Cega desde os 7 anos, devido ao glaucoma, Regina Fátima Caldeira de Oliveira é um exemplo ativo do impacto do Sistema Braille na vida das crianças. Ela realizou seu sonho de ler e escrever ao encontrar, ainda na infância, apoio e direcionamento para aprender o sistema de leitura tátil para pessoas com deficiência visual, que completa 200 anos em 2025 e cuja data mundialmente é celebrada neste dia 4 de janeiro.
O braille me trouxe a oportunidade de estudar e me profissionalizar. Ele foi e continua sendo uma porta aberta para o meu entendimento do mundo”, conta Regina. Após concluir seus estudos, ela decidiu que queria compartilhar o apoio que havia recebido.
Iniciou seu trabalho na Fundação Dorina como telefonista e foi crescendo na instituição, sempre com o apoio e incentivo da própria fundadora Dorina de Gouvêa Nowill, até tornar-se revisora braille. Ao longo dos anos, sua trajetória se consolidou, e hoje ela lidera a equipe responsável pela revisão de materiais impressos em braille, que tem a missão de primar pela qualidade e precisão das informações.
Meu trabalho hoje é garantir que outras pessoas tenham as mesmas oportunidades que eu tive, oferecendo a elas o acesso ao conhecimento e à informação”. conta Regina, que se tornou coordenadora da Revisão Braille da Fundação Dorina.
Ela também lidera iniciativas de formação de novos editores e revisores, treinando profissionais e disseminando a importância do braille na inclusão. Seu trabalho é fundamental para garantir que cada página impressa abra novas possibilidades para aqueles que utilizam esse sistema para a sua autonomia.
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O papel do braille na inclusão social
Sistema de leitura e escrita em relevo criado por Louis Braille, o braille foi um marco para a inclusão de pessoas cegas, permitindo o acesso à educação, cultura, lazer e mais autonomia. O o Dia Mundial do Braille, estabelecido pela ONU em 4 de janeiro, visa aumentar a conscientização sobre a importância do braille. a Fundação Dorina Nowill para Cegos reforça seu papel essencial na promoção da inclusão social e na continuidade do legado de Louis.
O braille não é apenas uma ferramenta de leitura e escrita; é um símbolo de inclusão e igualdade. Com iniciativas que unem tradição e inovação, fortalecemos o impacto do Sistema na vida de milhares de pessoas e garantimos um futuro mais inclusivo e acessível”, afirma Alexandre Munck, superintendente executivo da Fundação Dorina.
Ao longo desses dois séculos, o Sistema adaptou-se às mudanças da escrita e continua tendo grande importância, já que é a única forma de alfabetizar crianças cegas ainda na primeira infância. Em um mundo impulsionado por avanços tecnológicos, questiona-se a relevância do Braille. No entanto, mesmo diante das inovações, o Braille permanece uma ferramenta essencial para alfabetização e, consequentemente, leitura, escrita e aprendizado das pessoas cegas.
Ele não apenas proporciona independência, mas também serve como base para a inclusão digital, permitindo o acesso a dispositivos eletrônicos e a participação ativa na sociedade da informação. O Braille é indispensável, sendo o único sistema natural de escrita e leitura para aqueles que nascem cegos ou perdem a visão nos primeiros anos de vida”, reafirma Munck.
Acesso a livros em braille já no primeiro dia de aula
O Dia Mundial do Braille, celebrado em 4 de janeiro, é uma ocasião especial para a Fundação Dorina Nowill para Cegos, pois marca o aniversário de Louis Braille, o visionário criador do sistema de leitura tátil. Essa data não é apenas uma celebração do passado, mas uma oportunidade valiosa para destacar a importância contínua do Braille na vida das pessoas cegas e com baixa visão, além de ressaltar os esforços da Fundação na promoção da inclusão e autonomia.
A conscientização é essencial para projetos em parceria com órgãos públicos e, também, para empresas que buscam disseminar o Braille e destacar seu papel na independência e autonomia das pessoas com deficiência visual. Por isso, a colaboração da sociedade é crucial para superar esses desafios”, destaca osuperintendente executivo da Fundação Dorina.
Apesar da importância do braille, a sua produção enfrenta desafios, como a maior demanda por tempo e equipamentos mais caros, em comparação à impressão convencional. Para responder a essas necessidades, a Fundação Dorina tem investido em tecnologia e processos para otimizar a produção de materiais, garantindo a acessibilidade para um número crescente de pessoas.
Em 2025, ano do bicentenário da apresentação do Sistema Braille, a meta da fundação é que todos os estudantes cegos e com baixa visão tenham acesso imediato a seus livros no primeiro dia de aula.
A integração do Sistema com novas tecnologias é um desafio importante para garantir sua perpetuação. A utilização de softwares de audiodescrição, leitores de tela e outras inovações são fundamentais para complementar o Sistema e ampliar a inclusão digital. Mesmo com o crescimento dessas tecnologias, o braille continua a ser uma ferramenta insubstituível para a alfabetização.
Peças de lego auxiliam no ensino do alfabeto em braille
Desde o início das suas atividades, em 1946, a Fundação produz milhares de livros didáticos e literários distribuídos nacionalmente. Além disso, a instituição promove cursos de formação de educadores, conscientizando sobre a importância do Braille na verdadeira inclusão de crianças e jovens cegos.
Pensando em facilitar ainda mais o aprendizado de uma maneira lúdica e inclusiva, a Fundação Dorina, em parceria com a LEGO® Foundation, inovou em 2019 com o lançamento internacional do projeto LEGO® Braille Bricks, que capacita educadores e promove a alfabetização de maneira lúdica e inclusiva.
Nesta iniciativa, as peças de LEGO® apresentam o alfabeto braille e as respectivas letras e números impressos. Cada peça no kit do LEGO Braille Bricks mantém seu formato original, mas os relevos são correspondentes a números e letras do alfabeto braille, tendo também a impressão em tinta, permitindo que crianças com e sem deficiência visual brinquem e aprendam juntas.
O LEGO® Braille Bricks tornou-se um poderoso recurso no processo de alfabetização, inclusão e lazer de crianças com ou sem deficiência visual, entre 4 e 10 anos. O programa prevê a doação de kits e o curso de formação para uso do recurso pedagógico nas escolas, em parcerias com as Secretarias Municipais de Educação e com organizações.
Avanços e desafios na produção de materiais em braille
Responsável por um dos maiores parques gráficos braille em capacidade produtiva da América Latina, a Fundação Dorina Nowill para Cegos é referência na produção e distribuição de materiais nos formatos acessíveis braille, áudio, impressão em fonte ampliada e digital acessível, incluindo o envio gratuito de livros para milhares de escolas, bibliotecas e organizações de todo o Brasil.
Com investimento na modernização, desde a década de 1980, a Fundação Dorina utiliza tecnologia de ponta para aprimorar os processos de produção e impressão de textos em Braille, e, atualmente, possui um dos maiores parques gráficos da América Latina em capacidade produtiva, demonstrando seu compromisso com a eficiência e a disseminação do Braille.
A Fundação prioriza a qualidade na produção de textos em Braille, seguindo padrões nacionais e internacionais. As formações envolvem especialistas, e a produção baseia-se em documentos elaborados por entidades de renome. Profissionais e educadores capacitados desempenham um papel crucial na disseminação efetiva do Braille na sociedade.
Em 2023, a Fundação Dorina imprimiu mais de 14 milhões de páginas em braille, o que representa a produção editorial de aproximadamente 250 mil páginas. Recentemente, foi também responsável pela impressão do primeiro álbum de figurinhas acessível do Campeonato Brasileiro, um projeto inovador que contribui para a inclusão cultural no país.
Palavra de Especialista
200 anos de Louis e de Luz!
Por Regina F. C. de Oliveira*
Sentada confortavelmente numa poltrona, leio um livro que ganhei de presente de aniversário! Minhas mãos planam pelas páginas que, para os que enxergam, parecem estar em branco.
Numa fração de segundos, pontos se convertem em símbolos, símbolos se conectam formando palavras, palavras se juntam formando frases, estas se unem e, por meio dos meus terminais nervosos, chegam à minha mente, ao meu coração e ao meu espírito, inundando-os de uma emoção intraduzível.
Nasci com aquela que, para muitos, é considerada a mais cruel de todas as deficiências. Talvez assim seja, uma vez que, segundo dizem, mais de 80% de tudo o que está fisicamente no mundo só pode ser captado pela visão.
Felizmente, aquela menininha de 8 anos de idade, cujo maior sonho era aprender a ler e escrever, ainda não tinha recebido esta informação. Então, quando um anjo chamado Elza lhe apresentou uma reglete e um punção e, pouco tempo depois, lhe entregou um cartãozinho com algumas palavras que ela leu quase chorando de emoção, soube que chegaria aonde quisesse chegar!
Os livros didáticos me traziam palavras e ideias novas, mostravam mapas de lugares distantes que eu não veria, mas cuja forma e localização registraria, me davam autonomia para resolver cálculos, contavam fatos que me ajudavam a entender o mundo… E mais: descreviam animais, vegetais e minerais, reproduziam monumentos e obras de arte e, assim, fui crescendo, recebendo pelo tato o conhecimento que meus colegas recebiam pela visão.
E porque adorava ler, visitei sozinha castelos e florestas encantadas, conheci princesas, fadas e duendes, escondi-me na ilha de Robinson Crusoé, brinquei com o Pequeno Príncipe, passei férias maravilhosas no Sitio do Picapau Amarelo..
Já adulta, a leitura me guiou pela Europa de Shakespeare, pelo Rio de Janeiro de Machado de Assis, pelo Rio Grande do Sul de Veríssimo, pela África de Mia Couto e por mil outros lugares que nunca vi, mas que explorei com mãos ágeis, curiosas e emocionadas…
E por tudo isso, minha escolha profissional não poderia ter sido outra a não ser aquela que me permitisse continuar conhecendo o mundo, tecendo a vida e levando a crianças e jovens cegos a oportunidade de transformar mais de 80% de desvantagens em uma porcentagem incalculável de superações, descobertas e conhecimentos.
Hoje, as novas tecnologias me proporcionam momentos de cultura, lazer, interatividade, informação e muito mais! Todavia, estou convicta de que só me foi possível transpor os portais desta nova era graças à Luz de Louis!
E é com este singelo texto que homenageio os 200 anos do Sistema Braille, na esperança de que ele continue chegando às mãos de todos aqueles que dele precisam para que possam, como eu, viver com independência, autonomia e dignidade e ser protagonistas de suas próprias histórias!
*Regina F. C. de Oliveira é coordenadora da Revisão Braille da Fundação Dorina
Um legado centenário: Dorina de Gouvêa Nowill e sua missão de inclusão
Dorina de Gouvêa Nowill, que dá nome à fundação, nasceu em São Paulo no dia 28 de maio de 1921 e perdeu a visão aos 17 anos em decorrência de uma doença não diagnosticada. Com muita determinação, se dedicou a uma missão: dedicar-se a tornar o mundo mais acessível e inclusivo, buscando proporcionar uma vida digna a essas pessoas.
Foi pioneira como pessoa cega ao frequentar um curso regular na Escola Normal Caetano de Campos, no centro da capital paulista. Nele, desenvolveu um método de ensino, constituído de estágios, que foi posteriormente integrado na instituição e dedicado às crianças cegas e com baixa visão.
Durante sua formação, notou a carência, no Brasil, de livros no sistema de escrita e leitura em braille. Com um grupo de normalistas criou a, então, Fundação para o Livro do Cego no Brasil, que iniciou suas atividades em 11 de março de 1946.
Presidente emérita e vitalícia da Fundação, Dorina conviveu durante 74 anos com a cegueira e fez disso sua missão de vida. Perseverança, caridade, resignação e paciência foram algumas das lições praticadas e deixadas por esta paulista que enxergava o mundo com os olhos da alma. Falecida em 29 de agosto de 2010, marcou sua trajetória como um exemplo inspirador de como a determinação e a compaixão têm o poder de transformar vidas de maneira extraordinária.
Vencer na vida é manter-se de pé quando tudo parece estar abalado. É lutar quando tudo parece adverso. É aceitar o irrecuperável. É buscar um caminho novo com energia, confiança e fé.” (Dorina de Gouvêa Nowill).
Hoje, os frutos de sua incansável dedicação brilham na expansão impressionante da Fundação, que não apenas capacita indivíduos, mas, também, fortalece suas famílias por meio de programas inovadores de habilitação, reabilitação, capacitação, distribuição gratuita de livros físicos e digitais em braille para escolas e organizações em todo o país, além de uma variedade de cursos e serviços de soluções em acessibilidade para o mercado.
A Fundação Dorina Nowill para Cegos é uma organização sem fins lucrativos e de caráter filantrópico. Há 78 anos se dedica à inclusão social de crianças, jovens, adultos e idosos cegos e com baixa visão. A instituição oferece serviços gratuitos e especializados de habilitação e reabilitação, dentre eles orientação e mobilidade e clínica de visão subnormal, além de programas de inclusão educacional e profissional.
A instituição também oferece uma gama de serviços em acessibilidade, como cursos, capacitações customizadas, audiodescrição e consultorias especializadas como acessibilidade arquitetônica e web. Com o apoio fundamental de colaboradores, conselheiros, parceiros, patrocinadores e voluntários, a Fundação é reconhecida e respeitada pela seriedade de um trabalho que atravessa décadas e busca conferir independência, autonomia e dignidade às pessoas com deficiência visual.
Falta de livros em braille para estudantes brasileiros
Dorina se especializou em educação de cegos no Teacher´s College da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, EUA. Naquela ocasião, participou de uma reunião com a diretoria da Kellog’s Foundation, onde expôs o problema da falta de livros em braille para cegos brasileiros e a necessidade de se conseguir uma imprensa braille para a Fundação que havia criado no Brasil.
Em 1948, a Fundação para o Livro do Cego no Brasil recebeu, da Kellog’s Foundation e da American Foundation for Overseas Blind, uma imprensa braille completa, com maquinários, papel e outros materiais.
Além da educação, outra preocupação de Dorina sempre foi a prevenção à cegueira. Em 1954, conseguiu que o Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego se reunisse no Brasil, em conjunto com o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Associação Panamericana de Saúde.
Já de 1961 a 1973, Dorina dirigiu a Campanha Nacional de Educação de Cegos do Ministério da Educação e Cultura (MEC). Em sua gestão foram criados os serviços de educação de cegos em todas as unidades da Federação.
Em 1982, lutou, também, pela abertura de vagas e pelo encaminhamento das pessoas com deficiência para o mercado de trabalho. Durante a Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, Dorina conseguiu que a Recomendação 99, sobre a reabilitação profissional, fosse discutida.
Um ano após, quando a Conferência da OIT se reuniu no congresso, os representantes do governo brasileiro, dos empresários e dos trabalhadores votaram a favor da proposta do Conselho Mundial para o Bem-Estar do Cego, pela aprovação da Convenção 159 e da Recomendação 168, que convocam os Estados membros a oferecer programas de reabilitação, treinamento e emprego para as pessoas com deficiência.
Dorina também foi presidente do Conselho Mundial para o Bem-Estar dos Cegos, hoje, União Mundial de Cegos, e recebeu vários prêmios e medalhas nacionais e internacionais ao longo de suas mais de seis décadas de trabalho à frente da Fundação Dorina.
Mais detalhes aqui no site.
Com informações da Fundação Dorina Nowill para Cegos