O ser humano é um ser social, que já nasce precisando de colo, de acolhimento e de apoio. O ato de dar colo, desde os primeiros dias de vida, é muito mais que simplesmente tocar, envolve o olhar, o falar, o ouvir e a empatia com os outros membros da família. É essencial para a sobrevivência e correto desenvolvimento físico, psíquico e emocional das crianças.
Mas a necessidade do colo persiste por toda a vida e receber esse apoio é fundamental em todas as etapas da vida. A partir dos 4 anos, o colo pode vir em forma de palavras, abraços, carinho, solidariedade e empatia. Nos dias atuais, nos quais as pessoas estão cada vez mais estressadas, competitivas e muitas vezes sós, o colo vem se tornando cada vez mais necessário.
Este cenário tem trazido aos consultórios médicos, de diferentes especialidades, a importância de discutir a necessidade de oferecer e de saber receber o “colo”. Na véspera do Dia do Abraço (22 de maio), uma marca tradicional de medicamento para dor lançou no Rio de Janeiro uma campanha que incentiva o acolhimento por pais, amigos e familiares como instrumento de cura e bem-estar.
A Novalgina – marca quase centenária, com 96 anos no mercado brasileiro, destaca o poder do colo nos cuidados aos pacientes, associado ao tratamento medicamentoso. A roda de conversa sobre o poder do colo reuniu a pediatra Flor Fuks, a psicanalista Vera Iaconelli e a atriz Sheron Menezzes (foto).
A campanha ressalta que ter uma relação de verdade com alguém é contar com a disposição do outro em estar junto, nos bons e maus momentos. Ao dar remédio, a mãe, o pai ou o parente próximo demostram cuidado, amor e carinho, ou seja, colo em sua essência.
IMPORTANTE TAMBÉM PARA A SAÚDE MENTAL
Para Vera Iaconelli, psicanalista e diretora do Instituto Gerar, dar colo não é apenas importante ou necessário para a constituição subjetiva e para a saúde mental. A falta do colo pode prejudicar o desenvolvimento como um todo da criança, gerando distúrbios psíquicos, com consequências nas demais fases da vida.
Isto porque o colo é uma das primeiras formas de interação da criança com outro ser humano, que diferentemente dos outros mamíferos, precisa do contato físico e emocional para se humanizar. Esse processo passa pelo ato de ser segurado e manuseado, de ouvir e ser ouvido, de sentir o cheiro das pessoas à volta, de olhar e ser visto.
Considero o afeto e o acolhimento da família e dos amigos tão importantes quanto os tratamentos e medicamentos adotados para o processo de cura”, reforça a psicanalista.
Florência Fuks, pediatra da Clínica Conviva e do Hospital Israelita Albert Einstein, lembra que a pele é o mais extenso órgão do corpo e se desenvolve no embrião
juntamente com o sistema nervoso central, passando a ser, assim, um fundamental órgão modulador de estímulos.
Esta realidade biológica já deixa claro que o colo é uma necessidade primordial. “Nos primeiros momentos de vida, o bebê sequer reconhece o limite do próprio corpo e será a partir do colo, do toque, que essa sensação, essa dimensão se formará”, explica a pediatra.
QUANDO OS BEBÊS PEDEM COLO
Ela reforça que já há algum tempo ela tem pensado em fazer uma campanha “Pró-colo”, devido às dúvidas apresentadas nos consultórios há anos. “Quando o bebê pede colo, ele está precisando se estruturar por meio do contato com a mãe, o pai ou a pessoa mais próxima. O valor do colo e do acolhimento é muito maior do
que a necessidade de ensinar limites, deixando-o sentir a falta, neste momento inicial e fundamental.
A cólica, por exemplo, pode ser lida como uma solicitação de aconchego em uma fase de imaturidade e de dificuldade de organização do próprio bebê de forma autônoma. O mesmo ocorre com adolescentes, jovens e adultos em períodos de angústia, tristeza, desesperança e dor”, defende a Dra. Florencia.
Segundo Vera, estudos sobre este tema já são realizados há décadas e uma das referências no assunto é o Donald Winnicott, pediatra e psicanalista inglês, referência em estudos sobre a relevância do holding (abraçar, dar colo, sustentar) e do handling (manipular, manusear) para a constituição do psiquismo, desde o nascimento até a vida adulta.
Winnnicott é enfático ao relatar a importância da sustentação física e psíquica, devido ao seu trabalho de observação com mães e bebês, que lhe permitiu constatar os efeitos posteriores da qualidade do colo na vida de adultos e crianças. Com isso, ele corroborou as pesquisas de René Spitz, que demonstram que crianças tratadas em suas necessidades físicas e medicamentosas, porém desprovidas de afeto, sofriam com depressões e outras doenças psíquicas graves. Não basta alimentar, aquecer e limpar, o ser humano precisa de colo”, ressalta a psicanalista.
IMPORTANTE ATÉ NO COMBATE AO CÂNCER
A Dra. Florencia, por sua vez, pondera que “pessoas com diabetes, pressão alta, crises de estresse, ansiedade, depressão, problemas cardíacos, cânceres e outras
enfermidades têm de cuidar de questões orgânicas, imunológicas e genéticas, mas também de problemas paralelos frequentes, que exigem atenção, carinho, aconchego e empatia, bem como uma estruturação da dinâmica familiar, cuja influência pode ser decisiva no enfrentamento das doenças”.
Prova disto é que, quando adulto, se alguém aconchega a pessoa em momentos de doença ou necessidade, ela tem uma sensação de alívio enorme, pois todos precisam de colo e apoio nas mais variadas ocasiões, para se sentirem seguros e, simultaneamente, terem uma grande noção dos seus limites. “Um dos focos atuais da pesquisa pediátrica é o risco, os níveis e as consequências do estresse no desenvolvimento infantil.
Sem dúvida, o apoio familiar tem sido enfatizado como um dos fatores de proteção e uma ferramenta fundamental para a superação saudável de situações difíceis. “No entanto, o excesso de colo e proteção também inibem a construção de estratégias de enfrentamento pela própria criança”, explica a Dra. Flor.
A importância deste apoio, desde a infância, para o tratamento de situações de estresse excessivas foi constatada no estudo “Toxic Stress”, do Center on the Developing Children (Centro de Desenvolvimento Infantil), da Universidade de Harvard e reforçada no Manual da Sociedade Brasileira de Pediatria.
O COLO AO LONGO DA VIDA
“É claro que ao longo da vida vão sendo desenvolvidas diferentes formas de ‘dar colo’. O bebê necessita do colo efetivo, mas a criança de quatro anos, por exemplo, já pode se contentar com o aconchego de uma palavra, um olhar, um abraço. Para adolescentes, jovens e adultos, a escuta empática pode ser suficiente”, explica a Dra. Vera.
A psicanalista também esclarece que o colo é uma matriz que ajuda o sujeito a passar da dependência absoluta para a independência relativa, uma vez que os seres humanossempre precisarão uns dos outros, embora de formas bem diferentes. “Nunca prescindiremos do colo, mas ele se transforma ao longo da vida”, diz a psicanalista.
Conclusões do Estudo sobre Estresse Tóxico
O futuro de qualquer sociedade depende do desenvolvimento saudável das próximas gerações, que pode ser prejudicado pela ativação excessiva ou prolongada de sistemas de resposta ao estresse no corpo e no cérebro. Os cientistas classificam as respostas ao estresse sentidas no corpo em três tipos: positivas, toleráveis e tóxicas.
O estudo da Universidade de Harvard se concentra nos efeitos do estresse tóxico nas crianças, que pode ocorrer pela vivencia de adversidades fortes, frequentes e/ou prolongadas – como abuso físico ou emocional, negligência crônica, abuso de substâncias psicoativas ou doença mental, exposição à violência ou excesso de dificuldades econômicas familiares – sem devido apoio dos adultos.
O estresse tóxico pode gerar efeitos prejudiciais, que podem vir a ser sentidos durante todas as fases da vida, por que as respostas do organismo a esta agressão podem atrapalhar o desenvolvimento da arquitetura cerebral e de outros órgãos. Com isto, podem ficar comprometidas a aprendizagem, o comportamento e a saúde.
Uma das conclusões mais importantes deste estudo foi que quando os sistemas de resposta ao estresse são ativados em um ambiente com relacionamentos de apoio, o resultado é o desenvolvimento de respostas saudáveis da mente e do corpo ao estresse, pois a pessoa sente mais segurança e tranquilidade.
Diante das mesmas situações, porém com a ausência do acolhimento, com relações frágeis e desatenciosas, o resultado pode ser o dano e o enfraquecimento psíquico, prejudicando a arquitetura cerebral e repercutindo em todo o corpo ao longo da vida. Isto porque as capacidades cognitivas, emocionais e sociais são interligadas, pois o cérebro é um órgão altamente integrado e suas múltiplas funções operam em coordenação entre si.
O bem-estar emocional e a competência social fornecem uma base sólida para as habilidades cognitivas emergentes e, juntos, são os tijolos e a argamassa da arquitetura cerebral.
Fonte: Novalgina, com Redação