O uso de métodos contraceptivos é essencial para garantir o planejamento familiar, bem-estar e autonomia das mulheres. No Brasil, um dos métodos mais utilizados para controle de natalidade são as pílulas anticoncepcionais à base de hormônios. Entretanto, muitas mulheres ainda possuem dúvidas quanto aos efeitos colaterais do uso de anticoncepcionais, em especial quanto a ocorrência de tromboses venosas, doença com complicações potencialmente graves e, em alguns casos, até fatais.
Afinal, pílula anticoncepcional causa trombose? Essa é uma dúvida muito comum, que pode inclusive fazer com que mulheres optem por não usar pílula anticoncepcional, mas será que é verdade? Uma melhor compreensão deste risco é muito importante para a prevenção e promoção da saúde das mulheres.
A trombose ocorre quando há a formação de um coágulo sanguíneo no organismo humano. As pílulas anticoncepcionais à base de estrogênio aumentam as chances de mulheres desenvolverem coágulos sanguíneos de duas a seis vezes mais do que aquelas que não fazem uso do medicamento.
Segundo Erich Vinícius de Paula, médico hematologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). a presença do estrogênio na composição da maioria das pílulas anticoncepcionais é responsável por elevar o risco da ocorrência de trombose. “O estrogênio, hormônio que desempenha um papel importante no desenvolvimento reprodutivo e sexual das mulheres, provoca aumento no potencial de coagulação do sangue, facilitando a formação dos trombos”, explica.
Embora os números pareçam alarmantes, o médico ressalta que este aumento de risco associado aos contraceptivos com estrógeno deve ser interpretado com cautela. “O risco de trombose em mulheres jovens é muito baixo. Assim, mesmo com este aumento de duas a seis vezes, a chance de uma mulher que faz uso destes medicamentos desenvolver uma trombose é muito pequena. O que nós, médicos, devemos fazer – e a participação das pacientes neste processo é muito importante – é avaliar se a paciente possui outras características que aumentam o risco de trombose e, nestes casos, considerar o uso de outros métodos”, afirma Dr. Erich.
De acordo com o médico hematologista, as tromboses venosas geralmente ocorrem quando vários fatores de risco estão presentes na mesma pessoa. Por isso, o uso de pílulas com estrógeno em pacientes que já apresentam outros fatores de risco, como obesidade e tabagismo, não seria a melhor estratégia.
“Por este motivo, é muito importante que o uso de contraceptivos orais seja indicado e acompanhado por um médico. Os ginecologistas possuem informações sobre combinações de fatores de risco que tornam o uso dos estrógenos proibitivos, bem como a diferença de risco associada a diferentes pílulas”, diz.
Pílula combinada representa mais rico para fumantes, hipertensas e obesas
O médico ginecologista Silvio Franceschini, professor e doutor em Ginecologia da Universidade de São Paulo, esclarece que existem dois tipos de pílulas anticoncepcionais: a que possui formulação combinada, ou seja, envolve o estrogênio relacionado a um progestagênio (ambos hormônios), e a isolada, que é produzida apenas com progestagênio.
“É importante sabermos disso pois, a combinada, possui efeitos adversos e riscos para diferentes perfis como pessoas acima de 35 anos e fumantes, hipertensas, com obesidade ou predisposição hereditária para trombose e doenças associadas ao tromboembolismo (VTE), podendo aumentar o risco de desenvolver a doença. Já no caso das isoladas, há menos restrições de perfis e ela não aumenta o risco de desenvolver trombose”, afirma.
Além de discutirem o uso e realizarem o acompanhamento médico ginecológico regular para redução de riscos, mulheres que tomam contraceptivos orais à base de hormônios devem ficar atentas aos sintomas da doença, uma vez que o diagnóstico precoce de uma trombose é muito importante para reduzir o risco de suas complicações.
De acordo com o médico hematologista, gestantes e mulheres que se encontram no período pós-parto também possuem risco elevado de desenvolver trombose. “Durante a gravidez, ocorre um aumento na coagulação como uma tentativa de diminuir a chance de perda de sangue durante o trabalho de parto”, esclarece.
Primeiros sinais e fatores de risco
Ainda segundo Dr. Erich, embora estejamos falando de mulheres em faixa etária relativamente jovem, a trombose pode acometer qualquer pessoa, independentemente do sexo e faixa etária. “Por isso, é essencial que todos conheçam os primeiros sinais e fatores de risco para a trombose”, pontua o hematologista.
Ele esclarece que o tipo mais comum de trombose é a trombose venosa profunda (TVP), caracterizada pela formação do coágulo nas veias profundas localizadas nas pernas. “Este coágulo, também chamado de trombo, pode acabar se soltando e ‘viajar’ por meio da circulação sanguínea, atingindo os pulmões. Neste caso, ocorre a embolia pulmonar, uma das complicações mais graves da trombose, que em alguns casos pode até ser fatal”, alerta ele.
“No caso da TVP, os principais sintomas são inchaço, dor ou sensibilidade do membro afetado, bem como pele quente ao toque, vermelha ou descolorida. Já os sinais mais comuns de embolia pulmonar (EP) são dor no peito, dificuldade para respirar, tossir sangue e batimento cardíaco mais rápido que no normal”, destaca o especialista. Dr. Erich explica que os fatores de risco incluem histórico familiar, imobilidade prolongada, obesidade, doenças cardíacas ou pulmonares e tabagismo.
Para prevenir a doença, especialistas recomendam a adoção de um estilo de vida saudável, com controle de peso e prática de exercícios regulares. “O tratamento da trombose é feito com base no uso de anticoagulantes, sempre com acompanhamento médico. Por fim, é sempre importante ressaltar que ser proativo e ter conhecimento sobre os sintomas e fatores de risco pode auxiliar no diagnóstico mais rápido e preciso”, conclui Dr. Erich.
Por que as mulheres correm mais risco de trombose?
As mulheres possuem maior risco de desenvolver algumas doenças venosas, como a trombose, pelo fato de estarem mais propensas a problemas genéticos que levam à condição. Isso porque os hormônios femininos contribuem para o desenvolvimento de distúrbios de coagulação sanguínea, além de outros fatores de risco ligados ao gênero, como a gestação, o pós-parto e a presença de varizes.
O período gestacional e o pós-parto requerem atenção redobrada e um bom acompanhamento pré-natal para garantir a segurança da mãe e do bebê. Uma das principais preocupações desse período envolve o diagnóstico de trombose, pois mulheres nessa fase apresentam maior risco de desenvolver a doença.
A médica obstetra Venina Barros, pesquisadora do Laboratório de Fisiologia Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica qual é a relação entre a gestação e a ocorrência de trombose, medidas de prevenção e tratamento adequado da doença.
A trombose ocorre quando um coágulo se forma no sistema circulatório, impedindo o fluxo sanguíneo. Normalmente, ela acomete os membros inferiores, causando inchaço e dor na área afetada, mas há risco de o coágulo se desprender e migrar na corrente sanguínea para o cérebro, pulmões ou coração, causando uma embolia, que pode ter consequências mais graves.
Segundo a Dra. Venina, que é presidente da Comissão de Tromboembolismo Venoso e Hemorragia na Mulher da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), a embolia pulmonar é o tipo de trombose mais comum durante o pós-parto, podendo causar quadros respiratórios graves e até mesmo levar à morte.
De acordo com a médica, o risco de trombose aumenta em cinco vezes na gravidez e em até 30 vezes no pós-parto, na comparação com mulheres não gestantes da mesma faixa etária. “Durante a gestação, ocorre o aumento de fatores de coagulação para evitar hemorragias, além do aumento de peso e surgimento de varizes, que podem favorecer o desenvolvimento de trombose”, afirma.
Ela explica que existem diversos fatores de risco para a trombose que devem ser avaliados e levados em consideração durante a hospitalização de gestantes. “A gestante que já apresentou uma trombose prévia é a paciente de maior risco. Infecções graves, como infecção urinária e pneumonia, também são considerados fatores de risco”, diz a Dra. Venina.
Além disso, destaca que é preciso ter atenção às gestantes que ficam de repouso no leito durante o dia e noite, por motivos médicos, como ameaça de abortamento, parto prematuro ou por apresentar depressão durante a gravidez.
A médica aponta que a principal orientação para gestantes e qualquer paciente hospitalizado é levantar, fazer exercício e mexer as pernas, para evitar a formação dos coágulos sanguíneos nos membros inferiores. Já nos casos de alto risco, a prevenção é feita com o uso de heparinas de baixo peso molecular, que garantem a segurança biológica, ou seja, não afetam o bebê e eliminam o risco de hemorragia para o feto.
A pesquisadora explica que o tratamento é realizado com anticoagulantes, podendo ser tratado a nível ambulatorial, ou seja, sem a necessidade de internação, ou durante a hospitalização, a depender o caso.
“O tratamento da trombose deve ser feito por, no mínimo, três meses, e após esse período será avaliado em que época da gestação a paciente se encontra para determinar a manutenção do medicamento”, afirma Dra. Venina. Já o tratamento da embolia pulmonar de gestantes, por constituir um quadro mais grave, deve ser sempre feito com a paciente hospitalizada, sendo implementado por três a seis meses.
Venina Viana, destaca que as mulheres têm maior risco de trombose do que os homens, no período que se inicia com a primeira menstruação até a menopausa. Contudo, após os 60 anos, homens e mulheres têm uma incidência igual. A trombose é uma condição que pode afetar principalmente as veias das pernas (conhecida como Trombose Venosa Profunda) e os pulmões (sob a forma de embolia pulmonar).
“A prevenção da trombose envolve cuidados ao longo de toda a vida. A melhor forma de prevenir a doença é manter um peso saudável, praticar atividade física regular e manter-se hidratado. Além disso, é importante consultar o médico antes de iniciar o uso de pílulas anticoncepcionais, escolhendo a opção mais adequada de acordo com idade e situação clínica”, explica a especialista.
Os principais sintomas da trombose são dores, inchaço e vermelhidão nas pernas, sendo que algumas pacientes podem apresentar apenas inchaço e dor, sem vermelhidão. É válido lembrar também que sempre é importante dar atenção ao risco de trombose quando for ao hospital ou ficar hospitalizado. Portanto, é importante procurar atendimento médico diante de qualquer dor atípica na perna.
“Cabe ao profissional que lida com a saúde da mulher, lembrá-la que o uso de hormônios femininos, como anticoncepcionais ou reposições hormonais orais, podem representar um fator de risco para a incidência de trombose, mas este diagnóstico é feito caso a caso. Durante a gravidez e logo após o parto, é fundamental avaliar o risco de trombose com o obstetra. O tratamento é bastante eficaz e consiste em medicamentos ou anticoagulantes. O medicamento a ser utilizado vai depender de cada situação”, conclui Dra. Venin.
Protocolo em hospital zera mortalidade materna por tromboembolismo venoso
Como forma de prevenir o desenvolvimento de trombose em gestantes, a área obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo adotou um protocolo baseado em grau de risco que zerou as mortes ocasionadas por trombose.
A médica conta que o protocolo foi adotado como parte de um estudo que ficou em vigor entre 2014 e 2017. “Durante esse período, estudamos mais de 10 mil avaliações de gestantes com base no perfil de gravidade de nossas pacientes. Já no primeiro ano de instalação, não ocorreram mais mortes maternas, nem no momento da hospitalização nem após três meses da alta, e esse resultado persistiu durante todos esses anos”, relata.
Com o sucesso do protocolo de pesquisa, a clínica obstétrica passou a adotá-lo como protocolo assistencial de prevenção de trombose. Dra. Venina conta que a triagem para o risco de tromboembolismo é realizada na avaliação da paciente no momento da hospitalização. Desta forma, foi possível zerar a mortalidade materna pela doença e reduzir ao mínimo a incidência de trombose venosa nas pacientes.
“Acreditamos que esse protocolo deve ser adotado por todas as maternidades do país, por apresentar um baixo custo e resultados comprovados prevenindo as mortes maternas e a ocorrência de trombose”, afirma a médica.
Ela ressalta a importância da conscientização das pacientes, para que gestantes exijam uma avaliação de seu risco de tromboembolismo no momento da hospitalização. “Esse processo passa pela educação das gestantes e das pacientes, pois a pressão da população contribui para a melhoria no atendimento médico no momento da hospitalização, gerando medidas que podem salvar vidas”, preconiza.
Com Assessorias