brasileira de Triagem Neonatal e Erros Inatos do Metabolismo (SBTEIM).

Diagnóstico pode demorar até 4 anos

No caso das Mucopolissacaridoses (MPS), não há cura, mas com tratamento adequado é possível controlar a doença e aumentar a expectativa de vida do paciente. Hoje, os médicos recorrem à reposição de enzimas como intervenção terapêutica, que se mostrou eficiente. Estudos apontam que novas enzimas são capazes de cruzar a barreira sangue-cérebro,  permitindo tratar, inclusive, as manifestações neurológicas, provocadas pela falta ou deficiência de enzimas necessárias para atividades químicas importantes para o organismo.

Estudos mostram que devido à variedade dos sintomas, os pacientes com MPS I podem levar em média de 2 a 4 anos para receber o diagnóstico. Além disso, passam em mais de 10 consultas médicas até serem encaminhados para o especialista correto, impactando diretamente no início do tratamento adequado e na evolução das consequências da doença. Sem o manejo da doença, as crianças com o tipo I grave muitas vezes morrem nos primeiros dez anos de vida, com o sistema cognitivo afetado .

Doenças lisossomais são progressivas e incapacitantes atingindo sistema nervoso central, sistema esquelético, olhos e sistema cardiovascular. O diagnóstico precoce é fundamental para a resposta terapêutica adequada. Logo, o diagnóstico na Triagem Neonatal representa um avanço na vida e sobrevida de cada criança, uma vez que os pacientes praticamente não apresentam alterações sistêmicas, mudando dramaticamente o curso da doença com as terapias precoces”, explica Maria Teresina Cardoso, coordenadora de Doenças Raras da Rede Hospitalar do Distrito Federal.

Conquista para tratamento de doenças raras

O teste do pezinho realizado atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS) detecta apenas seis doenças, enquanto a versão ampliada chega a 53, incluindo as patologias raras, que podem influenciar o desenvolvimento neurológico, físico e motor da criança.  Assim como nas demais doenças raras, as MPS são de difícil diagnóstico, uma vez que há múltiplos sintomas e muitos são comuns a outras patologias. Muitas vezes, os cuidadores passam de quatro a cinco médicos até receberem o diagnóstico e serem encaminhados para um especialista. 

Ainda segundo ela, além de influenciar no tratamento das patologias, o teste do pezinho ampliado no SUS propiciará a criação de um programa escalonado e sustentável de triagem de doenças raras no Brasil, incluindo as MPS, o que pode beneficiar a aplicação de políticas públicas que atendam a esses pacientes e suas famílias. Para entrar em vigor, a lei depende de regulamentação do Ministério da Saúde.

O teste do pezinho ampliado melhora muito a qualidade de vida do recém-nascido brasileiro, já que quanto mais precoce é o diagnóstico, mais cedo a criança começa a ser tratada de maneira adequada, permitindo menores chances de haver complicações graves”, comenta Dra. Ana Maria. “Hoje, no Brasil todo, a grande maioria dos pacientes dessas doenças acabam morrendo sem diagnóstico. Este teste do pezinho ampliado vai evitar mortes prematuras e complicações irreversíveis”, complementa. 

Mais sobre a doença

Maria Teresina Cardoso explica mais detalhes sobre a MPS. Entenda:

Sintomas – Assim como outras doenças raras, a MPS está relacionada à deficiência de determinadas enzimas no lisossomo. A MPS I grave tende a se manifestar durante o primeiro ano de vida, enquanto as formas menos graves podem se apresentar durante a infância ou adolescência. Sintomas e sinais como baixa estatura, contraturas articulares, opacidade de córneas, aumento da língua, baço e fígado costumam aparecer durante a primeira infância. Aumento dos lábios, dificuldade respiratória, infecções de repetição, dor de cabeça, vômitos, irritabilidade e sonolência podem estar presentes ao longo de toda a vida.

Diagnóstico – O primeiro passo para o diagnóstico de MPS I é a suspeita clínica. A confirmação pode ser realizada por meio de um exame de urina simples focado em revelar sinais da doença. Em seguida, a enfermidade será confirmada por meio de um exame de sangue para avaliar a atividade enzimática ou teste genético. Triagem pré-natal (quando há história familiar) e neonatal também são indicadas para facilitar o diagnóstico precoce e, consequentemente, minimizar o impacto da doença na qualidade de vida do paciente.

Tratamento – O tratamento para a MPS I é realizado a partir da reposição da enzima faltante no organismo do paciente. Tal reposição, administrada regularmente por via intravenosa, ajuda na melhora dos sintomas, na estabilização da doença e no retardo de sua progressão. Assim como todo o manejo clínico, a Terapia de Reposição Enzimática (TER) deve ser seguida regularmente durante toda a vida.

AGENDA POSITIVA

A Casa Hunter – ONG dedicada a apoiar pacientes que possuem doenças raras, em especial a MPS Tipo II – promoverá atividades para marcar o Dia Nacional do Teste do Pezinho (6/6) em São Paulo. Com o apoio da Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida (SMPED), a Casa Hunter fará divulgação nos relógios da cidade. Para ampliar o alcance da mensagem, os cartazes também estarão nos painéis digitais dos pontos de ônibus, em parceria com a empresa de Mobiliário Urbano, Ótima. 

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