A gravidez na fase inicial da adolescência pode trazer consequências emocionais, sociais e econômicas tanto para a mãe, quanto para o pai e o recém-nascido, além de riscos à saúde. Esta é uma realidade muito próxima tendo em vista que, praticamente três em cada dez meninos e meninas iniciam a vida sexual entre 13 e 15 anos (PeNSE 2015). O resultado pode ser desde o risco de contrair uma infecção sexualmente transmissível até uma gravidez precoce. No Brasil, em 2018, 21.154 bebês nasceram de mães com menos de 15 anos de idade.

Apesar de o número estar caindo, essa redução só começou a ocorrer a partir de 2015, quando foram registrados 26.701 nascimentos. De lá para cá, a queda é de 27%, enquanto que na faixa etária de mães entre 15 e 19 anos a queda ocorre desde o ano 2000, chegando a uma redução de 40% (passando de 721,6 mil para 434,6 mil).  Para incentivar o debate, o Ministério da Saúde lançou nesta semana a campanha “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois”.

“Alguém tem que falar que tem consequências e procurar uma maneira de minimizar o problema. Estamos falando de comportamento. Alguém tem que levantar esse assunto, pois o nosso número é muito alto”, alerta o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. “Este é um tema transversal e exige esforços de todos, com abordagens para diferentes fases da adolescência”, completou Mandetta.

Para incentivar o debate sobre a gravidez precoce e os riscos e consequências, o Ministério da Saúde lançou a campanha “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois” na última segunda-feira (03). Promovida em conjunto com o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a proposta é despertar a reflexão e promover o diálogo entre os jovens e as suas famílias em relação ao desenvolvimento afetivo, autonomia e responsabilidade. A iniciativa faz parte da Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, que acontece até sexta-feira (7/2).

“A política é ampla. Nós precisamos olhar os números e saber as consequências. E para esse público (menor de 15 anos) é por meio da família e da escola, principalmente, que o diálogo deve existir”, enfatizou o ministro da Saúde.

DESAFIOS DE UMA GRAVIDEZ PRECOCE

Tatiane Rocha*, mora no Rio de Janeiro, e foi mãe aos 13 anos de idade. Na época, desconhecia métodos de prevenção. Ela recorda das dificuldades que enfrentou após a gravidez precoce. Uma das maiores adversidades foi a volta aos estudos. Tatiane não conseguiu voltar a estudar após duas gestações seguidas. “A minha gravidez foi de risco e a bebê nasceu prematura. Logo depois, engravidei da segunda, com 14 anos”, conta. Mesmo tendo vivenciado os desafios de engravidar durante a adolescência, ela lamenta não ter conseguido conversar com a filha sobre como se cuidar, que hoje, aos 13 anos, está grávida de quatro meses.

Eliene Silva também não sabia nada sobre métodos contraceptivos quando engravidou aos 14 anos. Por conta da idade, conta que sofreu preconceito e precisou parar de estudar. Aos 17 anos, foi mãe novamente. Com os filhos, sempre conversou sobre formas de se prevenir e evitar, inclusive, infecções sexualmente transmissíveis. “Tudo que eu não tive, eles tiveram”, destaca a moradora de Brasília que hoje está com 40 anos.

Tatiane e Eliene lembram que não contaram com a participação do pai do bebê na criação dos filhos e na responsabilidade de cuidar de outra vida. “Uma criança cuidando de outra”, descreve Eliene. Em ambos os casos, as avós deram o suporte necessário nesta fase. “Da mesma forma que minha mãe me ajudou, também vou ajudar minha filha”, afirma Tatiane.

No lançamento da campanha, Mandetta já alertava para a necessidade da paternidade responsiva. “A paternidade nesses casos é muito pouco exercida. Normalmente essas meninas ficam sozinhas com essas crianças. E essas crianças, muitas vezes, são cuidadas pelas avós. Nós temos um número enorme de famílias constituídas por avós que precisam assumir essas crianças”, apontou o ministro da Saúde.

IMPACTOS E CONSEQUÊNCIAS

A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 já apontava para a realidade de que 27,5% dos escolares brasileiros do 9º ano do ensino fundamental já tiveram relação sexual alguma vez na vida, representando cerca de 723,5 mil alunos. Nesta pesquisa, a maior parte dos estudantes (88,6%) tinha idade entre 13 e 15 anos, sendo que a metade tinha 14 anos.

Ao engravidar, muitas meninas abandonam os estudos. Cerca de 20% das adolescentes que engravidaram deixaram de estudar, segundo pesquisa do EducaCenso 2019 que contemplou cerca de metade das escolas públicas e privadas do país. Ao todo, 91.740 escolas responderam e informaram que, em 2018, 65.339 alunas na faixa etária de 10 a 19 anos engravidaram.

Outro estudo do Ministério da Saúde, chamado Saúde Brasil, indica uma das maiores taxas de mortalidade infantil entre mães mais jovens (até 19 anos), com 15,3 óbitos para cada mil nascidos vivos (acima da taxa nacional, de 13,4 óbitos). Isso porque além da imaturidade biológica, condições socioeconômicas desfavoráveis influenciam nos resultados obstétricos. Na faixa etária de 10 a 14 anos, a maior parte dos registros de gravidez está na região Norte (1,4% do total) e Nordeste (1,1%). Na outra ponta, os menores índices estão na região Sul (0,5%).

A gravidez no começo da adolescência apresenta, inclusive, mais riscos à vida da mulher, assim como a gravidez tardia. A Razão de Mortalidade Materna para a faixa etária de 10 a 14 anos foi de 66 óbitos para cada 100.000 nascidos vivos nessa faixa etária. A taxa total é 55,1.

Além disso, o código penal brasileiro classifica como crime a relação sexual com menor de 14 anos.

PLANO DE VIDA

Todo adolescente encontra no Sistema Único de Saúde (SUS), nas unidades de saúde da Atenção Primária, o acompanhamento, ligado ao seu crescimento e desenvolvimento, segundo Maximiliano Marques, diretor do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção Primária à Saúde. “O vínculo com as equipes da Atenção Primária à Saúde permite que os profissionais conheçam os jovens, conversem e orientem sobre o plano de vida de cada um, bem como o cuidado para a saúde sexual, saúde reprodutiva e o planejamento familiar”, destaca.

Quando se fala em gravidez na adolescência, a preocupação, normalmente, gira em torno da saúde da mãe e do bebê até o momento do nascimento da criança. Mas ocorre que, fatores psicológicos, sociais, financeiros e de saúde também circundam a vida de quem teve que lidar com uma gestação precoce e, posteriormente, criar filhos antes de chegar à vida adulta.

Brasil é líder em gravidez na adolescência na América Latina

Os últimos dados coletados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que compreendeu nascimentos ocorridos entre 2010 e 2015, apontou que o Brasil tem 68,4 bebês nascidos de mães adolescentes a cada mil meninas de 15 a 19 anos. O índice está acima da média latino-americana, estimada em 65,5.

Para avaliar como estão esses dados refletem nos dias de hoje, o site Trocando Fraldas elaborou um estudo com mães de todo o Brasil para identificar o impacto desses números. Apesar de um percentual de 35% das pesquisadas afirmarem ter engravidado na faixa dos 18 anos, um índice preocupante de 10% disse ter descoberto a gestação com 13 anos ou até antes.

Outros fatores que dizem respeito às consequências de uma gravidez precoce é o apoio e a continuidade no relacionamento com pai da criança após o parto. Uma margem de 50% das entrevistadas afirmou ter terminado o ensino médio depois de engravidar, entretanto, 63% não apontou a gravidez precoce como uma desvantagem profissional.

Mulheres que engravidaram aos 14 anos indicaram que não estão mais com o pai dos seus filhos, com uma média de 60%. Entretanto, a maioria das entrevistadas indicou que permaneceu com o relacionamento após a gestação.

estudo ainda apontou que 73% das mulheres disseram que os pais são participativos na criação. Das que responderam que a presença paterna não é tão predominante, a faixa etária das mulheres que foram mães aos 14 anos esteve em maior número. Mesmo assim, a maioria indicou que os pais são participativos.

Mulheres que engravidaram aos 14 anos indicaram, em maior número, que não estão mais com o pai dos seus filhos. Entre as que engravidaram com 13 anos, de acordo com o levantamento, 51% revelaram que já utilizavam anticoncepcional. Em contrapartida, das que engravidaram com 18 anos, apenas 31% faziam uso de algum método contraceptivo.

Mais casos em Alagoas

Uma informação já identificada por órgãos federais de pesquisa foi confrontada com o levantamento realizado. De acordo com informações levantadas pelo Departamento de Informática do SUS (Datasus), Alagoas é o Estado com maior número de grávidas adolescentes. Nos dados apurados pelo Trocando Fraldas, as alagoanas registraram uma média de gravidez na faixa etária dos 15 anos, ou seja, a menor média do estudo. O estado, por outro lado, também registra um dos maiores índices de analfabetismo do país, de acordo com o IBGE.

Para a ginecologista e obstetra Maíra de La Rocque, que também está se especializando em medicina fetal, os números são tão alarmantes que a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) criou, este ano, uma data de conscientização para a gravidez na adolescência, no dia 01/02. “A situação, além do impacto social, carrega maiores riscos para a saúde tanto da mãe, quanto do bebê. As meninas apresentam, por exemplo, maior risco para pré-eclâmpsia e eclâmpsia. Os bebês apresentam maior risco de prematuridade e mortalidade infantil, que é 50% maior em recém-nascidos de mães adolescentes”, pontua.

Para a obstetra, as consequências, se não ajustadas, podem fazer com que o problema seja recorrente e ainda mais grave. “Além dos impactos na saúde, a gravidez na adolescência também é responsável pelo aumento da taxa de abandono escolar, perpetuando um ciclo de baixa escolaridade, pobreza e desinformação, que podem fazer com que novas gestações na adolescência aconteçam”, finaliza.

Com Assessorias

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