Por Agência Brasil

Estudo revela que pessoas com idade a partir de 50 anos que pertencem à comunidade LGBTQIA+ têm atendimento de saúde pior do que a parcela de mesma faixa etária que não faz parte desse grupo. A situação é a mesma tanto na redes privada quanto no Sistema Único de Saúde (SUS), revela estudo de pesquisadores do Hospital Albert Einstein, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de São Caetano do Sul, publicado na revista científica Clinics.

Os pesquisadores destacam que 31% do grupo LGBTQIA+ estão na pior faixa de acesso à saúde no país, enquanto a proporção entre a população que não está nesse grupo é de 18%. Para chegar aos resultados, a equipe analisou as respostas de 6.693 pessoas de todo o Brasil em um questionário online, que pôde ser preenchido anonimamente. Ao todo, 1.332 dos participantes se identificaram como LGBTQIA+.

Com a comparação de respostas, observou-se que 74% das mulheres heterossexuais relataram ter feito pelo menos uma mamografia na vida. Ao mesmo tempo, a proporção de mulheres com identidade de gênero ou orientação sexual que as encaixa na sigla LGBTQIA+ era de apenas 40%, o que evidencia a disparidade em relação aos cuidados com a saúde e pode indicar ainda dificuldades, por parte desse grupo de realizar exames.

Desnível semelhante pode ser observado em outro dado: o de triagem preventiva para câncer de colo de útero, entre pessoas que se identificam como mulheres cisgênero. A porcentagem de heterossexuais que realizou o exame foi de 73%, contra 39% de LGBTQIA+.

Quanto ao exame preventivo de câncer de intestino, também entre mulheres cisgênero, a discrepância é menor, mas existe. No total, 57% de mulheres afirmaram ter feito o exame em algum momento, número que cai para 50% entre as LGBTQIA+.

Segundo os autores do trabalho, um dado relevante é que mais da metade (53%) do grupo não acredita, ou não sabe, que os médicos saibam lidar com as particularidades de sua saúde. Além disso, 34% dos que responderam ao questionário acreditam que os profissionais que os atenderam não conheciam sua identidade de gênero ou orientação sexual, fato que pode mostrar como há assuntos relevantes para o diagnóstico e o tratamento que ainda são tabu.

“A partir do momento em que a gente conhece essa realidade, reforça a importância de eliminar as desigualdades, as barreiras de acesso”, afirma Milton Crenitte, um dos autores da pesquisa e geriatra do Hospital Israelita Albert Einstein. O hospital já desenvolve protocolos e ações específicas para os pacientes LGBTQIA+, desde a criação do Grupo Médico Assistencial voltado a esse público.

Para Crenitte, um dos equívocos que mais influenciam a forma como os profissionais de saúde encaram especificamente esse grupo é limitar os cuidados a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), o que se explica pelo estigma da década de 1980, quando teve início o esterótipo que associou homossexualidade ao HIV, que permanece até hoje, de certo modo.

“Muitas vezes, a saúde LGBT foi tratada apenas nas políticas de prevenção ao HIV e a outras ISTs. Então, o que acho que a geriatria tem para contribuir nessa seara do envelhecimento LGBTQIA+ é entender que vai além disso. É preciso acolher essas pessoas, fazer com que elas entrem nos nossos cenários de prática, nos nossos serviços de saúde, para tratar pressão alta, diabetes, fazer atividade física, tratar de saúde mental e também falar de HIV e aids”, diz o geriatra.

Crenitte destaca que um fato importante, hoje em dia, no cenário do HIV é que a ciência mudou muito e avançou muito no tratamento. “Mas, uma coisa que permanece, em 40 anos de epidemia de HIV, é a sorofobia. Um espaço que também precisa ser discutido é o da discussão da sorofobia, que é o preconceito contra quem vive com o vírus.”

O receio de se tornarem alvos de LGBTQIAfobia em consultórios ou hospitais faz, inclusive, com que muitas pessoas deixem de fazer acompanhamento e exames regulares e preventivos, o que pode acabar em diagnóstico de doenças já em estágio avançado, com poucas chances de tratamento eficaz. “Isso é real. Muitas pessoas da comunidade LGBTQIA+, por medo de sofrer discriminação ou por experiências prévias negativas ou outras barreiras de acesso, que são inúmeras, deixam de procurar o serviço”, afirma Crenitte.

O médico ressalta ainda um dado da pesquisa que mostra que a maneira como o usuário percebe a disponibilidade do serviço vai impactar na decisão dela de sair, ou não, de casa para procurar ajuda. “Muitas pessoas, em vez de fazer o cuidado preventivo, evitam e só acessam a saúde no momento da emergência, o que é muito pior.”

Saúde lança programa para promover equidade de gênero e raça no SUS

Ministério fará chamadas públicas para seleção e execução de projetos

Foto Sergio Moraes (Reuters)

Portaria do Ministério da Saúde, publicada nesta quarta-feira (8), no Diário Oficial da União (DOU)institui o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde (SUS). O programa busca modificar o que o próprio texto cita como “estruturas machista e racista que operam na divisão do trabalho na saúde”, além de enfrentar diversas formas de violências relacionadas ao trabalho na saúde.

A publicação destaca também o acolhimento a trabalhadoras da saúde no processo de maternagem (cuidado cotidiano de crianças sob sua responsabilidade) e a promoção do acolhimento de mulheres considerando seu ciclo de vida no âmbito do trabalho na saúde. A portaria também garante ações de promoção e de reabilitação da saúde mental, considerando as especificidades de gênero e raça, e ações para promover a formação e educação permanente na saúde, considerando as interseccionalidades no trabalho.

De acordo com a portaria, o ministério fará chamadas públicas para seleção e execução de projetos, direcionadas aos entes federados, instituições de ensino ou organizações da sociedade civil sem fins lucrativos que tenham interesse em desenvolver ações no âmbito do programa

“Será incentivado que as gestoras e os gestores do Sistema Único de Saúde, nas esferas estaduais, municipais e distrital realizem, em seu território, articulação intersetorial com órgãos da segurança, educação, política para mulheres e assistência social para elaboração de estratégias conjuntas de equidade de gênero e enfrentamento a violência contra mulher no ambiente de trabalho.”

Dentre os princípios do programa listados pelo ministério estão:

– a inadmissibilidade de todas as formas de discriminação e preconceito de gênero, raça ou de qualquer tipo violências no âmbito do trabalho na saúde, refutando quaisquer comportamentos, prática e discursos que gerem atos discriminatórios e preconceituosos e que consistam em meios de expressar e institucionalizar relações sociais de dominação e opressão;

– a laicidade do Estado, por meio de políticas públicas formuladas, implementadas, monitoradas e avaliadas de maneira independente de princípios religiosos, de forma a assegurar efetivamente os direitos consagrados na Constituição Federal e nos diversos instrumentos nacionais e internacionais assinados pelo Estado brasileiro;

– a equidade, no intuito de atingir a justiça social e assegurar os direitos humanos dos diferentes grupos sociais das trabalhadoras do SUS;

– a transversalidade da política de equidade de gênero e raça em todas as políticas públicas, visando estar presente em todos os programas e políticas do SUS para a ampliação do grau de contato e comunicação entre pessoas e grupos, sem hierarquia;

– a defesa ampla na isonomia de direitos entre gênero e raça, entendida como adoção de práticas de igualdade entre mulheres e homens, considerando a diversidade de raça e etnia, e constituindo um pilar fundamental da gestão organizacional e do êxito institucional;

– a participação e o controle social, uma vez que devem ser garantidos o debate e a participação das trabalhadoras do SUS na formulação, implementação, avaliação e controle social das políticas públicas.

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