Natal é família, tempo de partilhar amor. Desde os 7, M, de 10 anos, se divide entre a casa do pai e a da mãe nesta época do ano. Ela ainda se sente um pouco dividida e, algumas vezes, triste por não ter ambos presentes. Ao ViDA & Ação, a psicóloga e psicanalista Renata Bento orienta como pais separados devem encarar a situação, sem gerar conflitos que possam impactar negativamente a criança. Renata é especialista em criança, adulto, adolescente e família e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro e perita em Vara de Família e assistente técnica em processos judiciais.
- Como partilhar essas datas de forma amigável, sem que as crianças se sintam muito divididas?
É preciso maturidade para entender que as crianças vão precisar conviver com o pai e a mãe e que estas datas mobilizam muito pelo apelo a reunião familiar. A chegada do fim do ano pode gerar conflitos entre os pais separados. Isto pode ocorrer por uma série de motivos, mas um deles, é que esse momento se trata de uma data onde as famílias se reúnem para confraternizar, mas acontece que família está separada. Como lidar com isso? Existe aí uma frustração, ou várias que precisarão passar por um processo de elaboração. Sabendo disso, das perdas e ganhos de uma separação, fica mais palatável pensar nas crianças. É preciso que os pais saibam negociar, dialogar, sem que haja disputa pelo filho. É preciso exercer uma parentalidade que gere confiança e segurança nas crianças.
A forma como os pais conduzem a separação, os acordos, a forma como lidam um com outro, interfere diretamente na vida emocional das crianças. Para que elas sofram menos com a distância de um ou de outro é preciso que os pais administrem com maturidade esses momentos de ausência e presença. É comum a criança sentir falta da mãe quando está com o pai e vice-versa. Também é comum a criança ter dificuldade de se separar de um dos pais para ir com o outro. E os pais sabendo disso, dessa ambivalência, podem ajudar suas crianças. E essa ajuda é verbal, é na conversa com os filhos.
É explicar a criança que entende o fato dela sentir saudade do outro com quem não está, seja o pai ou a mãe. A criança precisa se sentir compreendida em seus sentimentos. Ora, quem se separou foram os pais, ela continuará os tendo. Embora a criança tenha duas casas, a família segue sendo somente uma. Para a criança não ficar muito divida é importante que o genitor ausente não se vitimize, não fique entristecido diante da ida com o outro genitor. A criança precisa ficar emocionalmente livre para sentir os próprios sentimentos.
2. De que forma os pais devem colocar essa realidade para as crianças?
Os pais devem priorizar a comunicação saudável na frente dos filhos e não jogar a decisão para eles. As crianças são muito espertas, percebem os ‘não ditos’ e muitas vezes não entendem o que está se passando, todavia, não possuem competência para resolver a situação. Os pais devem lidar com a verdade com crianças. Por verdade se entende ter uma conversa franca a respeito dos combinados, mostrando para a criança que embora os pais estejam separados a convivência dela será compartilhada com ambos os pais. Isto significa explicar com firmeza e segurança que mamãe e papai decidiram como será o natal e o ano novo neste ano e que ela ficará tantos dias com o pai e tantos dias com a mãe. Se é o primeiro Natal dos pais separados é preciso que eles tenham resolvido antes de falar com a criança com quem ela irá ficar. Escutar a criança também é importante, mas as decisões serão sempre dos pais. Se o último Natal foi com a mãe, por exemplo, convém trocar o Natal seguinte para a criança ter possibilidade de conviver com as duas famílias extensas. Reparem que a prioridade é a criança, é esta que está se constituindo a partir de dois referenciais.
- Quais são as principais queixas com relação a essas partilhas, de férias, festas, etc?
A principal queixa é a falta de respeito de um de um dos genitores aos acordos prévios não cumpridos. Por exemplo, no dia de o pai buscar a criança na casa do outro a mãe alega que a criança está doente ou que ela tem um programa para fazer ou a mãe recebe visitas queridas em casa deixando a criança ambivalente em sua saída para a casa paterna. A criança é imediatista e não quer perder o prazer do momento e acaba se aliando a mãe. Cito a mãe aqui, porque estas queixas parecem mais comuns dos pais em relação às mães que acabam por interferir no contato da criança com o pai, mas o contrário, embora em menor grau, também é observado.
Outra queixa importante em períodos de férias é quando um dos pais não autoriza uma viagem internacional da criança com o outro genitor. Nota-se que o genitor que possui mais dificuldade para elaborar a separação ou entender que o filho precisa conviver com ambos é o que apresenta mais contratempos e confusão nestes períodos de afastamento do filho.
4.Quando essa condição não é respeitada por um dos cônjuges o que pode acarretar para a criança?
A criança fica confusa, ambivalente, dividida e pode somatizar; e, portanto, adoecer não só fisicamente, mas emocionalmente. Disputar a guarda e convivência por simples capricho pode ser muito danoso para a vida mental dos filhos. É preciso que os pais tenham em mente de forma clara que o mais importante é o bem estar das crianças, pois elas estão em desenvolvimento e precisam deles; e que separação já não é algo simples de elaborar, mas não precisa ser algo terrível. Tem casamentos que acabam, mas não terminam e o ex-casal mantém o vínculo através das brigas e disputas.
Se os pais conseguem conduzir de forma amigável e cordial o divórcio poupando os filhos de serem misturados na relação deles, é possível que todos possam viver bem e porque não, melhores que antes?