É considerada pessoa com deficiência física – também chamada PCD – toda aquela que “possui alguma perda em sua formação de natureza fisiológica ou anatômica que atrapalhe o desenvolvimento de algumas atividades”. Para promover a conscientização da sociedade sobre as ações que devem ser realizadas para garantir a qualidade de vida e a promoção dos direitos das PCDs, desde a década de 80 se comemora o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência Física em 11 de outubro. A data foi instituída pela Lei Nº 2.795, promulgada em 15 de abril de 1981 pelo governo de São Paulo e posteriormente comemorada em todo o território nacional, como informa o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH).
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil contabiliza cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência, correspondendo a 8,9% da população. No entanto, apontam especialistas, esses números divergem significativamente das estatísticas globais que indicam uma taxa de 15% (um bilhão de pessoas com deficiência). Já segundo dados do Censo de 2010, o Brasil possui mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representava 24% da população. Deste total, mais de 13 milhões são pessoas com deficiência física.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com dados do Censo de 2022, revela que somente 26,6% dos brasileiros com deficiência estão no mercado de trabalho. Já a taxa de desocupação é maior entre trabalhadores com deficiência: 10,3% contra 9% das pessoas sem deficiência. Do total de PCDs que trabalham, 55,5% estão na informalidade, embora no Brasil a Lei Federal 8.213/91 estabeleça a obrigatoriedade de empresas com mais de 100 funcionários reservarem de 2% a 5% das vagas para pessoas com deficiência.
Alto índice de informalidade entre pessoas com deficiência
Segundo a Relação Anual das Informações Sociais (RAIS) de 2021, 9 milhões de pessoas com deficiência estão aptas para o trabalho, mas apenas 521 mil possuem empregos com carteira assinada. O recrutamento de PCDs exige uma atenção especial das empresas. Isso significa que sete em cada dez pessoas com deficiência estão fora do mercado de trabalho. Enquanto entre as pessoas com deficiência a taxa de participação no mercado é de apenas 29,2%, a taxa das pessoas que não possuem deficiência é de 66,4%.
A desigualdade persiste mesmo entre as pessoas com nível superior: a taxa de participação foi de 54,7% para pessoas com deficiência e 84,2% para as sem deficiência. 55% das pessoas com deficiência que trabalhavam estavam na informalidade, enquanto para as pessoas ocupadas sem deficiência esse percentual foi de 38,7%. O rendimento médio real habitualmente recebido pelas pessoas ocupadas com deficiência é 30% menor que a média Brasil. Enquanto o das pessoas ocupadas sem deficiência é de R$ 2.690, eles recebem R$1.860.
Pesquisa da Secretaria dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Estado de São Paulo, entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, mostra que 15,3% dos mais de 8,4 mil entrevistados nunca ingressaram no mercado de trabalho. A maioria (72%) das vagas ofertadas para PCDs se concentrou em São Paulo em 2022, segundo pesquisa da Catho.
45% permanecem no mesmo cargo por mais de uma década
Além do desafio do primeiro passo, que é contratação, pessoas com deficiência ainda enfrentam a falta de oportunidades para ascender profissionalmente. Um estudo recente, intitulado “Pessoas com Deficiência e Empregabilidade,” liderado pela consultoria Noz Inteligência em parceria com a Talento Incluir, revelou que 60% das PCDs entrevistadas nunca foram promovidas. Além disso, 45% dessas pessoas permanecem no mesmo cargo e na mesma empresa por mais de uma década.
“Quando são contratadas, muitas vezes as pessoas com deficiência ficam estagnadas em suas funções por anos, sem as mesmas oportunidades de desenvolvimento de carreira oferecidas aos demais profissionais”, aponta a CEO Talento Incluir Consultoria, Katya Hemelrijk.
Outro levantamento da Talento Incluir demonstra que cargos de liderança nas empresas estão muito distantes de serem alcançados pelas pessoas com deficiência. Entre as empresas que abriram vagas específicas para profissionais com deficiência por meio da Talento Incluir, menos de 0,5% ofereciam oportunidades de liderança, e apenas 0,30% dessas vagas tinham salários acima de R$8.900,00.
“Esses dados evidenciam que, até o momento, a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho tem se limitado à contratação, sem oferecer oportunidades iguais para o crescimento de suas carreiras. Infelizmente, a equidade ainda não é uma realidade após a diversidade entrar na empresa”, ressalta Katya.
Empresária venceu os limites da Osteogênese Imperfeita
Katya Hemelrijk é uma mulher com deficiência, que nasceu com osteogênese imperfeita, uma doença rara conhecida como “ossos de vidro”. A OI, como é conhecida, é um distúrbio genético do tecido conjuntivo (tipo que gera conexão entre outros tecidos do corpo) causado por uma alteração na síntese ou processamento de colágeno tipo I. A doença atinge um a cada 10 mil a 20 mil nascidos vivos no mundo e entre 50% e 65% sofrem perda da audição.
Os sintomas são diversos e o principal é caracterizado por uma maior suscetibilidade a fraturas ósseas e diminuição da densidade mineral óssea. Outras manifestações incluem esclera azulada (parte branca dos olhos com coloração azulada), dentinogênese imperfeita (dentes mais frágeis e sujeitos a cáries), baixa estatura, déficit auditivo na idade adulta, aumento da frouxidão ligamentar e cardiopatias valvares (ligadas às valvas aórtica, mitral, pulmonar e tricúspide).
As muitas limitações impostas pela osteogênese imperfeita não impediram Kátia de galgar uma brilhante carreira profissional. Formada em Administração de Empresas, ela tem especialização em Neurociência do Consumo e é certificada como Coach Internacional pelo ICC, atuando também TEDx Speaker, palestrante, atriz e coautora do livro “Maria de Rodas”.
Em sua trajetória, ela traz uma bagagem corporativa e de empreendedorismo de mais de 20 anos, sendo 12 deles como líder de comunicação na Natura. Hoje ela é CEO da Talento Incluir Consultoria, especializada em soluções focadas na inclusão de pessoas com deficiência.
Outras pessoas com deficiência também comprovam que não há limites. Rafaella Stallone, de 50 anos, nasceu com mielomeningocele. Trabalhou por quase 20 anos em Furnas como analista de recrutamento e seleção. Hoje, trabalha no Rio de Janeiro, em home office, e tem a fotografia como grande hobby.
Já a auxiliar de marketing Giovanna Agnelli, 29 anos, foi diagnosticada com síndrome de asperger e altas habilidades em 2019 e também possui TDAH. Formada em biomedicina, tem habilitação em estética e acupuntura. Atualmente, cursa análise e desenvolvimento de sistemas.
Diagnosticado com autismo com apenas um ano de idade, Rodrigo Carvalho, 28 anos, é formado em Relações Internacionais e em Direito. Começou a trabalhar com 16 anos, ainda como jovem aprendiz, e hoje atua como assistente jurídico.
‘Cultura da inclusão deve ser ativada no ambiente escolar’
Para Katya Hemelrijk, o apoio da família e o papel da escola são fundamentais para uma cultura de inclusão, que proporcione uma vida com mais autonomia, independência e realizações para a pessoa com deficiência (PCD). “Ao invés de começar a desenvolver nas pessoas a cultura de inclusão da pessoa com deficiência apenas quando elas ingressam nas empresas para trabalhar, o fundamental é que esse aprendizado seja iniciado na escola”, diz a especialista.
Segundo ela, as escolas precisam participar do aumento da inclusão dos alunos com deficiência. “Desde cedo entendo o quanto a cultura de inclusão deve estar ativada no ambiente escolar. A escola é fundamental para promover o desenvolvimento e a socialização das pessoas com deficiência. A exclusão de aulas tão importantes, como a de Educação Física, nunca se justificaram no meu caso, a não ser pelo fato de a escola não estar disposta a me incluir nas atividades”, contou.
Segundo ela, a determinação da sua família foi fundamental nessa hora em buscar uma escola mais disposta à inclusão. “Hoje, com uma carreira profissional de mais de 20 anos, reafirmo o quanto essa atitude da minha família foi importante para meu desenvolvimento. Precisamos insistir em fazer do ambiente escolar um aliado produtivo da inclusão”, destaca Katya Hemelrijk.
8 dicas para tornar as escolas aliadas reais da inclusão de estudantes com deficiência
Junto com Marta Gil, uma das parceiras da Talento Incluir, que especialista, consultora para Inclusão de Pessoas com Deficiência, com ênfase em Educação e Trabalho e empreendedora social, Katya aponta 8 atitudes para promover, e ampliar e aprimorar a inclusão nas escolas. São elas:
- Disposição: preparar a escola para ser um ambiente acolhedor a todos os alunos não requer apenas obras estruturais. O principal é desenvolver a acessibilidade atitudinal, partindo do ponto principal de que educação é um direito de todas as pessoas e para todas as pessoas, com e sem deficiência. Conteúdos e atividades que favorecem e ampliam o entendimento sobre as pessoas com deficiência é muito importante, além da convivência;
- Capacitação das equipes: uma das mais importantes ações. A cultura de inclusão deve acontecer em todo o time, do portão à diretoria, da sala de aula às quadras e lanchonetes para eliminar o capacitismo que impede o desenvolvimento pessoal dos estudantes com deficiência. Quando os profissionais são qualificados, a Educação inclusiva acontece. Pedagogicamente todo o ambiente é beneficiado;
- Acessibilidade digital: capacitar as equipes nas ferramentas tecnológicas de ensino que colaboram com a inclusão, muitas delas disponíveis até de forma gratuita e geram a cidadania digital, além de possibilitar a aprendizagem;
- Parceria família-escola: essa aliança é fundamental para o desenvolvimento da pessoa com deficiência em idade escolar. Juntos, devem observar e entender os potenciais e habilidades de cada aluno, atuando cada um no seu papel. Professora não é a mãe e mãe não deve ser a professora.
- Escola especializada é um retrocesso: além disso é ilegal e inconstitucional indicar aos pais que a criança com deficiência seja transferida para o que se chama de “escola especial”, onde só haverá pessoas com deficiência. Além de excludentes, nada contribuem para o desenvolvimento social e necessário das pessoas com deficiência. Além disso é uma atitude desumana. É ilegal. Assim como as empresas, as escolas, por lei, devem estar preparadas para estudantes com deficiência e não o contrário;
- Do ensino infantil à universidade: trabalhar a cultura de inclusão é um processo sustentável, que contribui com a qualificação, a socialização e o desenvolvimento pessoal em uma fase muito importante da vida e antes mesmo de chegar ao mercado de trabalho;
- Boas práticas: as ações de inclusão da pessoa com deficiência no mercado de trabalho podem e devem inspirar ações dentro das escolas. Visitar empresas e entender como atuam na inclusão, conhecendo seus projetos pode contribuir para a qualidade da inclusão no ambiente escolar.
- Guia do educador inclusivo: o guia que Marta Gil elaborou com o Instituto de Pesquisa Amankay, como um material importante de apoio à construção da Educação Inclusiva no ambiente escolar e que está disponível para baixar gratuitamente (clique aqui). O material foi desenvolvido a partir de temas que trazidos nas rodas de conversas, feitas em escolas públicas de Ribeirão Preto (SP), com a participação das equipes escolares, mães e pais de alunos com e sem deficiência e com o apoio da Coordenadoria de Educação Especial da Secretaria da Educação da cidade. “A inclusão é disruptiva e nos convida a rever conceitos, preconceitos, visões de mundo. Estimula a Inovação e Criatividade. A Inclusão é transformadora!”, reforça Marta Gil.
Palavra de Especialista
No artigo abaixo, Katya diz que o ato de não se autodeclarar uma pessoa com deficiência na hora de conseguir um trabalho ajuda a perpetuar a falta de acesso. “É ceder às pressões que nos impedem de sermos autênticos. É fazer concessões para evitar revelar nossas deficiências, esconder aparelhos auditivos para passar despercebido ou depender da ajuda dos colegas para contornar a falta de acessibilidade. É encobrir a realidade em vez de enfrentá-la”, diz a especialista.
Autodeclaração da pessoa com deficiência não pode ser entrave para alcançar cargos de liderança
Por Katya Hemelrijk*
Histórias de empresas que desejam aumentar a inclusão de pessoas com deficiência em seus quadros, mas ainda dão preferência por contratar as pessoas com deficiências não visíveis ou “mais leves”, infelizmente não são histórias raras e só aumentam a exclusão dos profissionais com deficiência que, por uma oportunidade de crescimento profissional, escondem e até negam suas deficiências
Vivemos em um cenário onde muitos profissionais com deficiência se veem diante de um dilema: revelar suas deficiências e enfrentar a possibilidade de discriminação ou ocultá-las em busca de oportunidades de carreira. Esse impasse é mais do que apenas uma dificuldade; é uma forma de opressão, um capacitismo que limita a jornada da pessoa com deficiência que aspira a se desenvolver profissionalmente
Em nossa busca pela verdadeira inclusão, encontramos histórias de pessoas com deficiência que, infelizmente, sentiram a necessidade de esconder suas deficiências para alcançar o sucesso em suas carreiras. Elas compartilham que, ao se auto declararem pessoas com deficiência, são categoricamente desencorajadas de buscar cargos de liderança e gestão
A qualidade da inclusão também se apresenta como uma barreira para as pessoas com deficiência. Quando são contratadas, muitas vezes ficam estagnadas em suas funções por anos, sem as mesmas oportunidades de desenvolvimento de carreira oferecidas aos demais profissionais.
O ato de não se autodeclarar é, mais uma vez, perpetuar a falta de acesso. É ceder às pressões que nos impedem de sermos autênticos. É fazer concessões para evitar revelar nossas deficiências, esconder aparelhos auditivos para passar despercebido ou depender da ajuda dos colegas para contornar a falta de acessibilidade. É encobrir a realidade em vez de enfrentá-la
Ao contrário de outros marcadores sociais, o orgulho de ser uma pessoa com deficiência pode ser uma conquista desafiadora mas é essencial. Esse orgulho se constrói por meio de nossas experiências e jornadas, que nos elevam além das limitações impostas pelo capacitismo.
As empresas genuinamente comprometidas em aumentar a diversidade entre seus colaboradores devem encorajar a autodeclaração. Elas precisam garantir que a revelação de deficiências não seja um obstáculo ao desenvolvimento profissional e à busca por cargos de liderança. Devemos criar um ambiente seguro no qual as características das deficiências não precisem ser escondidas ou minimizadas
A autodeclaração é uma libertação. É uma afirmação positiva que as pessoas com deficiência devem fazer para reforçar seu orgulho e, ao mesmo tempo, superar o capacitismo que tenta nos diminuir. É um passo crucial para alcançar nossos objetivos de vida e sermos verdadeiramente nós mesmos.
Katya Hemelrijk é CEO da Talento Incluir Consultoria, pioneira no país com soluções focadas nos pilares de DE&I Conscientização, Contratação, Carreira, Acessibilidade e Consultoria Estratégica para a inclusão de pessoas com deficiência.
Fontes: Talento Incluir e MDH