Além do risco de se contaminarem com o coronavírus, existe um outro inimigo oculto e devastador que está causando exaustão física e emocional entre os profissionais de saúde: a Síndrome de Burnout. Um levantamento mostrou que no pico da Covid-19 no ano passado, 85% dos participantes da pesquisa já apontavam exaustão física e emocional. Este ano, 90% deles relatam ver colegas cansados.

A pesquisa foi realizada em dois momentos, por meio de 41 perguntas, distribuídas pelo cadastro e mídias sociais da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB), com apoio da Federação Mundial de Cuidados Críticos e Intensivos e em conjunto com outras sociedades.

Ao todo, 991 pessoas participaram na fase 1, em junho de 2020, e 1.345 na fase 2, em março de 2021. Com esses dados é possível analisar as percepções e preocupações entre os profissionais de saúde brasileiros que cuidam de pacientes com Covid-19 em estado grave, explica a AMIB.

A função de “intensivistas” também exige qualificação muito maior e faltam profissionais qualificados. O resultado é ainda mais sobrecarga de trabalho. As longas jornadas de trabalho, muitas vezes sem direito ao descanso necessário e merecido para se revigorar.

Cuidamos das pessoas, mas a população não cuida da gente’

Para Andrea Beltrão, infectologista da Pró-Saúde e com atuação no Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência (HMUE), em Ananindeua (PA), o cenário da doença em todo Brasil poderia ser melhor se todos respeitassem as medidas de enfrentamento à pandemia divulgadas por todos os órgãos de saúde. 

É muito triste para nós ver que muitas pessoas andam sem máscaras, visitam festas, se reúnem com amigos em um momento que percebemos o aumento de casos em todo o país”, lamenta. 

No ano passado, o Hospital Metropolitano, unidade do Governo do Pará, gerenciado pela Pró-Saúde, se tornou referência no atendimento de pacientes com o novo coronavírus. Foram 20 leitos de UTI exclusivos para o tratamento dos pacientes.

Profissionais da saúde lamentam desrespeito da população


“Cuidamos das pessoas, mas a população não cuida da gente”. Esse é o desabafo da enfermeira do Metropolitano, Márcia Farias, diante da falta de conscientização da população e do aumento de casos da Covid-19. 

Ela completa ao dizer que é comum andar pelas ruas e ver pessoas sem o mínimo de proteção, que é a máscara. “Essas pessoas acham que a doença não é séria e na maioria das vezes são jovens. Para nós, da saúde, esse tipo de situação é muito triste”, afirmou. 

Durante três meses com atendimento exclusivo aos casos do novo coronavírus no HMUE, foram atendidos 184 pacientes com a doença, que contaram com auxílio de quase 100 colaboradores, entre médicos, enfermeiros, fisioterapeuta, psicólogos e serviços gerais. 

Entre esses profissionais está a fisioterapeuta Raiza de Araújo Nascimento, que atuou na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) voltada exclusivamente para o atendimento de casos graves da Covid-19. Para ela, a sensação de desrespeito aos que trabalham na saúde causa cansaço e ansiedade. 

“Vi pacientes saindo recuperados e outros que, infelizmente, perderam essa luta. Vi colegas que não resistiram e perderam suas vidas. Vejo também pessoas que não se importam com o próximo e não se cuidam. Ficamos tristes ao ver isso”, enfatizou. 

Josiete Nazaré Corrêa, 50 anos, é técnica de Enfermagem do hospital. “Esse momento causa muito estresse e essa sensação se intensifica quando vemos os noticiários de festas clandestinas, pessoas sem máscaras, praças cheias e a gente tentando salvar vidas”, acrescentou a colaboradora.

Síndrome de Burnout: o limite da exaustão

A pandemia trouxe estresse e cansaço, fatores que abalam o emocional e o psicológico dos profissionais de saúde. No Hospital Metropolitano de Urgência e Emergência foi criado o projeto “AcolhePsi”, com o intuito de fornecer suporte psicológico aos profissionais. O atendimento pode ser por telefone ou por meio virtual. 

Carlena Alho é psicóloga do Metropolitano e explica que a Pró-Saúde desenvolve continuamente ações para a melhoria do trabalho das equipes administrativas e assistenciais. “O colaborador é escutado e acolhido com intuito de promover a saúde mental e intervir em questões que possam prejudicar sua qualidade de vida e profissional”, ressalta. 

Carlena destaca que problemas relacionados ao trabalho podem desencadear a Síndrome de Burnout. Ela comenta que a doença ocorre quando a exaustão em relação ao trabalho é completa, física e mental. 

“Um dos maiores questionamentos é justamente o comportamento da população, que desrespeita as regras causando uma sensação de ‘enxugar gelo’ nesses profissionais”, conclui.  A ação funciona com medidas de proteção para evitar aglomerações, mas também visa atender, de uma forma mais dinâmica e humanizada, além de reservada, os profissionais que continuam a rotina de trabalho na unidade.

Mais sobre a Síndrome de Burnout

A Síndrome de Burnout foi identificada a partir das observações clínicas de Freudenberger, psicólogo alemão do início do século 20. A expressão em inglês “burn out” (ser consumido, queimado) era usada para expressar uma exaustão emocional gradual, um cinismo e a ausência de comprometimento. Para piorar, esta síndrome pode vir acompanhada de alguns outros transtornos psiquiátricos, como a depressão.

Os efeitos do Burnout podem ocorrer no campo individual (físico, mental, profissional e social), profissional (atendimento negligente e lento ao cliente, contato impessoal com colegas de trabalho e/ou pacientes/clientes) e organizacional, gerando conflito com os membros da equipe, rotatividade, levando ao absenteísmo.

Há quatro concepções teóricas baseadas na possível etiologia da síndrome: clínica, sociopsicológica, organizacional, sócio-histórica. Os sintomas são exaustão emocional (EE), distanciamento afetivo (despersonalização – DE), baixa realização profissional (RP) e depressão.

A exaustão emocional abrange sentimentos de desesperança, solidão, depressão, raiva, impaciência, irritabilidade, tensão, diminuição de empatia; sensação de baixa energia, fraqueza, preocupação; aumento da suscetibilidade para doenças, cefaleias, náuseas, tensão muscular, dor lombar ou cervical, distúrbios do sono.

O distanciamento afetivo provoca a sensação de alienação em relação aos outros, sendo a presença destes muitas vezes desagradável e não desejada. Já a baixa realização profissional ou baixa satisfação com o trabalho pode ser descrita como uma sensação de que muito pouco tem sido alcançado e o que é realizado não tem valor.

Síndrome de Burnout, também conhecida por síndrome de esgotamento profissional, entrou para a rotina da área de saúde em meio ao enfrentamento do novo coronavírus. Longas escalas de trabalho, preocupações e a difícil missão de salvar vidas tornou o dia a dia dos trabalhadores da saúde ainda mais exaustivo. Por isso, o tema foi discutido no primeiro dia de plenárias do Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp), promovido pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp).

Na palestra Burnout Inevitável: A exaustão dos profissionais de saúde no pós-Covid 19que contou com a participação de Lewis Kaplan, atual presidente da Society of Critical Care Medicine; Euripedes Miguel, professor titular da Universidade de São Paulo (USP)

Durante sua apresentação, Kaplan destacou a importância de compartilhar a carga das tomadas de decisões, atividade que ocasiona um desgaste muito grande em quem está na linha de frente. O médico ainda apresentou pontos importantes para detectar e ajudar profissionais que estão passando pelo burnout. “Se as pessoas com quem trabalhamos não se parecem mais as mesmas, é hora de agir. Independente do nome que se dá a está situação, as pessoas estão sofrendo, e é fundamental ajudá-las”, salientou o médico.

Professor titular da USP, Euripedes Miguel apresentou as ações de maior assertividade no combate ao burnout dos profissionais do Hospital das Clínicas, em São Paulo, como a criação do programa COMVC-19, com ações de promoção de saúde, prevenção e tratamento das reações ao estresse e transtornos mentais.

Síndrome de Burnout, também conhecida por síndrome de esgotamento profissional, entrou para a rotina da área de saúde em meio ao enfrentamento do novo coronavírus. Longas escalas de trabalho, preocupações e a difícil missão de salvar vidas tornou o dia a dia dos trabalhadores da saúde ainda mais exaustivo

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