Desde que teve início a pandemia originada pelo novo coronavírus, o isolamento social como forma de contenção da propagação da Covid-19 tem se mostrado estratégia eficaz e segura. Enquanto não se desenvolvem medicamentos ou uma vacina contra o vírus, ficar em casa, com o mínimo contato social possível tem sido o novo normal.
Nesse contexto, e dada a duração da pandemia, pais, responsáveis, alunos, professores, dirigentes educacionais, sindicatos, têm buscado alternativas para que o calendário escolar tenha continuidade e que a aprendizagem não sofra prejuízos. Assim, configurou-se o ensino remoto que vem possibilitando, ainda que de forma controversa, o seguimento do ano letivo.
Porém, basta um pequeno indicativo sobre uma possível estabilização da pandemia, mesmo que temporária, para que o debate da volta às aulas seja posto e reposto. Então, vamos a alguns dados para problematizar essa discussão.
No início de agosto, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos afirmou, que a volta às aulas pode potencializar a transmissão do novo coronavírus, uma vez que crianças e adolescentes parecem ser portadores assintomáticos e, por consequência, grandes transmissores da doença.
O estudo se baseou no caso de Israel, que no começo da pandemia, em abril, fez um isolamento social intenso o que bloqueou significativamente a circulação do vírus. Na medida em que o isolamento foi perdendo força, mas sobretudo após a volta às aulas, em maio, o índice de contaminação aumentou exponencialmente, tanto que tiveram que antecipar as férias de verão. O país que parecia livre do vírus viu milhares de alunos, professores, funcionários de escola e seus familiares contaminados.
Outro estudo publicado, também, no início de agosto deste ano, pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, associada com a University College London (UCL), assegura que a volta às aulas, sem testagem em massa e com relaxamento do isolamento social, pode gerar uma segunda onda da pandemia naquele país.
Em outros países como a Austrália, Suécia e Finlândia em que as escolas foram parcialmente fechadas durante a pandemia, pesquisas indicam que as infecções entre as crianças foram baixas, mas a contaminação de professores e funcionários foi bem mais significativa.
No Brasil, mais especificamente em São Paulo, pesquisadores do ensino superior e da rede estadual de ensino, o grupo REPU (Rede de Escolas Públicas e Universidade), desenvolveram um simulador para calcular o impacto nas contaminações e mortes por covid19 num suposto retorno as aulas. Os cálculos levam em conta a localização da escola, suas dimensões, espaços livres, tamanho das salas de aula etc.
Na média das escolas do Estado de São Paulo, a simulação mostrou que o retorno às aulas nesse momento (final de agosto de 2020) levaria à contaminação de 46% dos alunos num prazo de dois meses. Considerando que crianças e adolescentes podem ser tanto assintomáticos quanto resistentes aos quadros graves da doença, mas são potenciais disseminadores, o percentual de contaminados e mortos pode vir a ser muito maior, uma vez que muitos desses estudantes moram com pessoas dos grupos de risco, vulneráveis.
Os detalhes de como esse simulador funciona mostram a inviabilidade da retomada das aulas de forma opcional a partir de 8 de setembro e compulsória a partir de 7 de outubro, como propõe o Governo do Estado de São Paulo. Os pesquisadores do REPU afirmam que a alternativa segura ainda é manter as escolas fechadas.
No Paraná, a Secretaria de Estado da Educação criou um comitê junto com a Secretaria de Planejamento e a Casa Civil no mês de junho, para discutir a volta às aulas. As especulações sobre uma possível data de retorno, inicialmente, apontavam o mês de agosto, depois o mês de setembro. Toda essa discussão vem ocorrendo num período em que o Estado ainda apresenta curva ascendente nas taxas de contaminação e morte.
Os protocolos de segurança para a volta às aulas no Paraná que vêm sendo discutidos apontam medidas já adotadas em outras instituições e bastante conhecidas de todos, como o uso do álcool gel, a alternância de lugares para os alunos ocuparem nas salas de aula, o revezamento dos alunos que assistiriam as aulas presenciais em dias alternados, entre outras medidas.
Para Maria Eneida Fantin, professora do Curso de Geografia – Área de Geociências do Centro Universitário Internacional Uninter, diante dessas propostas do referido comitê, a pergunta que imediatamente nos ocorre é a seguinte: Essas pessoas conhecem a realidade da rotina de uma escola? Há quantos anos não visitam uma escola real, em período de aula, com sua dinâmica de atividades e intensidade de relacionamentos que caracterizam o ambiente escolar?
Só aqueles que desconhecem como crianças e adolescentes se comportam em grupo, quanto intensos são em suas demonstrações de afetividade, podem imaginar que será fácil e seguro manter o distanciamento social entre alunos. E quando se fala em adolescentes essa intensidade fica ainda maior. O espaço escolar ordenado e dividido com determinações rígidas de localização e possibilidades de deslocamento só existe no imaginário de quem não vive a escola e não compreende a sua dinâmica”, afirma a especialista.
Então, que se respeite pelo menos as pesquisas e os estudos sérios já realizados, pois todos indicam a necessidade de controlar a pandemia, realizar testagem em massa, adotar medidas rígidas de monitoramento dos infectados como procedimentos iniciais para um paulatino e parcial retorno das atividades presenciais coletivas. Mas, volta plena às aulas e com segurança, só depois da vacina.
Como controlar a entrada de crianças sintomáticas nas salas de aula?
Com a perspectiva do retorno às aulas presenciais na cidade de São Paulo, professores e pais estão preocupados com a possível exposição das crianças ao Covid-19. Sem previsão de vacina e com o isolamento social ainda em curso em todo o Brasil, até mesmo o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, aguarda resultados da testagem de professores, servidores e alunos das escolas municipais para tomar uma decisão após o dia 10 de novembro de 2020.
Em outros países com grande número de casos de Covid-19, como os EUA, a experiência da volta às aulas tem sido polêmica: e se os pais levarem para a escola crianças contaminadas ou sintomáticas? Quais as consequências de tal ato? Um estudo divulgado pelo Hospital Nacional Infantil de Washington aponta que crianças infectadas podem transmitir a doença durante semanas, o que dificulta ainda mais o argumento a favor do “novo normal” no quesito estudantil.
Representantes de saúde do estado norte-americano de Wisconsin divulgaram estatísticas preocupantes, que mostram que mais de 20 escolas no estado estão sob investigação após ao menos um aluno ou professor testar positivo para Covid-19. Profissionais de saúde do estado afirmam que pais se recusam a seguir os protocolos sanitários da OMS, o que coloca em risco não só os alunos como toda a cadeia de pessoas que entra em contato com servidores públicos e funcionários.
E no Brasil, como poderemos controlar a entrada de crianças sintomáticas nas redes pública e privada? Para o advogado especialista em Direito do Consumidor e conselheiro da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Marco Antonio Araújo Junior, temos um grande desafio a ser enfrentado.
Primeiro, as escolas tiveram tempo para se preparar para um projeto sério de educação a distância, mas não fizeram. Acreditaram que a pandemia iria durar um ou dois meses e foram surpreendidas com quase um semestre de suspensão de aulas. Assim, o retorno é inevitável”, destaca.
E esse não é o único problema: “Para não serem responsabilizadas no futuro, as escolas terão que implementar protocolo rigoroso de segurança. Se a criança apresentar qualquer sintoma, como por exemplo, aumento de temperatura, poderá ser impedida de frequentar o ambiente escolar. Portanto, o medidor de temperatura na entrada e durante a permanência da criança na escola deverá ser um instrumento indispensável.
Por outro lado, se o aluno estiver assintomático, não há como a escola proibir ou restringir o acesso ao ambiente escolar e não poderá, portanto, assumir nenhum tipo de responsabilidade”, finaliza Marco Antonio.
Com Assessorias