O Dia Mundial de Combate à Poliomielite, nesta terça-feira (24), conscientiza sobre esta doença que causa paralisia nos membros e pode deixar sequelas permanentes na mobilidade dos pacientes, forçando vários a utilizarem cadeiras de rodas ou suporte para locomoção. Com a eliminação da doença, em 1994, é cada vez mais raro conhecer alguém que viva com as sequelas da pólio, mas essa já foi uma realidade muito mais frequente no Brasil.

Ator e músico Paulinho Dias teve pólio no primeiro ano de vida e convive com sequelas até hoje
(Foto Reprodução / Arquivo pessoal)

Paulinho Dias, 46 anos, é músico desde os 15 anos. Ele convive com as sequelas da poliomielite (paralisia infantil) menos de duas semanas após seus primeiros passos, aos 11 meses de idade. Atualmente, Paulinho é casado e integrante do grupo ‘O Jardineiro e a Bella Flor’ com a esposa, a dupla realiza diversos shows e apresentações de música infantil pelo Brasil.

“A pólio afetou meus membros inferiores. Da cintura para baixo, afetou ambas pernas, porém, a maior sequela foi na perna direita, em que fiz mais de dez cirurgias, entre elas de tendão, de nervo que foi atrofiando e de alongamento ósseo, porque a perna começou a ficar curta, porque não acompanhou o crescimento da outra. Antes dessa cirurgia, quase não encostava o pé no chão”, conta ele.

Campanha contra a pólio traz relatos de pacientes que convivem com sequelas

A história de Paulinho faz parte da campanha ‘Todos contra a Poliomielite, realizada pela AACD,  com o objetivo de alertar a população brasileira sobre os riscos do retorno da poliomielite ao Brasil e a importância da vacinação infantil.

Realizada com apoio da Sanofi, a ação é composta por uma série de seis vídeos ao longo do ano com depoimentos de especialistas e pacientes que convivem com sequelas da doença para relembrar gerações antigas e informar a população mais nova sobre a importância da prevenção.

AACD foi fundada em 1950 devido a um surto de poliomielite e, desde então, é referência em Ortopedia e Reabilitação, assim como agente vocal no incentivo à vacinação e na defesa dos direitos das pessoas com deficiência física. A campanha pode ser acessada no canal do youtube da AACD.  É possível assistir aos vídeos, que já foram publicados, da campanha neste link.

Também para marcar a data, as fachadas dos edifícios e das cúpulas do Congresso Nacional exibirão, entre 18h e 22h desta terça-feira (24/10), projeções com frases e imagens referentes ao Dia Mundial de Combate à Poliomielite. As frases projetadas no conjunto arquitetônico buscam estimular a vacinação e conscientizar para a necessidade de eliminação da doença, que é contagiosa e não tem cura, como “Vacina salva vidas”,  “Juntos, combatemos a pólio”, “Pólio zero”, “Entre em ação: elimine uma doença para sempre” e “End pólio now”.

 

Das benzedeiras aos negacionistas antivacina

Paulinho se lembra de relatos da mãe de que inúmeras crianças no entorno também tiveram pólio. A falta de informação na época, em 1977, fazia com que muitas famílias buscassem benzedeiras na ausência de outros recursos, dando ainda mais tempo para agravamento dos casos e disseminação do vírus.

“Até os 8 anos de idade, eu andava de quatro `pés`. Passei por algumas cirurgias e sessões de fisioterapia e meu pai era quem fazia todas as minhas muletas. Quando eu estava na escola e os meninos iam escalar um time de futebol, lá estava eu! Eu não fiquei concentrando no que me faltava e sim no que me fartava. Hoje eu sou músico, trabalho com o que eu amo e celebro a vida.”, contou Paulinho.

O músico se tornou um combativo defensor da vacina contra a poliomielite. “Sempre que eu posso, falo para as pessoas se vacinarem, porque é um ato de amor. Mesmo celebrando a vida, se me perguntassem se eu escolheria ter a pólio, eu diria que não. Vacinem seus filhos, poupem de sofrimento”, completou.

O maior desafio, segundo ele, foi durante a pandemia de Covid-19, quando explodiram as fake news em torno da eficácia das vacinas.

Eu sempre fui a favor das vacinas, mas confesso que nunca fui panfletário em relação a elas até a pandemia de covid-19, que a gente viveu. E também, em pleno século 21, com o risco de a pólio voltar e o risco de outras doenças preveníveis por vacinas voltarem por conta da desinformação, movimentos antivacinistas, medos bobos.Não faz sentido nenhum, um pai ou uma mãe que ame seus filhos não os vacinarem”.

Cobertura vacinal em decadência

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1975, antes da vacinação generalizada, quase 6 mil crianças ficaram paralisadas nas Américas em razão da poliomielite. A doença foi eliminada no Brasil desde 1994, sendo que o último caso em território nacional foi registrado em 1989. Em 1994, o país recebeu da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) a certificação de área livre de circulação do poliovírus selvagem, em conjunto com todo o continente americano.

A vitória global sobre a doença com a vacinação fez com que o número de casos em todo o mundo fosse reduzido de 350 mil, em 1988, para 29, em 2018, segundo a OMS. O poliovírus selvagem circula hoje de forma endêmica apenas em áreas restritas da Ásia Central, enquanto, em 1988, havia uma crise sanitária internacional com 125 países endêmicos.

No entanto, com a queda da vacinação nos últimos anos, a Opas já considera muito alto o risco de reintrodução da doença no país diante da baixa cobertura vacinal contra a doença. Desde 2015, a cobertura vacinal contra a poliomielite no Brasil vem sofrendo quedas sucessivas. Em todo o país, a taxa ficou em 77,19% em 2022. O índice recomendado pela Opas é de 95%. Abaixo desse patamar, a população não pode ser considerada protegida.

Segundo o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), as doses previstas para a vacina inativada contra a pólio atingiram a meta pela última vez em 2015, quando a cobertura foi de 98,29% das crianças nascidas naquele ano. Depois de 2016, a cobertura entrou em uma trajetória de piora que chegou a 71% em 2021.

O percentual a que se refere a cobertura vacinal mostra qual parte das crianças nascidas naquele ano foi imunizada. Isso significa que não atingir a meta em sucessivos anos vai criando um contingente cada vez maior de não vacinados. Ou seja, se considerarmos os últimos dois anos, 29% das crianças nascidas em 2021 e 23% das nascidas em 2022 estavam desprotegidas. Como mais de 1,5 milhão de bebês nascem por ano no Brasil, somente nesses dois anos foram mais de 780 mil crianças vulneráveis a mais no país.

As coberturas nacionais também escondem desigualdades regionais e locais. Enquanto o Brasil vacinou 77% dos bebês nascidos em 2022, a cidade de Belém vacinou apenas 52%, e o estado do Rio de Janeiro, somente 58%.

Doença pode deixar sequelas graves

poliomielite é uma doença infectocontagiosa aguda que provocou surtos e epidemias em diversas partes do mundo no século XX. O poliovírus se multiplica, inicialmente, nos locais por onde ele entra no organismo (boca, garganta e intestinos). Os sintomas vão desde febre, dor de garganta, até náuseas, vômitos, constipação e dor abdominal.

Parte dos infectados, especialmente crianças com menos de cinco anos, podem sofrer com formas graves da poliomielite. Nesses casos, o vírus, após acometer o sistema nervoso e provocar a paralisia, mais comum nos membros inferiores.

A poliomielite é uma doença grave e mais conhecida como paralisia infantil, por deixar quadros permanentes de paralisia em pernas e braços, forçando parte dos que se recuperam a usar cadeiras de rodas e outros suportes para locomoção. A enfermidade também pode levar à morte por asfixia, com a paralisia dos músculos torácicos responsáveis pela respiração.

Durante os períodos mais agudos em que a doença circulou, crianças e adultos com casos graves chegavam a ser internados nos chamados “pulmões de aço”, respiradores mecânicos da época, dos quais, muitas vezes, não podiam mais ser retirados.

“Em 1988, havia mais de 350 mil casos de pólio no mundo. Crianças e adultos paralisados. Naquela época, o que era preciso fazer? Pegar uma vacina oral que pudesse vacinar milhões de pessoas em um prazo curto para acabar com aquele surto epidêmico. Eram muitos casos no mundo todo, uma tragédia”, contextualiza Luíza Helena Falleiros Arlant, presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil, Luíza Helena Falleiros Arlant.

será o Fim do Zé Gotinha?

Gotinhas podem ser substituídas por aplicação intramuscular

A facilidade de aplicação e o baixo custo contribuíram para que as gotinhas tivessem sido a ferramenta para o Brasil e outros países vencerem a poliomielite, explica Luíza Helena Falleiros Arlant. A comissão é uma entidade que existe no Programa Nacional de Imunizações (PNI) junto à Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Em 2023, o programa completa 50 anos.

A vacina utilizada no Programa Nacional de Imunizações (PNI) é produzida pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz).  O esquema atual da vacinação contra a pólio requer 5 doses da imunização: aos 2, 4, 6, 15 meses e 4 anos de idade, sendo as duas últimas pela Vacina Oral Poliomielite (VOP), comumente conhecida como a “gotinha”.

As gotinhas que eliminaram a poliomielite do país e entraram para a história da imunização e do Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil ganharam uma previsão de aposentadoria. O Ministério da Saúde anunciou que pretende substituir, gradualmente, a vacina oral (VOP) contra a doença pela aplicação intramuscular e inativada do imunizante (VIP), garantindo uma proteção ainda maior para os brasileiros.

A vacina contra a poliomielite passou por uma significativa atualização em seu esquema vacinal, e a partir do primeiro semestre de 2024 entrará em vigor um novo esquema atual da vacinação contra a pólio. As crianças que completarem as três primeiras doses da vacina irão tomar apenas um reforço com a VIP (injetável) aos 15 meses. A medida significa um importante avanço tecnológico para maior proteção.

O governo federal começará a orientar uma mudança nesse esquema, que deixará de incluir duas doses de reforço da vacina oral, substituindo-as por apenas uma dose de reforço da vacina inativada, aos 15 meses de idade. O esquema completo contra a poliomielite passará, então, a incluir quatro doses, aos 2, 4, 6 e 15 meses de idade.

A decisão de realizar essa alteração foi resultado de discussões e aprovação pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI), que avaliou cuidadosamente as novas evidências científicas que indicam a maior segurança e eficácia da versão inativada para aprimorar a proteção contra a poliomielite.

Apesar da novidade, o órgão fez questão de destacar que o Zé Gotinha, símbolo histórico da importância da vacinação no país, vai continuar na missão de sensibilizar as crianças, os pais e responsáveis, participando das ações de imunização e campanhas do governo.

Países de todo o mundo estão substituindo a vacina oral contra a pólio pela inativada (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Evolução da ciência

O sucesso obtido com a vacina oral fez com que a pólio fosse eliminada da maior parte dos continentes, mas pesquisas mais recentes, realizadas a partir dos anos 2000, mostraram que a VOP era menos eficaz e segura que a vacina intramuscular.

Em casos considerados extremamente raros, a vacina oral, que contém o poliovírus enfraquecido, pode levar a quadros de pólio vacinal, com sintomas semelhantes aos provocados pelo vírus selvagem.

“Crianças com desnutrição, com verminoses ou doenças intestinais podem ter interferências na resposta à vacina oral. Já a vacina inativada, não. Ela protege muito mais, sua resposta imunogênica é muito mais segura, eficaz e duradoura. Há uma série de vantagens sobre a vacina oral. Tudo isso não foi descoberto em uma semana, foram estudos publicados que se intensificaram a partir de 2000”.

Desde então, países de todo o mundo vêm substituindo gradativamente a vacina oral pela inativada, o que já foi feito por ao menos 14 países na América Latina. A meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a vacina inativada substitua a oral em todo o mundo até 2030.

A presidente da Comissão de Certificação da Erradicação da Pólio no Brasil acrescenta que a vacina inativada produz menos eventos adversos que a oral, e também traz maior segurança para a pessoa vacinada e para a coletividade.

Para compreender essa diferença, é preciso conhecer melhor o funcionamento dessas duas vacinas. A oral contém o poliovírus atenuado, isto é, ainda “vivo”, porém enfraquecido, de modo que não cause mais a doença. Já a vacina inativada recebe esse nome porque o vírus já foi inativado, “morto”, e não há mais chances de que possa sofrer mutações ou e se reverter em uma forma virulenta.

Estudos sobre o tema têm se intensificado a partir dos anos 2000, conta Luiza Helena, e constatou-se que o poliovírus atenuado que entra no organismo com a imunização pode sofrer mutações e voltar a uma forma neurovirulenta ao ser excretado no meio ambiente com as fezes. Já se tinha conhecimento dessa possibilidade, pondera a pesquisadora, mas hoje se sabe que ela é mais frequente do que se acreditava.

Hoje a gente sabe que o vírus mutante eliminado pelo intestino pode acometer quem está do lado, e, se essa pessoa não estiver devidamente vacinada, ela pode ter pólio”, afirma.

Ela acrescenta que alguns fatores contribuem para elevar esse risco, como as baixas coberturas vacinais contra a poliomielite nos últimos anos e a existência de populações sem saneamento básico, o que pode provocar o contato com esgoto ou água contaminada por fezes que contêm poliovírus selvagens ou mutantes.

Segundo a pesquisadora, é importante ressaltar que, enquanto houver poliomielite no mundo, todas as pessoas estão sob risco de adquirir a doença.

“Os vírus da pólio circulam e podem acometer qualquer pessoa. Se essas pessoas, especialmente crianças, não estiverem devidamente vacinadas com uma vacina eficaz, preferencialmente inativada, não estarão imunes e podem ter a doença. Mesmo que haja um contato com o vírus, vacinados não desenvolvem a doença”.

Veja o que dizem especialistas sobre a importância da vacina

Dra. Sheila Homsani – Diretora Médica de Vacinas na Sanofi Brasil

Quem está vacinado com todas as doses recomendadas,  está protegido. Por isso, é tão importante lembrar à população de que a poliomielite é uma doença prevenível por vacina e que para adquirir essaproteção, basta procurar por um dos postos de saúde espalhados por todo o Brasil. Não é porque não estamos mais vendo a doença no Brasil que não existe risco.  Portanto, para minimizar este risco, se você é pai, mãe ou responsável por uma criança,  a proteja, levando para tomar a vacina contra a pólio. Essa precisa ser uma luta de todos nós.

Dr. Akira Homma – Assessor científico sênior de Bio-Manguinhos e coordenador do Projeto Pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais

“O Brasil obteve a eliminação da poliomielite há 34 anos, em 1989, mas somos vítimas do nosso próprio sucesso. Como as novas gerações não viram as mortes e sequelas deixadas pela doença, a população tem uma baixa percepção dos riscos que ela representa. Isso, entre outros fatores, gerou uma queda nas coberturas vacinais. É preciso retomar estas coberturas para que nem a pólio e nem outras doenças imunopreveníveis voltem a ser uma ameaça em nosso país”.

Dra. Alice Rosa Ramos – Médica fisiatra e superintendente de Práticas Assistenciais da AACD 

“Quando a AACD foi fundada em 1950, a vacina não existia e por isso houve uma grande demanda, na época, de crianças com necessidade de reabilitação. Até hoje, recebemos adultos e idosos, que contraíram a doença na infância, e são pessoas com deficiência física que precisam de um tratamento especializado. O ato de não vacinar deve ser seriamente reavaliado por parte dos pais e responsáveis, pois isso deixa a criança vulnerável a uma doença que pode levar à morte ou gerar sequelas que ela terá que carregar por toda a sua vida”.

Com Agência Brasil e Assessoria da Sabin

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