Estudos apontam que mais de 50% das pessoas com doença celíaca ainda não foram diagnosticadas e podem levar até 11 anos para detectar a doença autoimune de origem genética, que pode desencadear quadros clínicos e patologias graves a partir da ingestão do glúten, presente no trigo e diversos cereais. É o que indica balanço divulgado por meio de parceria entre a Thermo Fisher com a Fenacelbra – Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil.

As estimativas sobre a insuficiência do panorama real da doença no Brasil se refletem também no balanço de testagem anual: 3 milhões de pessoas foram testadas em 2022, incluindo o monitoramento daquelas já diagnosticadas. Entretanto, a prevalência mundial é de 1% da população, o que representaria cerca de 2,1 milhões de brasileiros. A pesquisa concluiu que ao menos 5 a cada 10 brasileiros que têm doença celíaca ainda não sabem.

Mas cada vez é maior o interesse pelo tema e muitas pessoas têm buscado descobrir se são celíacas ou apenas sofrem de intolerância ao gluten. Vários famosos já foram diagnosticados com a doença celíaca como a atriz Isis Valverde e o tenista Novak Djokovic. Isso mostra que a doença pode afetar qualquer pessoa, independentemente da classe social e estilo de vida.

O mês de maio é marcado pela campanha maio verde de conscientização da doença celíaca, que traz entre os principais destaques a importância de diagnosticar a doença com antecedência, além de esclarecer sobre os sintomas, características e consequências da doença. A importância do diagnóstico assertivo e precoce é a mensagem central do Dia Nacional de Conscientização da Doença Celíaca, 16 de maio.

Doença celíaca pode causar vários distúrbios

A doença celíaca é uma predisposição genética e autoimune que leva o corpo de algumas pessoas a não digerir o glúten. É caracterizada pela intolerância ao glúten, uma proteína presente em grãos como trigo, aveia, cevada, centeio e seus derivados, que causa sintomas como inchaço ou estufamento na barriga, prisão de ventre ou diarreia, azia, refluxo ácido, além de dores nas articulações e no abdômen.

Além das manifestações gastrointestinais convencionalmente conhecidas, a doença pode gerar distúrbios diversos, inclusive ginecológicos, como por exemplo alteração do ciclo menstrual, puberdade tardia, menopausa precoce, abortamento, infertilidade e candidíase recorrente.

Se a doença não for diagnosticada e tratada corretamente, pode gerar outras complicações para o indivíduo, como problemas ósseos, como dor articular, osteoporose e osteopenia e até mesmo um câncer de intestino e quadros neurológicos. Há inclusive estudos em curso sobre a poliautoimunidade e a correlação da doença a outros erros inatos e síndromes genéticas.

O bem-estar geral do indivíduo pode ser prejudicado ainda em função de sintomas como ansiedade, enxaqueca, depressão, insônia, fadiga, além de deficiência nutricional, anemia, queda de cabelo, lesões de pele, déficit de crescimento e aftas rotineiras.

“As pessoas geneticamente predispostas a esta doença autoimune ao ingerir alimentos com glúten podem sofrer uma reação inflamatória no intestino criando graves lesões no médio a longo prazo. Isso provoca a perda da capacidade do organismo de absorver os nutrientes ingeridos e, por isso, mesmo que a pessoa tenha uma dieta equilibrada, poderá ter não apenas deficiências nutricionais, mas até mesmo outras complicações relacionadas ao diagnóstico tardio”, explica Fabio Arcuri, diretor do Grupo de Diagnóstico Especializado da Thermo Fisher no Brasil.

Confusão com Síndrome do Intestino Irritável

Como os sintomas mais conhecidos da doença são gastrointestinais, outro dado preocupa: 36% dos celíacos recebem o diagnóstico incorreto de Síndrome do Intestino Irritável.

Isso porque esta doença também se manifesta por meio de diarreia, constipação, desconforto abdominal, inchaço, cólica, náusea e vômito. Porém, há sintomas que não se limitam ao aparelho digestivo, podendo causar até abortamento de repetição, infertilidade, problemas ósseos e neurológicos.

A médica gastroenterologista Karen Thalyne Pereira e Silva Domingos, especialista que atende no Órion Complex, em Goiânia,  relata que os sintomas podem variar muito de pessoa e aparecem alguns dias ou horas após o consumo de glúten.

“Os sintomas típicos parecem com o de quem comeu algo que não caiu bem, como vômito, diarreia, gases, sensação de inchaço, dores abdominais e azia que acontecem de forma frequente. Se o indivíduo permanecer  ingerindo glúten, a doença, evolui e pode provocar problemas mais graves, como lesões de pele, anemia, perda óssea, desnutrição, carência de vitaminas e infertilidade”, alerta a médica.

Sintomas bucais podem indicar intolerância a glúten

Manchas, sensibilidade nos dentes, aftas e secura na boca são sinais que podem preceder o diagnóstico da doença celíaca

Para além dos sintomas gastrointestinais, ainda é pouco difundido que a intolerância ao glúten pode causar algumas manifestações bucais antes mesmo dos sinais mais comuns, conforme explica o especialista em Estomatologia e professor do curso de Odontologia da Universidade Positivo (UP), Acir José Dirschnabel.

“É importantíssimo que sejam realizados exames periódicos no dentista, pois a doença celíaca pode se desenvolver e ser diagnosticada em qualquer etapa da vida, desde a infância até a terceira idade.” Ele também destaca a relevância do papel do dentista em conhecer os sintomas que a doença pode causar, para que possa pedir os exames que detectam a condição.

Segundo Dirschnabel, um dos principais sintomas bucais podem se manifestar já na infância, causando alteração na formação do esmalte dentário. “Quando desenvolvida nessa fase da vida, a doença celíaca pode causar defeito na formação dos dentes permanentes da criança, apresentando manchas amareladas e/ou amarronzadas”, detalha, ressaltando que esse problema no esmalte é principalmente estético, mas, em alguns casos, pode causar sensibilidade dentinária.

O professor aponta que uma secura bucal bastante incômoda também pode ser um dos sintomas da condição, além do aparecimento de aftas recorrentes e extensas. “Os pacientes que sofrem com a doença celíaca sentem a presença constante de aftas na boca e, principalmente, na garganta.”

Apesar dessas condições orais causadas pela doença, não há registros de complicações bucais mais graves por conta da intolerância ao glúten, como associação com o câncer de boca, por exemplo.

“O principal fator acometido pela doença é a qualidade nutricional e alimentar do paciente, não somente pelos problemas intestinais, mas também por conta das aftas que acabam limitando o consumo de certos alimentos”, finaliza Dirschnabel.

Exames laboratoriais e biópsia do duodeno

Em virtude da grande variedade de sintomas, é recomendado consultar um gastroenterologista, que deverá solicitar exames laboratoriais específicos. O diagnóstico é através da dosagem no sangue dos anticorpos contra o glúten e a biópsia do intestino.

Segundo Fábio Arcuri, a investigação começa com o exame de sangue para analisar IgA total e anticorpos específicos: antitransglutaminases, antigliadinas deamidadas e antiendomísio IgA e IgG.

Após o resultado laboratorial, o paciente precisa fazer uma biópsia de duodeno por meio de endoscopia a fim de identificar danos causados pela inflamação e, assim, fechar o diagnóstico. Com a confirmação do caso, o gastro poderá indicar outros especialistas para o cuidado integral do paciente.

“O método de diagnóstico laboratorial já está muito bem estabelecido e a triagem por meio de exames sorológicos é parte fundamental para um desfecho clínico. Os anticorpos relacionados à doença celíaca podem ser detectados e titulados por meio de testes de fácil acesso, reembolsáveis pela maioria dos planos de saúde, e em conjunto com a história clínica, exames físicos, de imagem e biópsia, compõem o arcabouço disponível para o diagnóstico e tratamento desta condição. Para que esse processo seja devidamente conduzido, tanto a população quanto a classe médica devem aprofundar seu conhecimento sobre os sinais e sintomas desta condição”, recomenda Arcuri.

Doença pode afetar várias pessoas da mesma família

Em geral, por se tratar de uma doença genética, a detecção de um caso deflagra a testagem de familiares, contribuindo para antecipar a adoção coletiva de hábitos preventivos pelos demais. Apesar disso, aponta Arcuri, diferentemente de outras síndromes autoimunes, a realização de painel genético é opcional neste caso, contribuindo especificamente para exclusão dos casos negativos.

“Há um componente genético bem definido da doença celíaca, por isso pode acometer várias pessoas da mesma família. Se fizermos o diagnóstico em uma pessoa, todos os parentes de primeiro grau devem ser investigados, pois podem apresentar a doença mesmo sem apresentarem os sintomas”, diz a gastroenterologista Karen Domingos.

Ela esclarece que a doença celíaca pode aparecer em qualquer fase da vida. “A partir da confirmação do diagnóstico, o paciente precisa seguir uma dieta 100% livre de glúten. Isso é relativamente simples, mas não é fácil”, afirma Karen.

Os genes pesquisados são HLA-DQ2 e HLA-DQ8 e a maioria dos celíacos possui até duas cópias de um deles. Entretanto, um exame com resultado positivo não significa necessariamente a chance de desenvolver a doença: estima-se que apenas 3% dos portadores dos genes manifestam a síndrome.

Prevenção, diagnóstico e tratamento

O glúten é uma proteína presente em cereais como trigo, centeio e cevada, presentes em alimentos como pães, biscoitos, cerveja e massas, e até medicamentos. Essa proteína é erroneamente reconhecida como um invasor pelo organismo dos celíacos, que consequentemente ativa mecanismos protetores indevidamente. Desta forma, uma dieta rigorosa sem glúten é o único tratamento atualmente disponível.

Além dos celíacos, algumas pessoas podem ter sintomas desagradáveis ao ingerir glúten, mas não chegam a desencadear a reação autoimune que define a doença. Nesse caso, trata-se de sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC), condição que atinge em média 5% da população no Brasil.

“Devemos lembrar que outras desordens relacionadas ao glúten devem ser afastadas, como por exemplo a sensibilidade ao glúten não celíaca que pode cursar com sintomas semelhantes, porém não apresenta alterações laboratoriais ou endoscópicas. A investigação e confirmação diagnóstica é essencial para prevenir complicações futuras”, afirma Fábio Arcuri.

Testes genéticos ajudam na identificação antecipada de doença celíaca

Um levantamento realizado pelo laboratório Genera, com base em 200 mil testes genéticos, apontou que pessoas identificadas como alto risco no teste genético tinham uma probabilidade 10 vezes maior de apresentarem as alterações relacionadas à doença celíaca. Esse risco fica ainda maior em pessoas com idade superior a 55 anos.

“A predisposição para intolerância ao glúten pode ser detectada precocemente por meio de testes genéticos, que hoje são importantes aliados da medicina preventiva, indicando se um indivíduo tem um risco elevado de desenvolver essa doença no futuro”, explica Ricardo Di Lazzaro, médico especializado em genética e CEO do laboratório Genera.

Ele explica que o teste genético é uma importante ferramenta no contexto da medicina preventiva e pode ser realizado para identificar a propensão de diversas doenças, inclusive a doença celíaca. “Não se trata de um resultado definitivo, mas uma vez identificada, o paciente pode consultar um médico especialista e adotar cuidados preventivos, podendo reduzir o risco de ter a doença. Funciona como uma ferramenta adicional para o diagnóstico de um especialista”, complementa Di Lazzaro.

Maio verde 

A data de 16 de maio foi escolhida para o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Celíaca em homenagem ao dia de nascimento do médico inglês Samuel Gee, primeiro pesquisador a reconhecer que os sintomas da doença celíaca estavam relacionados à presença do glúten na dieta.
Com o objetivo de conscientizar sobre esse quadro de saúde que cresce a cada ano, tratamento, diagnóstico e consumo dos alimentos mais adequados pelos portadores da doença, o mês de maio é considerado o Mês da Consciência Celíaca.
Na intenção de conscientizar a população sobre a doença celíaca, foi criada a campanha Maio Verde para mostrar que, além do acompanhamento médico, é preciso cuidar da dieta e evitar a contaminação cruzada.
Quanto mais pessoas conhecerem a condição, maior segurança e autonomia os celíacos poderão ter. Com mais gente entendendo o que é essa condição, a oferta de produtos seguros também cresce.
Com Assessorias

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