Obcecado pelo possível efeito miraculoso da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, o presidente Jair Bolsonaro voltou a falar do medicamento como a verdadeira panaceia que salvará o Brasil da pandemia. Em novo pronunciamento em rede nacional de rádio e TV na noite desta quarta-feira (8), anunciou  que o país irá receber da Índia, até sábado (11), matéria-prima para produzir o remédio, que é usado desde a década de 50 no tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite.

Bolsonaro disse que o medicamento pode ser usado no tratamento da covid-19 – doença causada pelo novo coronavírus – “desde sua fase inicial” —, o que contraria a recomendação atual do Ministério da Saúde, de que o medicamento seja usado por pacientes críticos ou internados em estado grave nos hospitais. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, já havia se manifestado contra a recomendação indiscriminada para uso do medicamento, antes de ser comprovada sua eficácia, mediante os inúmeros efeitos colaterais que pode causar, especialmente de arritmia cardíaca, como alerta a Mayo Clinic (EUA).

A droga vem sendo usada de forma experimental em outros países, apesar de não existirem testes clínicos suficientes para garantir que  seja eficaz ou segura no tratamento da covid-19. Os efeitos colaterais podem incluir possíveis danos à visão e à audição, além de arritmia cardíaca, que pode levar à morte súbita.  Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a droga deve ser usada com muito cuidado, pois pode ser letal em algumas circunstâncias. Nove hospitais brasileiros iniciaram pesquisas clínicas com uso do medicamento em pacientes graves para avaliar seu potencial de cura.

O presidente afirmou que, nos últimos 40 dias, após ouvir médicos, pesquisadores e chefes de Estado, passou a divulgar a possibilidade de tratamento da covid-19 desde a fase inicial da doença. Bolsonaro citou a conversa com o médico cardiologista Roberto Kalil que contraiu o novo coronavírus e teria usado a cloroquina em seu próprio tratamento,  também o prescreveu a pacientes.

Cumprimentei-o pela honestidade e compromisso com o juramento de Hipócrates, ao assumir que não só usou a hidroxicloroquina bem como a ministrou para dezenas de pacientes. Todos estão salvos. Disse-me mais: que, mesmo não tendo finalizado o protocolo de testes, ministrou o medicamento agora, para não se arrepender no futuro. Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de vidas no Brasil. Nossos parabéns ao doutor Kalil”, comentou.

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panelaço e Isolamento social

O pronunciamento foi o quinto do presidente desde o começo de março, quando a epidemia se intensificou no Brasil, mas foi o primeiro no qual Bolsonaro começou sua fala prestando solidariedade às famílias das vítimas. Nesta quarta-feira, o país atingiu a marca de 800 mortos pela doença.

Sobre as medidas de isolamento social estabelecidas por governadores e prefeitos, o presidente falou que em nenhum momento o governo federal foi consultado sobre a amplitude ou duração das ações. “Respeito a autonomia dos governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade exclusiva dos mesmos”, completou.

A fala do presidente da República foi acompanhada de “panelaços” em protesto contra ele em algumas capitais brasileiras, como São Paulo (SP).  O primeiro pronunciamento ocorreu no dia 6 de março, uma semana depois que o país registrou o primeiro caso conhecido de coronavírus.

Volta ao trabalho

Bolsonaro reafirmou que o objetivo principal do governo “sempre foi salvar vidas” e, após se solidarizar com as famílias de pessoas que morreram por causa do novo coronavírus, disse que há dois problemas a serem resolvidos e que devem ser tratados simultaneamente: o novo coronavírus e o desemprego.

O presidente disse ter certeza de “que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a trabalhar”. “Esta sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as normas do Ministério da Saúde”, destacou.  Entre as medidas de estímulo à economia adotadas pelo governo, o presidente citou o pagamento que começa a ser feito nesta quinta (9) de R$ 600, por três meses, de auxílio emergencial para trabalhadores informais, desempregados e microempreendedores.

Citando o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, Bolsonaro disse que as soluções para a pandemia variam de país para país e ressaltou que os mais pobres precisam trabalhar para garantir a alimentação. “Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar o seu pão de cada dia. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença. O desemprego também leva à pobreza, à fome, à miséria, enfim, à própria morte.”

Bolsonaro disse que decide as questões de país de ”forma ampla” usando a equipe de ministros. “Todos devem estar sintonizados comigo”, afirmou o presidente. No último pronunciamento, na semana passada, ele havia mostrado um tom moderado, em que não pediu o fim do isolamento, admitiu que a epidemia era “o maior desafio da nossa geração” e agradeceu a união dos três Poderes, governadores e prefeitos em torno do combate à epidemia.

A mudança foi recebida com alívio por seus auxiliares mais próximos, depois que no pronunciamento anterior Bolsonaro criticara os governadores, pedira o fim do isolamento e chamara a epidemia de “gripezinha” em rede nacional. Poucos dias depois, no entanto, em entrevistas, o presidente voltou ao tom belicoso anterior, retomou a defesa do fim do isolamento horizontal, criticou governadores e ainda voltou suas baterias contra seu próprio ministro da Saúde.

Nestes últimos dias, Bolsonaro ameaçou Mandetta de demissão seguidas vezes em público e reclamou do ministro ter “virado estrela” e não ter seguido suas orientações sobre isolamento e o uso generalizado do medicamento cloroquina. No entanto, de acordo com uma fonte, o presidente abriu uma “trégua, mesmo que temporária”, com o ministro, e nesta quarta-feira tiveram um encontro “tranquilo”.

Da Redação, com Agências

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