Jovem, bonita, culta, advogada, falsa psicóloga e com fortes traços de psicopatia, segundo a Polícia Civil de Goiás. Assim pode ser definido o perfil de Amanda Partata Mortoza, de 31 anos, presa como suspeita de envenenar e matar o pai e a avó do ex-namorado na própria casa deles, em Goiânia (GO). Investigado como duplo homicídio qualificado por motivo torpe, o caso vem chamando a atenção nas redes sociais nos últimos dias e intrigado muitos especialistas diante da complexidade da trama.
O policial civil Leonardo Pereira Alves, de 58 anos, o Leozão, e Luzia Tereza Alves, de 86, passaram mal e morreram horas depois de tomar café da manhã preparado por Amanda no último dia 17 de dezembro, um domingo. Eles vomitaram e tiveram dores abdominais e diarreia três horas depois do consumo de alimentos, comprados e oferecidos a eles por Amanda. Leozão morreu à noite. Já a mãe dele chegou a ser internada em UTI, mas morreu de madrugada. A perícia afirmou que seria “impossível duas pessoas sadias morrerem de causas naturais dessa maneira”.
“O caso é bem complexo, envolve um grau de psicopatia. Amanda foi recebida de braços abertos pelas vítimas, porque forjou uma personalidade dócil, amável, quando na verdade ela não tinha. Ela tem uma personalidade dissimulada, ardilosa. Se permanecer em liberdade, volta a praticar crimes”, explicou Carlos Alfama, titular da Delegacia de Homicídios de Goiânia, que investiga o caso.
De acordo com o delegado, Amanda tem “personalidade extremamente voltada ao crime, com condutas criminosas complexas” e usava a tecnologia para “forjar relacionamento afetivo com as vítimas”. A polícia identificou que a advogada ameaçava o ex-namorado – o médico Leonardo Pereira Alves – por meio de perfis falsos nas redes sociais, inclusive ameaçando de morte a própria família dele.
Sentimento de rejeição teria motivado o crime
Segundo Carlos Alfama, as mensagens de ódio começaram no dia 27 de julho, pouco após o término do namoro, que durou menos de dois meses. O ex-namorado já havia denunciado as ameaças de morte que recebia pelas redes sociais à polícia. Em uma das mensagens, dizia que Leonardo iria “chorar em cima do sangue dos familiares”.
“No dia das mortes, ela não derramou uma lágrima nem um pingo de tristeza. Na delegacia, fingiu vômito, mal-estar, não queria dar acesso ao celular. Se ela fosse inocente, a polícia não ia representar pela prorrogação da prisão”, disse o delegado. Segundo ele, a perícia já comprovou que as ligações e mensagens partiam de números e perfis utilizados por Amanda.
Para o advogado, o sentimento de rejeição pode ter motivado o crime. “Na minha percepção, a motivação do crime foi o sentimento de rejeição que ela teve. As ameaças começaram quando a relação estava indo por água abaixo”, disse o delegado.
O médico Leonardo Pereira Alves Filho, ex-namorado da advogada; a irmã Maria Paula e a mãe deles, Elaine, prestaram depoimento na manhã desta terça-feira (26). “A gente nunca imaginava qualquer coisa justificasse tamanha brutalidade. E a gente tá vivendo nosso luto. Tem sido muito difícil”, desabafou o médico.
Suspeita teria forjado gravidez para se manter próxima da família
De acordo com o advogado da família das vítimas, Luís Gustavo Nicoli, Amanda e Leonardo não estavam mais juntos há cerca de dois meses, mas ela continuava a frequentar a casa da família porque dizia estar grávida de Leonardo.
“Quando ela falou que estava grávida e mandou um exame, ele [filho de Leonardo] disse que ia assumir, a família toda acolheu […] O que nós não conseguimos entender é porque alguém iria querer matar o pai do próprio filho, ou o avô, realmente deve ser alguma psicopatia”, afirmou o advogado.
Amanda alega ter perdido o bebê, mas o delegado acredita que ela forjou a gravidez para tentar reatar com o ex-namorado. Ela chegou a organizar um “chá revelação”, com a presença de toda a família, para informar o sexo do bebê – uma menina, segundo ela.
“Ela não está grávida agora e já não está grávida há algum tempo, apesar dela ainda dizer que está grávida. O exame Beta HCG, que a própria defesa dela nos trouxe, mostra que deu zerado, ou seja, ela não está grávida há algum tempo, mesmo fingindo ter enjoos da gravidez”, disse o delegado.
O delegado informou que não é possível ainda afirmar se Amanda já esteve grávida em algum outro momento. “Ela apresenta alguns exames de gravidez com indícios de falsificação, mas ainda não concluímos pela falsificação desse exame de gravidez antigo”, explicou.
O advogado de Amanda, Carlos Marcio Macedo, diz não saber se ela permanece grávida. “Ela tinha um excelente relacionamento com o avô e a bisavó da filha que ela gestava à época. Ela estava grávida em vista de alguns fatos que aconteceram nesses últimos dias. É necessário um aprofundamento para saber se essa gravidez persiste”, disse
Amanda tentou se matar e foi presa em clínica psiquiátrica
Amanda foi presa em uma clínica psiquiátrica em Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital, na noite da última quarta-feira (20). Segundo o delegado, ela teria sido internada pela família por volta do meio-dia da quarta, após ter tentado se matar com medicamento e acetona. Ao ser presa, a advogada negou as acusações, se disse inocente e declarou que “amava a família” do ex-namorado.
Em depoimento na polícia, na quinta-feira (21), ela revelou que tentou se matar mais de uma vez depois do ocorrido e que também já havia tentado tirar a própria vida antes, tomando remédios. Amanda ainda reclamou da exposição pela imprensa do seu nome e sua imagem associados às mortes do ex-sogro e da mãe dele.
“Essa história midiática acabou com minha vida. Todo mundo já viu o meu rosto. Acabou a minha vida”, disse ela. Vídeo mostra advogada suspeita de envenenar ex-sogro e a mãe dele comprando alimentos em Goiânia. Câmeras de segurança de um empório da capital de Goiás registraram quando Amanda esteve no local.
Carlos Marcio Macedo, advogado de Amanda, diz que o horário e local da prisão serão questionados à justiça. “Ela estava internada no hospital sob prescrição e indicação médica. A prisão não foi feita em um horário adequado e isso será questionado na audiência. Desde o primeiro contato que tive com ela, ela nega a participação nos fatos”, concluiu o advogado.
Em nota, os advogados de Amanda – Carlos Márcio Rissi Macedo e Rodrigo Lustosa Victor – disseram que aguardam o desenrolar de investigações, que tramitam de modo sigiloso, antes de comentarem sobre as acusações. Eles contestam a legalidade da prisão e destacam que Amanda se apresentou voluntariamente à Delegacia de Investigação de Homicídios, entregou objetos e documentos e informou à polícia sobre sua localização e estado de saúde.
“Quanto a prisão da Senhora Amanda Partata consideramos que se efetivou de forma ilegal na medida em que realizada no período noturno em hospital onde se encontrava internada sob cuidados médicos. (….) As medidas judiciais para preservação e restabelecimento da legalidade serão adotadas oportunamente”, disseram os advogados.
Quem é a suspeita?
Denúncias de exercício ilegal da profissão de psicóloga
Em sua bio no perfil do Instagram, Amanda se apresentava como “psicóloga, terapeuta cognitivo comportamental, advogada aposentada, leitora, viajante e mãe”. No entanto, seu nome não consta no cadastro nacional de terapeutas e é investigado pelo Conselho Regional de Psicologia de Goiás da 9ª Região (CRP09) por exercício ilegal da profissão.
Até o momento, a única confirmação é que Amanda era mesmo advogada, conforme consta de registro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que aparece como ‘regular’. Na internet, inclusive, é possível encontrar vários processos em que ela atuou como advogada.
Amanda não tinha registro profissional no banco de dados do Conselho, mas se apresentava como psicóloga na internet. O Conselho Regional de Psicologia de Goiás informou que recebeu duas denúncias anônimas contra Amanda em fevereiro de 2022 e afirmou que os “procedimentos foram tomados” e as denúncias “tramitam em sigilo”.
O órgão informou ainda que, para o exercício legal da profissão, todos os psicólogos são obrigados a manter o registro junto ao Conselho Federal de Psicologia (CFP) e ao Conselho Regional da região onde realiza o exercício profissional.
Outra falsa atividade profissional foi atribuída a Amanda: a Medicina. Nas redes sociais, um advogado chamado Marcos Partata afirmou ser da família de Amanda e que a suspeita “é médica formada em direito, sabia o que estava fazendo”.
“Após várias e várias mensagens, confirmo que a Amanda Partata é da minha família. Em relação ao caso, é preciso aguardar a conclusão do inquérito policial para saber se ela será denunciada. Após, deveremos aguardar o trâmite da ação penal. Se culpada e comprovada a sua atuação, certamente pagará pelo que fez”, escreveu Marcos.
Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) informou que Amanda não possui registro médico. Sua profissão é mesmo de advogada. Ela cursou Direito na Universidade Luterana do Brasil e tem registro ativo junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Itumbiara.
A OAB informou, por meio de nota, que a Comissão de Direitos e Prerrogativas (CDP) do órgão acompanhou a prisão de Amanda e continuará acompanhando as investigações para “garantir que os procedimentos legais e as garantias constitucionais sejam respeitados integralmente, tanto em relação à profissional envolvida quanto ao devido processo legal”.
Histórico de outros supostos crimes em quatro estados
No mundo real, Amanda também acumula um histórico de suspeitas de crimes. O delegado Carlos Alfama investiga outros supostos crimes praticados por Amanda em Itumbiara, sua cidade natal em Goiás – e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco.
Segundo a polícia, ela já forjou uma gravidez anteriormente de outros namorados, com intuito de obter vantagens financeiras, e ainda é suspeita de aliciar crianças de 10 a 16 anos durante um estágio de psicologia em uma escola. Além disso, é acusada de estelionato que teria sido praticado no Rio de Janeiro.
“Vamos ouvir novamente a Amanda, porque existem detalhes relevantes, inclusive de outros crimes relacionados à investigada. O que nós adiantamos é que, de fato, se trata de um duplo homicídio por envenenamento”, disse o delegado, ao descartar que ambos tenham morrido devido a uma intoxicação alimentar ou outra causa natural.
Entenda o caso
Primeira suspeita foi de intoxicação alimentar
Na manhã de domingo (17/12), Amanda, que estava hospedada em um hotel em Goiânia, foi a uma padaria comprar pão de queijo, biscoitos, suco de uva e até bolos de pote de uma famosa doceria de Goiânia. Ela então voltou para o hotel e depois foi à casa da família do ex-namorado, por volta das 10h do domingo. Tomou café da manhã com Leozão, a mãe Luzia e o pai dele, que a polícia identificou como João – único que não consumiu nada no café. Uma foto publicada pelo g1 mostra a advogada na mesa.
Amanda passou três horas na residência. Antes mesmo de ela ir embora, às 13h, o ex-sogro começou a passar mal. Ela, então, voltou para Itumbiara, cidade de Goiás onda mora, logo que saiu da casa do antigo namorado e, no caminho, recebeu mensagem do ex-sogro na qual ele a orientava a buscar atendimento médico, porque ele suspeitava que a comida estava estragada. Amanda só foi ao hospital à meia-noite, após saber da morte do ex-sogro.
A primeira suspeita da família foi de intoxicação alimentar. A polícia logo descartou essa possibilidade, porque, segundo o delegado, a intoxicação ocorre de forma diferente em cada pessoa e Leonardo e Luzia tiveram a mesma evolução. Além disso, o período entre o consumo de um alimento estragado e a morte seria mais longo no caso de uma intoxicação, já que o tempo de incubação das bactérias no organismo humano faz com que, normalmente, a morte leve mais tempo para ocorrer.
A hipótese de intoxicação alimentar veio à tona após uma publicação feita pela filha de Leão, a médica Maria Paula Pereira Alves, de 26 anos, ainda na madrugada após sua morte. A homenagem feita ao pai chamou atenção por revelar que, antes de morrer, ele havia comido doces. Maria Paula dizia que o pai “acordou, comeu um alimento comprado em um estabelecimento famoso e com credibilidade, mas acabou passando mal.” Segundo a médica, o pai e a avó não possuíam nenhum tipo de problema prévio de saúde e se encontravam bem antes de comer o doce.
A doceria fabricante do bolo de pote consumido pelas vítimas, famosa em Goiânia, chegou a ficar em evidência nas investigações, mas sua responsabilização foi descartada após a abertura do inquérito. A polícia e outros órgãos de fiscalização, como o Procon Goiás, visitaram as unidades da empresa para buscar irregularidades e evidências de contaminação.
“Os agentes verificaram informações contidas nas embalagens, datas de fabricação e validade, acomodação e refrigeração dos doces e, nesta ocasião, não foi constatada nenhuma irregularidade nos produtos fiscalizados. As informações e documentação foram repassadas para a Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios, que segue com as apurações”, informou o Procon Goiás.
Mesmo sem identificar substância, polícia mantém hipótese de envenenamento
Outra hipótese, esta mais forte, é a de um suco com veneno ter sido o instrumento do crime, após a reação de Amanda durante o interrogatório. O delegado Carlos Alfama acredita que o veneno foi colocado não no bolo de pote, mas no suco servido para as vítimas. Segundo ele, a advogada disse que comeu os alimentos, mas ao ser questionada se tomou o suco, ela “travou”.
“Até por uma questão técnica, é mais possível que o veneno tenha sido ministrado no suco, porque é mais fácil dissolver o veneno no meio líquido”, afirmou o delegado.
Os exames para comprovar a presença de veneno nos produtos consumidos no café da manhã e a necrópsia dos corpos continuam em andamento. A Polícia Científica já analisou mais de 300 pesticidas, mas ainda não identificou a substância usada para envenenar mãe e filho e descartou o uso de pesticida. Apesar disso, o delegado não tem dúvida do envenenamento.
A Polícia aponta que Amanda pode ter limpado os utensílios de cozinha ou, até mesmo, ter levado eles quando deixou a residência. Isso dificultaria o trabalho da investigação em determinar como teria se dado o envenenamento. Ainda assim, segundo o delegado Carlos Alfama, a versão de homicídios está mantida.
“Mesmo que a perícia não encontre veneno nas substâncias apreendidas, a certeza é de uma morte por envenenamento. Não foi intoxicação alimentar, isso a perícia facilmente já detectou. Não foi infecção bacteriana. Qual a outra possibilidade? O perito apontou: a morte foi por envenenamento”, explicou.
Com informações do G1, Metrópoles, Jornal Opção, TV Record de Goiás e outros (atualizado em 26/12/23)