Pelo menos cinco mulheres por dia foram assassinadas ou vítimas de violência no Brasil em 2020, de acordo com dados da Rede de Observatório da Segurança. As estatísticas são tão trágicas quanto o final de quase todas as histórias. Há pouco mais de dois anos, a executiva de contas Yannahe Marques, carinhosamente chamada de Nana, moradora de Campinas (SP), foi vítima de seu ex-marido, com um tiro na cabeça. Não só sobreviveu ao imponderável, como conseguiu reconstruir sua vida.
Depois de desafiar a Medicina – os médicos afirmam ser um milagre a sua recuperação -, ela não só anda, fala e vive praticamente sem sequelas físicas, como menos de um ano depois engravidou do terceiro filho e agora lança o livro “Eu Escolhi Viver”, contando sua história para inspirar mulheres a quebrarem o ciclo de violência doméstica.
O relacionamento abusivo com o então marido durou 13 anos até levar ao tiro na cabeça que mudaria sua vida para sempre. “Ao contrário do consenso geral, que apenas donas de casa ou mulheres dependentes dos seus parceiros se submetem a situações de violência, eu sempre fui uma mulher forte, trabalhadora e independente”, comenta ela, que tem formação técnica em Administração de Empresas e Programação de Sistemas.
Segundo ela, a situação não se instala da noite para o dia. “Vai piorando aos poucos e, se você não rompe aos primeiros sinais de alerta, está correndo o risco de pagar com a sua vida. Eu tive uma segunda chance, mas a maioria não tem”, conta. O objetivo do livro, afirma Nana, é “servir de alerta, acolhimento e encorajamento a todas as mulheres que estão passando por isso hoje, para que saiam, busquem apoio e recomecem”.
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‘Foi um milagre’, diz médico sobre tiro na cabeça
Os entremeios da história têm diversos pontos de destaque: A bala de um revólver 38 entrou pela nuca, ricocheteou na testa e se partiu em três. Apesar da grande perda de massa encefálica, Nana não ficou com sequelas. Extremamente vaidosa desde sempre, mesmo na hora de grande desespero, ela pediu ao ex-marido agressor que não atirasse no rosto e virou-se de costas. O noticiário da época divulgou, erroneamente, que o tiro havia sido de raspão.
O aviso da médica plantonista do Hospital de Clínicas da Unicamp naquele dia 9 de abril de 2019 era devastador: “A situação é muito grave. Não sabemos como ela conseguiu chegar até aqui com vida. Aparentemente ela não tem mais massa encefálica suficiente para comandar o corpo. Não há precedentes de sobreviventes com esta quantidade que restou e as conexões cerebrais também foram afetadas. Vamos fazer uma cirurgia craniana para a extração da bala e limpeza local, que é um procedimento padrão, mas as chances de sobrevivência são realmente insignificantes”.
“Foi um milagre! O projétil não ter atingido áreas essenciais do cérebro, a recuperação da perda de massa encefálica e a não manifestação de sequelas graves são eventos que a medicina atual não pode explicar”, diz Bruno Bogéa, neurocirurgião pela Unicamp e médico de acompanhamento do caso de Yannahe Marques.
Hoje, dois anos depois, Nana segue lidando com os traumas emocionais e as pouquíssimas sequelas físicas que lhe restaram, como eventuais dores de cabeça mais intensas. Está feliz cuidando dos dois filhos frutos do casamento com o ex-marido agressor e da sua bebê de dez meses, Mia, seu segundo milagre: oito meses após o atentado, Yannahe foi presenteada com uma terceira gestação.
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‘Muitas não se reconhecem como vítimas’
O livro – que já está disponível nos formatos físicos e e-book – é escrito em parceria com Rose Rech, terapeuta que acompanha Yannahe praticamente desde o atentado. Segundo Rose, o entendimento das mulheres sobre o que é a violência doméstica nem sempre é fácil e rápido. Muitas delas não se reconhecem como vítimas de violência, já que as agressões são sutis, como um grito, um tapa ou até mesmo um copo jogado contra a parede.
São coisas que nem sempre deixam marcas visíveis. São agressões espaçadas e muitas vezes silenciosas. O entendimento das mulheres sobre o que é a violência doméstica nem sempre é fácil e rápido. Muitas mulheres acabam se afastando dos amigos e familiares por conta do relacionamento tóxico”, afirma a terapeuta.
‘Nosso relacionamento era perfeito’
“Quando somos jovens, acreditamos que a vida é linear: crescer, estudar, trabalhar, casar, ter filhos, morrer. Não contamos com os obstáculos, as reviravoltas, as dificuldades e as tensões que enfrentaremos ao longo desse percurso. Na minha juventude, jamais pensei que passaria pelo que passei. Miguel foi o meu primeiro namorado sério, e, depois de um tempo de namoro, nos casamos. Tudo me levava a crer que nosso relacionamento era perfeito; logo tivemos filhos e seguimos a nossa vida de casal.
Eu sempre idealizava que ele tinha sido a escolha certa. Foram13 anos. Praticamente uma vida. Como todo casal, tivemos altos e baixos, dificuldades no meio do caminho. Mas me lembro perfeitamente dos dias em que comecei a achar que não dava mais… Em abril de 2019, cerca de sete meses após nossa separação definitiva, meu ex-marido invadiu o condomínio em que eu morava com um revólver 38 e uma única ideia na cabeça: impedir-me de ser feliz sem ele, acabando com a minha vida.” (Trecho de ‘Eu Escolhi Viver’, de Yannahe Marques e Rose Rech)
SERVIÇO:
Livro: Eu Escolhi Viver
Editora: Citadel Editora
Autoras: Yannahe Marques e Rose Rech
Páginas: 160
Valores: livro físico R$ 49,90; e-book R$ 31,90