Em tempos de fake news e falsas ‘narrativas’, muitos extremistas de direita insistem em mentir que não planejavam um golpe quando violentamente invadiram e depredaram símbolos da nossa democracia em 8 de janeiro de 2023, em Brasília. A pretexto de ‘liberdade de expressão’, no dia a dia, muita gente se sente à vontade para mentir, caluniar, difamar. Doentes ou criminosos?

Nesta segunda-feira (1) é celebrado o Dia da Mentira, data anual em alguns países europeus e ocidentais em que é comum compartilhar histórias inusitadas, criar situações fantasiosas e pregar peças nos amigos. Quem nunca, não é mesmo?! Mas e quando o hábito de mentir se torna uma doença? Afinal, quando uma mentira se torna crime?

Práticas aparentemente inofensivas, com brincadeiras e pegadinhas, em alguns casos, ultrapassam os limites legais e ferem o Código Penal Brasileiro. A liberdade de expressão, embora constitucionalmente assegurada, não é absoluta e encontra limites claros no respeito à honra, à dignidade e à imagem das pessoas.

mentira, ainda que dita em tom de brincadeira, torna-se inaceitável no momento em que passa a causar danos concretos à reputação ou integridade moral de alguém, configurando, assim, crimes contra a honra”, diz o advogado criminalista Vinícios Cardozo, do GMP|G&C Advogados Associados.

Onde começa o hábito de mentir?

Especialistas em saúde mental afirmam que a mentira pode ser motivada por vários fatores, como evitar conflitos, proteger-se de uma situação embaraçosa ou buscar aceitação em algum grupo.

Existem diversas razões que levam alguém a mentir, desde a busca por aprovação social até traumas emocionais. Muitas pessoas mentem por um desejo de aprovação social porque percebem que estão fora de um contexto e querem se encaixar”, diz a psicóloga Irenilza Moura, da Hapvida.

Outro fator relevante são os padrões de comportamento aprendidos. Estudos indicam que as crianças começam a mentir em torno dos 3 a 4 anos, quando passam a entender a distinção entre a realidade e a imaginação. Mentir pode inicialmente ser uma forma de lidar com situações sociais complexas, mas se não receber orientação, esse comportamento pode se tornar uma estratégia comum para evitar consequências ou obter vantagens.

Crianças que crescem em ambientes onde a mentira é frequente podem adotá-la como um hábito natural na vida adulta. Há também aspectos evolutivos envolvidos: algumas pessoas começam com pequenas mentiras e, com o tempo, desenvolvem o hábito de enganar de maneira sistemática”, pontua a especialista.

Por que as pessoas mentem?

Segundo Cristiane Romano, doutora em expressividade, “mentir é uma prática comum que pode surgir de várias motivações, incluindo a necessidade de acessibilidade social, medo de exclusão ou um desejo de manipular a percepção dos outros”.

De acordo com estudos da American Psychological Association. cerca de 60% das pessoas afirmam que mentem regularmente, seja para evitar conflitos ou por razões pessoais. Isso se torna um padrão que pode toxificar as interações e criar desconfiança. 

Para a psicanalista Rachel Poubel, identificar o fator patológico é importante para mostrar que há a existência de algo com o qual as pessoas lutam. E ao fornecer um diagnóstico haverá mais benefícios do que danos.

mentira no contexto emocional traz diversos problemas como a perda da confiança nos relacionamentos, isolamento social, problemas profissionais e até agravar quadros de ansiedade e depressão quando a pessoa é descoberta. Mas então, por que a pessoa mente?

A mentira traz benefícios para pessoa que conta mentiras, não que isso seja realmente um benefício, mas acomete pessoas com baixa autoestima e necessidade de aceitação e atenção na maioria das vezes, por isso a pessoa mente”, diz Rachel.

 

Mentira patológica tem até nome: entenda o que é mitomania

Mentir vai muito além das brincadeiras dessa data e pode ter impactos profundos na saúde mental e física, podendo estar associado a transtornos psicológicos. Pode até ser um hábito socialmente aceitável em algumas situações, mas quando se torna compulsivo e incontrolável, pode indicar um transtorno psicológico.

Quando se transforma em uma prática crônica, pode gerar danos na vida adulta, incluindo dificuldades de relacionamento, problemas de confiança e, em casos extremos, transtornos de personalidade, como a mitomania ou pseudologia fantástica. 

Trata-se de uma condição psicológica na qual a pessoa mente de maneira recorrente e sem necessidade, muitas vezes acreditando nas próprias invenções. É uma compulsão ou hábito patológico de mentir, em que a pessoa cria histórias falsas ou distorce a realidade.

É diferente de mentiras ocasionais que geralmente são usadas para sair de alguma situação.  Neste caso é preciso tratamento com terapia para identificar os gatilhos das mentiras, criar uma consciência dos impactos prejudiciais desse comportamento e a importância da honestidade nos relacionamentos”, esclarece a psicanalista Rachel Poubel.

Como identificar a mentira patológica

Então, qual é a diferença entre alguém que mente ocasionalmente e um mentiroso patológico? É apenas a frequência com que mentem ou as causas e motivações são diferentes? Estudos indicam que o critério para mentira patológica é pessoas que contam uma quantidade excessiva de mentiras e isso prejudica, traz sofrimento e representa algum tipo de risco, de perigo para si mesmas ou para os outros.

Diante do contexto atual em que a desinformação é uma fonte crescente de conflito, seja ele interno ou externo, a Dra. Cristiane e a psicanalista Rachel reforçam a importância de saber identificar um possível problema e procurar ajuda especializada.

Cada vez que uma pessoa mente, ela se afasta da comunicação autêntica, e desenvolve uma máscara que pode levar a complicações emocionais maiores. É importante entender os sinais de que alguém pode estar mentindo, como inconsistências no discurso e linguagem corporal fechada”, explica a Dra. Cristiane.

Segundo a psicóloga Irenilza, a condição pode ocorrer isoladamente ou estar associada a transtornos, como o de personalidade antissocial, o histriônico e o narcisista ou à síndrome de Munchausen (quando alguém finge estar doente para chamar atenção). O principal sinal de alerta é quando a pessoa continua mentindo mesmo diante de consequências negativas, prejudicando sua vida pessoal, profissional e social.

Entenda os efeitos do ato de mentir na saúde física e mental

Psicóloga  explica o impacto da mentira e quando o hábito se torna um transtorno

mentira afeta tanto quem a conta quanto quem é enganado. Para quem mente, o estresse e a ansiedade se tornam comuns, pois a pessoa vive em estado de alerta, com medo de ser descoberta. Isso pode gerar sentimentos de culpa e vergonha, além de impactar a autoestima. “Pessoas que mentem frequentemente têm dificuldade em estabelecer relações autênticas e saudáveis, o que pode levar ao isolamento social”, aponta a psicóloga.

mentira não afeta apenas a nossa mente, mas também o corpo. Quando um indivíduo mente, o sistema nervoso entra em estado de alerta, aumentando a produção de níveis de cortisol, considerado o hormônio do estresse. Esse efeito pode levar o aumento da frequência cardíaca, pressão arterial, tensão muscular e até problemas digestivos.

Mentir constantemente pode gerar impactos físicos significativos, pois o corpo reage a esse estado de tensão contínua”, afirma Irenilza.  Assim, além dos prejuízos emocionais, a mentira pode contribuir para o desenvolvimento de problemas de saúde a longo prazo.

Já para quem é vítima de uma mentira, as consequências podem ser igualmente prejudiciais. A perda da confiança, a insegurança e o desenvolvimento de transtornos como ansiedade e depressão são efeitos comuns. Em casos mais graves, a desconfiança gerada por experiências passadas pode prejudicar relacionamentos futuros, resultando em dificuldades emocionais duradouras.

Como se livrar da compulsão por mentir

Para aqueles que sentem dificuldade em controlar a compulsão por mentir, o primeiro passo é reconhecer o problema. Para Irenilza o autoconhecimento é essencial para entender os gatilhos emocionais que levam à mentira e buscar maneiras mais saudáveis de se expressar.

Ela destaca que o apoio emocional de pessoas de confiança pode ser fundamental nesse processo. Além disso, buscar ajuda profissional, como terapia psicológica, pode auxiliar na identificação e no tratamento das causas subjacentes da compulsão pela mentira.

A comunicação, fundamental para nossas relações interpessoais, é profundamente afetada pela mentira. Quando a verdade é distorcida, os laços de confiança se rompem, levando a mal-entendidos e conflitos mais profundos.

 

Cuidar da nossa forma de se comunicar e construir a consciência do certo e errado que se perdeu pelos problemas emocionais que ocasionam essa mentira patológica é essencial para construir relações saudáveis ​​e evitar tensões”, concluem.

A Dra. Cristiane também oferece dicas para melhorar a comunicação e reduzir casos de desinformação em interações diárias:

  1. Pratique a transparência : estabeleça um ambiente onde a honestidade é valorizada, facilitando a troca aberta de informações.
  2. Escute ativamente : demonstrar interesse genuíno nas opiniões e sentimentos dos outros, promovendo um diálogo construtivo.
  3. Conscientize-se dos seus próprios motivos : antes de comunicar qualquer informação, reflita se há algum desejo de distorcer a verdade e por quê.
  4. Foque na empatia : considerar como suas palavras podem variar entre si, criando uma comunicação mais compassiva e honesta.

Calúnia, injúria ou difamação: entenda as diferenças

O advogado criminalista Vinícios Cardozo  explica em detalhes os crimes praticados por quem usa de mentira para atacar seus adversários. “Entre esses crimes, destacam-se principalmente a calúnia, a difamação e a injúria, e é essencial compreender as diferenças entre eles”, ressalta.

A calúnia (art. 138 do Código Penal) ocorre quando alguém atribui falsamente à outra pessoa a prática de um crime, sabendo que essa acusação não é verdadeira. A pena prevista é de detenção de seis meses a dois anos, além de multa. Já a difamação (art. 139 do Código Penal) consiste em atribuir a alguém um fato ofensivo à sua reputação, mesmo que este fato seja verdadeiro.

O que importa é que tal atribuição prejudique a imagem social ou profissional da vítima perante terceiros”, detalha Cardozo. A pena para difamação é de três meses a um ano de detenção, acrescida de multa.

A injúria (art. 140 do Código Penal) caracteriza-se pela ofensa direta à dignidade ou ao decoro da vítima, sem necessidade de divulgação a terceiros. Trata-se de uma agressão moral direta entre ofensor e vítima, cuja pena é semelhante à da difamação: três meses a um ano de detenção e multa.

No contexto digital atual, esses crimes contra a honra têm se tornado cada vez mais frequentes, especialmente em razão do uso das redes sociais e aplicativos de mensagens instantâneas, nos quais informações falsas ou ofensivas rapidamente ganham grande alcance e repercussão.

Justamente por isso, o Código Penal prevê uma circunstância majorante específica para situações em que a ofensa é praticada por meio que facilite sua divulgação ou permita que atinja um número indeterminado de pessoas, como é o caso das redes sociais, da internet, da imprensa ou de outros meios de comunicação em massa”, avalia o advogado.

Prevista no artigo 141, inciso III do Código Penal, ela eleva a pena dos crimes contra a honra em um terço, reconhecendo que a utilização de meios amplos potencializa o dano moral e intensifica a gravidade do crime praticado.

Nestes casos, é imprescindível que a pessoa atingida busque assistência jurídica imediatamente. O prazo para ingressar com uma queixa-crime é de até seis meses após o conhecimento da ofensa. Paralelamente à ação penal, a vítima também poderá pleitear judicialmente uma indenização por danos morais na esfera cível, como forma de reparação adicional pelos prejuízos sofridos”, completa o especialista.

Com Assessorias

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