Estêvão Nunes, pesquisador da Fiocruz

De cada dois pacientes de febre amarela que chegam aos hospitais, um morre em poucos dias por conta da agressividade da doença no organismo, que costuma atacar rim e  fígado e matar em poucos dias. Muitas vezes, os familiares só têm a confirmação do diagnóstico semanas depois de enterrar seus mortos. Mas uma esperança pode mudar esta triste realidade, em meio à epidemia de febre amarela que castiga Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, e ao risco de reurbanização da doença nas grandes metrópoles. A partir de semana que vem, a Fiocruz inicia oficialmente um estudo clínico para testar o uso do Sofosbuvir – um medicamento usado para tratar hepatite C – no combate aos casos graves de febre amarela. O anúncio foi feita nesta quinta-feira (1), durante Oficina sobre Febre Amarela para Jornalistas, realizada na Fiocruz e do qual Vida & Ação esteve representado por sua editora Rosayne Macedo.

A meta é realizar o estudo com 60 a 120 pacientes e para isso será necessário autorização dos familiares, já que o medicamento não é autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A medida está sendo tomada como recurso emergencial para tentar reverter a alta letalidade da doença, que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) chega a 50% nos casos que chegam à fase tóxica – quando o vírus toma a corrente sanguínea e compromete outros órgãos. No Rio de Janeiro, de cada 10 casos, 4,5 vão a óbito. “A situação é dramática, essa doença é desesperadora”, disse o médico infectologista Estêvão Portela Nunes, vice-diretor de Serviços Clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Estudo anterior já havia indicado que o medicamento poderia ter efeito benéfico para tratar pacientes com o vírus zika.

Remédio chega a custar R$ 85 mil

Produzido pela farmacêutica Gilead com a marca Sovaldi, o Sofosbuvir chega a custar R$ 85 mil nas farmácias (o pacote com 28 comprimidos), mas um consórcio com o fabricante deverá permitir a produção do medicamento na Biomanguinhos. Testes em laboratório, realizados no Centro de Desenvolvimento Tecnológico da Fiocruz, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), demonstraram eficácia contra o vírus da doença em células e camundongos, mas os resultados ainda não foram publicados. De qualquer forma, apenas com o estudo clínico em pacientes é que pode ser comprovado o efeito do medicamento no organismo humano.

O uso do Sofosbuvir em caráter “off label” (sem autorização da Anvisa) vem sendo empregado com relativo sucesso entre pacientes assistidos pelo INI/Fiocruz, no Rio de Janeiro. Até o momento, 13 pessoas usaram o medicamento. Em um dos casos, de um paciente de Juiz de Fora (MG), o quadro foi revertido com relativo sucesso. (Veja a história do paciente mineiro que teve alta após medicação) “Não podemos ainda afirmar que foi por causa do Sofosbuvir, mas a balança já se inclina para um benefício, indicando melhora nos sintomas e diminuição da evolução hepática em alguns casos. Precisamos de mais dados, por isso a importância desse estudo clínico”, afirmou Nunes.

Diagnóstico precoce é fundamental

Ainda segundo ele, a proposta é usar o medicamento principalmente nos primeiros dias da contaminação pelo vírus, no máximo uma semana. “Não podemos comer mosca. Quanto mais precoces (os casos), mais chances. Estamos esperançosos, se conseguirmos pegar os casos mais precocemente (de três a quatro dias)”, aposta. Para isso, o diagnóstico precoce é fundamental. Entretanto, identificar um caso de febre amarela não tem sido fácil e é necessário ainda investir em capacitação de médicos. Muitas vezes, os casos suspeitos são confundidos com dengue e zika, devido ao risco de hemorragias que é comum nesses quadros, e também com leptospirose e a própria hepatite C ou outras doenças hepáticas, com sintomas semelhantes. O diagnóstico é feito inicialmente pelo exame chamado PCR e depois, com testes sorológicos.

Por isso, a Fiocruz também estuda meios de capacitar os médicos que realizam o atendimento na ponta aos pacientes que chegam com sintomas de febre nas emergências e rapidamente evoluem para um quadro infeccioso grave. “É uma mistura de envenenamento, septicemia (infecção generalizada), malária, pancreatite e outras catástrofes infecciosas. A dengue hemorrágica é pinta perto da febre amarela”, disse o médico. Ainda segundo ele, “na febre amarela grave, a evolução é trágica e fica uma sensação de inutilidade” na equipe médica. Por isso a necessidade urgente de desenvolver estratégias de tratamento que sejam aliados para combater melhor a doença. “Temos a sensação que esta epidemia está mais violenta, com quadros mais graves e mais superdimensionados do que os apresentados em 2017”, sugere Nunes.

Ela explicou que em média, de três a seis dias após ser picado pelo mosquito transmissor da febre amarela, o vírus circula no sangue do paciente. Em até 48 horas depois deste tempo de incubação, em que o organismo está desenvolvendo anticorpos para combater o vírus, pode se iniciar o período de intoxicação, quando, então, atinge outros órgãos, provocando falência hepática, insuficiência renal e fenômenos hemorrágicos, o que indica a gravidade da doença, podendo levar rapidamente à morte. “Nos casos em que ocorre insuficiência renal, a mortalidade é acima de 90%”, destaca.

Mais sobre a pesquisa

Normalmente, o processo de pesquisa de novos medicamentos leva entre 7 e 8 anos até os testes clínicos. No Brasil, o período tem sido encurtado para 3 ou 4 anos, ou até menos. A previsão é que ainda este ano o estudo clínico esteja concluído e seja publicado. O transplante hepático, também tem sido um novo recurso  terapêutico usado nos pacientes muito graves, com falência do fígado. O primeiro ocorreu em São Paulo.

O estudo clínico com pacientes, após termo de esclarecimento assinado por suas famílias, é realizado em parceria com a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro e envolve seis hospitais no estado, como o Hospital Federal dos Servidores do Estado, para onde são levados os casos graves da doença. Os outros são Hospital Evandro Chagas (INI), Instituto Estadual de Infectologia São Sebastião, Hospital Universitário Antônio Pedro (UFF), Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do Fundação) e Hospital Universitário Pedro Ernesto (Uerj). Em Minas Gerais, participa também do estudo o Hospital Eduardo Menezes (MG).

 

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