Nos últimos dias, a notícia de que Ana Maria Braga foi hospitalizada após pisar em um escorpião em sua fazenda, no interior de São Paulo, chamou a atenção para os riscos dos acidentes com animais peçonhentos. A apresentadora descreveu a dor como uma das piores que já sentiu na vida, um relato que reforça a necessidade de informação sobre prevenção e primeiros socorros nesse tipo de situação.
De acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde, em 2023 foram registradas mais de 340 mil notificações de acidentes com animais peçonhentos, resultando em 451 mortes em todo o Brasil. O Brasil registra cerca de 200 mil acidentes por ano envolvendo escorpiões.
Nos últimos anos, o Estado do Rio de Janeiro tem enfrentado um crescimento significativo no número de picadas de escorpiões – especialmente em áreas antes pouco afetadas por eles. A situação tem preocupado especialistas, uma vez que, além de causarem dor, esses ataques podem ser perigosos, principalmente para crianças e pessoas com maior vulnerabilidade, como os idosos.
Em 2022, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, registrou 755 incidentes com escorpiões, em 2023 foram 830 e em 2024 o número cresceu para 903 casos. Em 2022, foram registrados 755 incidentes, já em 2024, o número cresceu para 903.
Embora as razões para esse aumento ainda estejam sendo investigadas, as mudanças climáticas podem ser apontadas como um dos principais fatores que contribuem para a proliferação dos escorpiões, expandindo, assim, a presença para diferentes regiões. Durante o verão, o número de acidentes envolvendo picadas de cobras e aranhas tende a aumentar, principalmente em áreas de mata, trilhas e cachoeiras.
O calor intenso, combinado com as chuvas frequentes, cria um ambiente propício para esses animais peçonhentos se tornarem mais ativos, uma vez que seus abrigos naturais são inundados, forçando-os a buscar novos locais, o que eleva o risco de encontros inesperados com seres humanos. Além disso, o aumento das atividades ao ar livre durante a estação faz com que as pessoas fiquem mais expostas a esses perigos naturais, exigindo maior atenção e cuidados preventivos.
Segundo o médico toxicologista e patologista clínico Alvaro Pulchinelli Jr., presidente da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), os principais fatores que levam ao aumento desses acidentes estão relacionados à maior movimentação das pessoas nessas áreas naturais e ao comportamento dos próprios animais.
No verão, as pessoas saem mais de casa e vão frequentar locais onde esses animais vivem naturalmente. O calor acelera o metabolismo deles, fazendo com que saiam mais à procura de alimento. Além disso, as chuvas intensas podem inundar seus abrigos, forçando-os a se deslocar para áreas secas, o que facilita um eventual encontro com humanos”, explica o especialista da SBPC/ML.
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Mais de 140 acidentes com escorpiões registrados este ano reforçam a necessidade de prevenção e conscientização.
O Hospital Estadual de Formosa (HEF), unidade do governo de Goiás administrada pelo Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (IMED), emitiu um alerta preocupante sobre o aumento significativo dos casos de picadas de escorpião na região. Somente neste ano foram registrados mais de 180 acidentes envolvendo animais peçonhentos, sendo mais de 140 causados por escorpiões. Esse crescimento acentuado nos números destaca a necessidade de maior conscientização e prevenção por parte da população.
O ataque de escorpião representa um sério risco à saúde, especialmente para crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Os sintomas variam de acordo com a gravidade do envenenamento. Em casos leves, podem incluir dor intensa, vermelhidão da pele, inchaço, coceira e formigamento local afetado.
Em casos moderados, os sintomas podem ser sudorese, náuseas, vômitos ocasionais, taquicardia, agitação e hipertensão arterial leve. Nos casos graves, os sintomas se agravam para vômitos em abundância e que não cessam, sudorese intensa, prostração, ritmo cardíaco irregular ou lento, edema pulmonar agudo e choque.
Em algumas pessoas, a dor pode ser insuportável, enquanto em outras é mais controlável. Fabrício Escarlate, professor de Ciências Biológicas do Centro Universitário de Brasília (CEUB), alerta que, em casos graves, pode surgir febre e, em situações extremas, choque anafilático. Por isso, a recomendação é procurar atendimento médico imediato após o acidente.
O que fazer em caso de picada de escorpião?
Ao ser picado por um escorpião é crucial seguir os vários passos para minimizar os efeitos da toxina e garantir um tratamento eficaz: lavar o local da picada com água e sabão; aplicar uma compressa fria para aliviar a dor e reduzir o inchaço e procurar atendimento médico imediato.
Para Karolina Reis, coordenadora do Núcleo Interno de Vigilância Hospitalar do HEF, a busca imediata, junto com um atendimento rápido, é essencial para minimizar os efeitos da toxina.
Nenhum tratamento alternativo substitui o atendimento médico. No HEF, os pacientes que chegam com picadas de escorpião são avaliados recebendo monitoramento constante dos sinais vitais para garantir uma recuperação segura e alívio da dor. Aqueles que apresentam sinais sistêmicos como vômito e sudorese recebem imediatamente soro antiescorpiônico, que é crucial para neutralizar o veneno e prevenir complicações”, afirma Karolina.
Em caso de picada de animal peçonhento, o primeiro passo é procurar um serviço de urgência/emergência, como uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) ou um Pronto Socorro Hospitalar. Os soros antivenenos para picadas de animais peçonhentos disponibilizados exclusivamente através do Sistema Único de Saúde (SUS). Se esse local não dispuser dos recursos necessários, em especial o soro antídoto, o paciente será então encaminhado ao serviço de referência responsável pela região onde se encontra.
Cuidados para evitar a proliferação
Após períodos de chuvas intensas, a chegada da seca e o aumento da temperatura criam um ambiente propício para a proliferação de escorpiões. Esses fatores fazem com que os escorpiões se desloquem para áreas residenciais em busca de abrigo e alimento.
Para prevenir incidentes com escorpiões e a proliferação, a população deve adotar algumas medidas simples, mas que tem um papel muito importante, como: manter a casa e o quintal limpos, evitando o acúmulo de entulhos e lixo; vedação de frestas e ralos, e utilização de telas nas janelas; manter áreas externas bem iluminadas, já que escorpiões preferem ambientes escuros e úmidos; examinar roupas e calçados antes de usá-los; não deixar roupas de cama encostadas no chão; sempre olhar lençóis e travesseiros antes de deitar.
Para Karolina Reis, a conscientização sobre medidas preventivas é de suma importância para a população. “É fundamental que a população esteja informada sobre como evitar a presença de escorpiões em suas casas e ambientes de trabalho, mantendo os locais limpos e vedando possíveis entradas para esses animais. A prevenção é a melhor forma de evitar picadas e, consequentemente, a necessidade de tratamento médico”, conclui Karolina.
O que fazer se o ataque for inevitável
Prevenção é a melhor estratégia para evitar picadas de animais peçonhentos. Para isso, é importante evitar colocar as mãos em buracos, troncos ocos ou sob pedras, usar botas de cano alto ao caminhar por trilhas e manter terrenos limpos, sem acúmulo de entulho, para impedir que esses animais encontrem abrigo. Controlar pragas como ratos e baratas também é essencial, pois esses animais atraem cobras e escorpiões.
Além disso, é fundamental verificar sapatos e roupas antes de vestir, pois aranhas e escorpiões podem se esconder nessas peças. Outro ponto importante é evitar o uso de venenos comuns para tentar eliminar os escorpiões. “Esses produtos muitas vezes não matam o escorpião, apenas o desalojam, aumentando o risco de acidentes”, alerta o especialista, acrescentando que com informação e prevenção, é possível aproveitar as trilhas, cachoeiras e matas com mais segurança, reduzindo os riscos de encontros indesejados com animais peçonhentos.
Caso ocorra um acidente, manter a calma é essencial. “O risco de morte não é iminente, então é possível procurar ajuda especializada com segurança”, afirma Pulchinelli Jr, acrescentando que os primeiros socorros incluem lavar o local da picada com água e sabão de forma abundante para reduzir o risco de infecção, imobilizar o membro afetado para evitar a disseminação do veneno e buscar atendimento médico imediato.
Por outro lado, de acordo com Pulchinelli Jr., não se deve cortar a ferida ou tentar sugar o veneno, aplicar soluções caseiras como café ou ervas, nem usar torniquetes, pois podem agravar os danos teciduais. “Também é importante não matar o animal, e se possível, levá-lo ao hospital para facilitar a identificação e o tratamento adequado”, esclarece.
Para reduzir o risco de encontrar espécies venenosas, algumas medidas preventivas podem ajudar. Manter terrenos limpos, sem acúmulo de entulhos, folhas secas e lixo, ajuda a eliminar possíveis abrigos para esses animais. “Vedação de ralos, frestas em portas e janelas, além da instalação de telas protetoras, impede a entrada em residências e podem potencializar o cuidado”, alerta o doutor.
Já em ambiente externo como fazendas, sítios e chácaras, é recomendável usar calçados fechados e luvas ao manusear materiais de construção, lenha e objetos armazenados por longos períodos. Em áreas de risco, inspecionar roupas e calçados antes de usá-los também pode evitar picadas acidentais.
Ao se deparar com um animal peçonhento, não tente capturá-lo ou matá-lo. O ideal é acionar a vigilância ambiental da sua cidade para a remoção segura. A adoção dessas práticas simples pode prevenir acidentes e garantir mais segurança para todos”, afirma Paulo Antônio Friggi de Carvalho, infectologista do Hospital Estadual de Franco da Rocha.
Como agir após picadas de animais peçonhentos
Infectologista orienta sobre sintomas, precauções e ações preventivas em relação às picadas de escorpiões, aranhas, cobras, abelhas e marimbondos
Esses encontros inesperados podem ser prejudiciais à saúde, dependendo da espécie e quantidade de veneno injetada. Diante disso, é essencial conhecer os principais sintomas e saber como agir. Pensando nisso, Paulo Antônio Friggi de Carvalho, infectologista do Hospital Estadual de Franco da Rocha, gerenciado pelo Cejam – Centro de Estudos e Pesquisas “Dr. João Amorim”, em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, orienta sobre os principais pontos de atenção e cuidados necessários para cada caso. Confira:
Escorpião
Os escorpiões são responsáveis por grande parte dos acidentes envolvendo animais peçonhentos no país. Só em 2023 foram mais de 200 mil casos. Geralmente, seu veneno causa intensa dor local e vermelhidão logo após a picada. Em casos mais graves, podem ocorrer manifestações sistêmicas como sudorese, alteração dos batimentos cardíacos e do nível de consciência.
“Nesses casos é importante lavar o local com água e sabão, evitar pressão local ou uso de pomadas antes de avaliação médica. Compressas mornas podem aliviar a dor local até a chegada ao serviço de saúde”, afirma o médico.
O tratamento da picada de escorpião requer o uso de soro antiescorpiônico, disponibilizado exclusivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), em hospitais públicos de referência. Embora na maioria das situações o uso do soro não seja necessário, é extremamente importante procurar cuidados médicos.
Aranha
Depois dos escorpiões, as aranhas atingiram mais de 43 mil vítimas no último levantamento do Ministério da Saúde. A maioria das picadas provoca apenas vermelhidão e dor local, mas algumas espécies, como a aranha-marrom, aranha-armadeira e a viúva-negra, podem causar sintomas mais graves.
O especialista relata que, em casos severos, podem ocorrer alterações na pressão arterial, aceleração dos batimentos cardíacos, mudança no nível de consciência e sudorese intensa, especialmente em crianças.
Ao identificar uma picada de aranha, é crucial procurar atendimento médico imediatamente para obter as orientações adequadas. De maneira geral, o uso de soro antiaracnídico é indicado quando a dor persiste e outros sintomas começam a se manifestar no corpo.
No Brasil, existem três espécies de aranhas consideradas de interesse médico: viúva-negra, aranha-marrom e armadeira. Diferenciá-las de outras não venenosas pode ser difícil no momento do acidente, por isso é fundamental procurar assistência médica. “Aranhas caranguejeiras, apesar do aspecto assustador, possuem picadas dolorosas, mas inofensivas para humanos”, exemplifica o médico.
Cobra
Nesse tipo de acidente, 95% das picadas ocorrem nas pernas ou nos braços dos pacientes. Mas o infectologista explica que os sintomas variam de acordo com a espécie. “No estado de São Paulo, por exemplo, a jararaca é a principal responsável por acidentes nesse sentido. Sua picada pode causar dor intensa, inchaço e, em alguns casos, necrose no local da mordida”.
O tratamento depende da aplicação do soro antiofídico, que deve ser administrado o mais rápido possível em uma unidade de saúde. A ausência ou o atraso do uso aumenta significativamente o risco de letalidade.
Já entre as cobras, as que apresentam maior perigo são as jararacas, cascavéis e corais. Seus venenos podem ter efeitos proteolíticos (destroem proteínas e tecidos, causando necrose e inflamação), hemolíticos (rompem glóbulos vermelhos, levando à anemia e urina avermelhada) e neurotóxicos (afetam o sistema nervoso, podendo causar paralisia e insuficiência respiratória), causando danos graves ao organismo.
De acordo com Pulchinelli Jr, em casos de picadas, exames laboratoriais são fundamentais para avaliar a gravidade da intoxicação. Os principais exames solicitados incluem hemograma, eletrólitos, função renal, exames de coagulação e urina. “A presença de urina avermelhada pode indicar hemólise, uma das complicações do veneno. São exames simples, disponíveis na maioria dos hospitais, e são essenciais para guiar o tratamento correto”, destaca o especialista, presidente da SBPC/ML.
Abelha
A reação mais comum à picada de abelhas e de marimbondos é a dor, inchaço e coceira no local da ferroada. No entanto, pessoas alérgicas podem desenvolver reações graves, como dificuldade para respirar e inchaço generalizado. Em caso de múltiplas picadas ou sinais de anafilaxia (reação alérgica aguda), é imprescindível procurar atendimento emergencial.
“É importante salientar que o veneno do marimbondo pode causar reações semelhantes à da abelha, com maior potencial para dor local e menor para reações anafiláticas mais severas”, reforça o profissional.
Para aliviar os sintomas leves, Dr. Paulo recomenda lavar a região com água e sabão e aplicar compressas frias. Em casos de sintomas intensos ou persistentes, também é essencial buscar assistência médica. Atualmente, ainda não há um soro específico disponível para o tratamento.
O outro lado dos escorpiões: peçonha pode ajudar no avanço da ciência
Toxina é usada no desenvolvimento de medicamentos e tratamentos de doenças crônicas
Apesar de representar um desafio para a saúde pública mundial, o veneno desse aracnídeo desperta o interesse da ciência, sobretudo nos estudos das doenças neurodegenerativas, a exemplo do Alzheimer. Para além da reputação negativa, Fabrício Escarlate, professor de Ciências Biológicas do Centro Universitário de Brasília (CEUB), esclarece que os escorpiões desempenham papel relevante no controle biológico de organismos problemáticos, como baratas e lacraias.
Embora a imagem mais associada ao escorpião seja a do Tityus serrulatus, popularmente conhecido como escorpião-amarelo, o docente do CEUB explica que o grupo é diversificado, abrangendo espécies que, muitas vezes, não representam risco significativo à saúde humana. “A picada do escorpião ocorre através do aguilhão, localizado na ponta da cauda, e a toxicidade da peçonha pode variar. Algumas espécies possuem toxinas extremamente reativas, causando lesões graves, enquanto outras não afetam os humanos.”
Escarlate explica que o aumento na oferta de recursos em áreas urbanas, como resíduos orgânicos e entulho, favorece a proliferação de escorpiões, especialmente o escorpião-amarelo, adaptado a esses ambientes. “A limpeza desses locais é essencial para evitar a presença excessiva desses aracnídeos e reduzir os riscos de acidentes”, alerta.
A peçonha de algumas espécies, como o escorpião-marrom (Tityus bahiensis), é objeto de estudo em descobertas científicas. O especialista frisa que no Brasil, pesquisas sobre a composição bioquímica dessa peçonha são recentes e instituições como o Instituto Butantan investigam o potencial farmacológico e neurológico dessas toxinas: “A peçonha tem uma neurotoxicidade que pode ser explorada para desenvolver medicamentos e tratamentos para doenças como o Alzheimer”.
Como evitar acidentes com escorpiões
A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ), em conjunto com o Instituto Vital Brazil (IVB) tem promovido uma série de capacitações para junto aos agentes municipais para intensificar a vigilância e prevenção de acidentes por escorpiões e outros animais peçonhentos.
Nosso trabalho tem o objetivo de apoiar as prefeituras para desenvolver soluções eficientes no controle da população de escorpiões. A conscientização e capacitação dos agentes de saúde e vigilância é uma das chaves para reduzir os riscos e prevenir acidentes”, afirma Cláudio Maurício, coordenador da Divisão de Artrópodes do Instituto Vital Brazil.
Além das ações de conscientização, o IVB também orienta sobre o manejo ambiental e as medidas práticas que a população pode adotar para evitar o contato com os escorpiões, que incluem desde a eliminação de focos de infestação até o uso de técnicas preventivas no manejo de áreas urbanas e rurais. Veja as principais medidas>
— Manter jardins e quintais limpos. Evitar o acúmulo de entulhos, folhas secas, lixo doméstico e material de construção nas proximidades das casas;
— Evitar folhagens densas (plantas ornamentais, trepadeiras, arbustos, bananeiras e outras) junto a paredes e muros das casas. Manter a grama aparada; limpar periodicamente os terrenos baldios vizinhos, pelo menos, numa faixa de um a dois metros junto das casas;
— Sacudir roupas e sapatos antes de usá-los;
— Vedar frestas e buracos em paredes, assoalhos e vãos entre o forro e paredes para impedir o trânsito dos animais pela residência.
Com Assessorias