Quando Eduardo (nome fictício) ia fazer 7 anos de idade, seus pais se separaram. Ele passou a viver apenas com a mãe. O pai não aceitou um acordo amigável e entrou na Justiça para oferecer a pensão alimentícia no valor de um salário mínimo. Também entrou com uma ação de regulamentação de visitas para estar com o filho em apenas um dia da semana, a cada 15 dias, já que nunca quis a ‘guarda compartilhada’. Perdeu as duas ações.

A Justiça determinou que o genitor passasse fins de semana, feriados e férias alternadas com a mãe. Pouco antes de Eduardo completar 14 anos, a pedido da mãe, a Justiça aumentou o valor da pensão em 30%, ainda distante dos alimentos equivalentes a dois salários mínimos que o pai fora condenado a pagar pela filha mais velha, fruto de outro relacionamento, que vivia em outra cidade. No entanto, o genitor – que teve mais uma filha, agora do terceiro casamento – nunca cumpriu integralmente a sentença. 

Aproveitando-se da pandemia da Covid-19, quando a Justiça suspendeu a prisão para devedores de alimentos durante a fase de isolamento social, o genitor deixou de pagar a pensão durante mais de um ano. “Filho não vive de luz”, diriam alguns. Uma ação de execução de alimentos foi movida pela mãe de Eduardo, que ficara desempregada na pandemia, tendo enfrentado sérias dificuldades financeiras.

Mas o genitor continuava a ignorar as decisões judiciais, na certeza da impunidade. No ano seguinte, ele acordou com a mãe de Eduardo que pagaria a escola – cujo valor era equivalente à pensão. Também não cumpriu o acordo. Quando Eduardo sofreu bullying e implorou para mudar de escola, descobriu que o pai devia as mensalidades e não pôde ser transferido para outra unidade da mesma rede de ensino.

Abandono material e afetivo à parte, Eduardo completou 18 anos, deixou de ser representado juridicamente pela mãe e decidiu passar uma temporada na casa do pai, para resgatar e fortalecer o vínculo afetivo, abrindo mão informalmente do direito à pensão alimentícia e passando a receber pequenas quantias aleatórias oferecidas pelo pai.

Agora, de volta à casa da mãe onde sempre viveu e com apoio dela, Eduardo ingressou numa faculdade, que pretende conciliar com a vaga no programa Jovem Aprendiz, que conquistou para ajudar a pagar algumas de suas despesas pessoais. Mas o valor é irrisório e, certamente, ele continuará a depender do apoio dos pais para cursar o Ensino Superior e tocar o começo da sua “vida adulta”.

O rapaz, no entanto, se sente constrangido de cobrar do pai que pague o valor integral da pensão devida nos últimos anos e a que teria direito até os 24 anos, se continuar estudando. Chegou a cogitar retirar a ação, penalizado pelo pai, que sempre alega dificuldades financeiras, mas claramente expõe um padrão social superior.

O sagrado direito dos filhos de pais separados à pensão alimentícia sempre suscitou muitas dúvidas entre pais e mães, sobretudo quando o filho completa 18 anos. Para esclarecer alguns dos principais questionamentos de Eduardo e outros coletados pela reportagem junto a famílias que enfrentam situações semelhantes, o Portal Vida e Ação ouviu dois especialistas em Direito de Família e Sucessões – a advogada Dulce Keli Santos, de São Paulo, e o advogado Luiz Gustavo Penner, sócio do escritório CPPB Law, no Rio de Janeiro.

Confira abaixo a ‘Palavra dos Especialistas’:

Pensão alimentícia até os 24 anos – como garantir?

1 – Como garantir a pensão alimentícia assegurada pela Justiça até os 24 anos? Basta estar cursando o ensino superior? Precisa comprovar que não tem condições de se autossustentar?

Luiz Gustavo Penner – Conforme entendimento já estabelecido pelo Poder Judiciário, o dever dos genitores de sustentar a prole estende-se até a data em que o alimentando complete 24 anos de idade, se estiver frequentando curso de ensino médio, técnico ou superior.

Sendo assim, no caso em que os alimentos já haviam sido estabelecidos, basta o alimentado estar cursando o ensino superior para fazer jus a manutenção do recebimento desta verba. Neste caso, quem teria que comprovar que o alimentando não tem condições de se autossustentar seria o próprio genitor, por meio de ação revisional de alimentos (para alterar o valor devido), ou ação exoneratória (para extinguir a obrigação).

Dulce Keli Santos – Até os 18 anos de idade os filhos (alimentandos) possuem presumidas a suas necessidades, sendo obrigação de seus genitores lhes prestarem assistência inclusive material (Código Civil e Estatuto da Criança e Adolescente). Após os 18 anos de idade as necessidades dos filhos não são mais presumidas, sendo necessários demonstrar que não há capacidade de trabalho e estar cursando graduação ou curso técnico.

Nos processos de pensão alimentícia há que ser observado pelo magistrado em contraditório e ampla defesa as necessidades do alimentando e as possibilidades financeiras do alimentante. Os filhos têm que viver nas mesmas condições econômicas e financeira que seus pais (podendo ser utilizando a teoria da aparência, quando o genitor omite patrimônio e rendimentos).

Há a possibilidade fixação de obrigação de pagar pensão alimentícia pelos filhos aos pais. Não há presunção de necessidade, há que se comprovar em contraditório e ampla defesa a necessidade de quem requer a pensão e possibilidade de quem tem a obrigação de pagar.

2 – Se o filho termina o Ensino Médio e não ingressa imediatamente numa faculdade, cessa automaticamente o direito à pensão? Cabe ao pai informar isso à Justiça, ingressando com uma ação de exoneração da pensão?

Luiz Gustavo Penner –  Não, no caso em que os alimentos já haviam sido estabelecidos, judicial ou extrajudicialmente (por escritura pública), o ônus de provar que o alimentando possui condições de se autossustentar, antes de completar os 24 anos, é do próprio alimentante. Assim, caso o genitor ajuíze ação exoneratória de alimentos, deverá o representante do alimentando comprovar não só sua hipossuficiência, mas também juntar documentos comprobatórios de que estaria se preparando para o vestibular.

Dulce Keli Santos – Não há cessação automática do direito uma vez que haja um título executivo judicial (sentença) em vigor. Este somente poderá ser desconstituído através de uma ação de exoneração de pensão alimentícia.

Redução da pensão alimentícia

3 – A pensão alimentícia determinada na Justiça pode ser reduzida se o pai pagar a escola ou faculdade ou se assumir outras despesas do filho (como transporte, alimentação e vestuário)?

Luiz Gustavo Penner –  A pensão alimentícia sempre deverá ser arbitrada em razão do binômio necessidade (do alimentando) e possibilidade (do alimentante). Assim, tal verba deverá, como regra geral, cobrir os custos integrais para a subsistência do filho, englobando todas as despesas citadas.

Contudo, se a pensão alimentícia for arbitrada apenas considerando o valor monetário, não poderá o alimentante compensar este valor com o pagamento das despesas do filho. Para isso, deverá ingressar com pedido judicial para que a pensão seja revista, a fim de segregar as despesas fixas que o alimentante deverá arcar, do valor monetário anteriormente arbitrado.

Neste sentido, deve sempre ter em conta que uma criança não se alimenta de boletos, razão pela qual possui gastos inerentes a sua alimentação. Tais custos, por sua vez, deverão ser também arcados por seu genitor.

Dulce Keli Santos –  São modalidades de pagamento da pensão alimentícia: pagamento em pecúnia (depósito em conta ou pagamento em espécie) e pagamento “in natura”, pagar diretamente os fornecedores (escola, faculdade, plano de saúde). Se há uma determinação judicial, esta deve ser cumprida como expresso: Se depósito em pecúnia será em pecúnia, se in natura ou em ambas as formas.

Exemplo do que não pode ser feito: Decisão determina o pagamento de dois salários mínimos através de depósito na conta da genitora com vencimento no dia “x’. Genitor resolve pagar a escola e descontar do valor que teria que depositar, genitor compra roupa e desconta do valor que deveria depositar. É vedado qualquer desconto ou compensação na pensão alimentícia determinada judicialmente.

No entanto, poderá constar na decisão que será obrigação alimentar do pai, pagar todas as despesas escolares diretamente aos fornecedores acrescido de depósito de 02 salários mínimos
na conta da genitora (exemplificativo).

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4 – Após o filho completar 18 anos, a mãe pode cobrar na Justiça a dívida pregressa da pensão alimentícia ou somente o próprio pode fazê-lo ao atingir a maioridade? O que é preciso fazer neste caso?

Luiz Gustavo Penner – Não, após completar 18 anos, o filho estará habilitado à prática de todos os atos da vida civil, deixando de ser representado por seu genitor. Desta forma, caso exista dívida pregressa alimentícia, deverá o alimentando ajuizar, ele mesmo, ação de execução de alimentos. Devendo, por sua vez, ser respeitado o prazo prescricional de dois anos contados do vencimento da obrigação, nos termos do artigo 206, § 2 o, do Código Civil.

Dulce Keli Santos – Após completar 18 anos, a pessoa adquire capacidade civil sendo o titular do direito, deve ele pleiteá-lo.

5 – No caso de pai devedor, com ação de execução de alimentos com rito de prisão, cabe alguma medida por parte da mãe para recuperar o valor que deixou de ser pago enquanto o filho ainda era menor sob a sua responsabilidade?

Luiz Gustavo Penner –  Inicialmente, cabe destacar que o Superior Tribunal de Justiça já proferiu entendimento no sentido de que é cabível a cumulação das técnicas executivas da coerção pessoal (prisão) e da coerção patrimonial (penhora) no âmbito do mesmo processo executivo de alimentos, desde que não haja prejuízo ao devedor (a ser devidamente comprovado) nem ocorra nenhum tumulto processual no caso em concreto (a ser avaliado pelo magistrado).

Sendo assim, o Exequente desta ação poderá ingressar com pedidos de penhora dos bens do Executado, como por exemplo suas contas bancárias, imóveis etc.  Outro aspecto relevante deste questionamento diz respeito a legitimidade de quem poderá prosseguir com esses pedidos de coerção patrimonial.

Isto porque, caso o alimentando atinja a maioridade, ele deixará de ser representado por seu genitor(a). Devendo ele mesmo dar seguimento a ação, outorgando procuração ao seu advogado, mesmo que a dívida alimentícia seja anterior a sua maioridade.

Dulce Keli Santos – Não, o titular da ação penal é o filho. A mãe antes deste completar 18 anos (não possui capacidade civil) apenas o representa.

6 – O fato de um filho residir provisoriamente na casa do pai devedor de alimentos extingue a obrigatoriedade ou suspende temporariamente o pagamento da pensão? Qual tempo de permanência do filho na moradia do pai devedor é considerado na Justiça como isento desta obrigação?

Luiz Gustavo Penner – A resposta é não. O ordenamento jurídico deixa claro que a pensão alimentícia não é suspensa automaticamente. Por isso, qualquer alteração nesse benefício deve ser solicitada por meio de uma ação judicial (revisional de alimentos).

Não existe prazo certo de permanência do filho na moradia do pai devedor, apto a alterar a obrigação alimentícia arbitrada. Para a alteração da prestação alimentícia, entendo que a criança deva passar a morar definitivamente com o genitor alimentante. Ou, caso a permanência for programada, que seja por longo período, a fim de que valha a pena ajuizar ação revisional para tanto.

Dulce Keli Santos – A única forma de extinção da obrigação alimentar é por decisão judicial, o simples fato de o filho residir provisoriamente na casa do pai devedor de alimentos não extingue e nem suspende a obrigação alimentar.

7 – No caso acima, o pai devedor pode pedir a suspensão temporária dessa obrigação ou “abater” da dívida prevista na ação de execução de alimentos o valor relativo a despesas decorrentes do período em que o filho esteve hospedado temporariamente em sua residência?

Luiz Gustavo Penner –  A resposta é não. Quando a pensão alimentícia é arbitrada em um valor monetário fixo, não pode o alimentante, unilateralmente, abater desse montante, outras despesas decorrentes do período em que o filho esteve hospedado temporariamente em sua residência. Isto porque, novamente, qualquer alteração quanto a prestação alimentícia, deve ser requerida por meio de uma ação judicial (revisional de alimentos).

Dulce Keli Santos – Neste caso há que se pleitear a suspensão temporária judicialmente com a exposição de motivos. Autorizado judicialmente, não irá se “abater” da dívida vencida, mas apenas não haverá dívida vincenda. Há que se verificar o caso concreto, mas suspensão de obrigação alimentar temporária é muito difícil de ser concedida judicialmente apenas pelo fato do filho permanecer um curto período com o genitor (exemplo: férias).

8 – O executado na ação de alimentos pode reverter a decisão de obrigação da pensão alimentícia para a mãe no caso de o filho passar um período em sua residência? Isso precisa ser comprovado na Justiça? Ou seja, o filho precisa confirmar que reside com o pai para que o mesmo não seja mais obrigado a pagar a pensão devida?

Luiz Gustavo – Todo aspecto inerente a revisão da prestação dos alimentos deve ser requerido e, consequentemente, comprovado na justiça por meio de ação judicial própria. Assim, caso o filho realmente passe a morar com o outro genitor (alimentante), tal fato poderá fundamentar o pedido de revisão ou exoneração de alimentos.

Dulce Keli Santos – Há que se analisar o caso concreto com maior precisão, mas a regra é o cumprimento da decisão judicial (título executivo judicial).

 

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