Uma pesquisa do Grupo de Especialistas em Perda de Visão (VLEG), publicada em 2022, revela que a população com cegueira e deficiência visual deve dobrar até 2050. Atualmente, são mais de 6,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual, sendo 506 mil cegas e cerca de 6 milhões com baixa visão. Do total, 3,2 milhões são idosas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante deste cenário, é fundamental oferecer instrumentos para que essa população tenha acesso a seus direitos, sobretudo quando mais necessitam: após o envelhecimento. Para ampliar o acesso das pessoas com deficiência visual ao Estatuto da Pessoa Idosa, a Rede Ibero-Americana de Associações de Idosos (Riamm) criou uma versão inédita do documento em braile.

Agora, a publicação chega a instituições que atendem pessoas idosas e com deficiência visual no Estado do Rio de Janeiro. Numa iniciativa de Comissão da Criança, do Adolescente e do Idoso, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj) se tornou a primeira do país a lançar o documento.

Mais de 100 pessoas prestigiaram o evento, realizado no auditório da Escola do Legislativo (Elerj), muitas delas idosas ou com algum tipo de deficiência, não somente a visual. Na ocasião, representantes de instituições que atendem esse público receberam exemplares da publicação.

“Trabalhamos na Comissão para garantir a acessibilidade e o respeito aos direitos de todas as pessoas idosas por meio de políticas públicas. Pensando na promoção da igualdade de acesso à informação e no respeito aos direitos dessas pessoas, que encontram muitas dificuldades de acessibilidade a conteúdos dos livros, sobretudo os que tratam de legislação, entregar às instituições que atuam nesse setor um exemplar do Estatuto da Pessoa Idosa em braile é sem dúvida uma grande conquista”, disse o deputado Munir Neto (PSD), presidente da Comissão.

Projeto braile começou na pandemia

Presidente da Riam Brasil, Maria Machado Cota detalhou o trabalho de elaboração da versão em braile do Estatuto, que contém 86 páginas e durou mais de 6 meses. Ela contou que o projeto de transcrever o Estatuto começou na pandemia, quando a Riamm decidiu atuar em favor da inclusão das pessoas idosas com deficiência visual.

“O projeto Braile surgiu na pandemia, quando identificamos muitas pessoas idosas vivendo sozinhas. Esse é o idoso mais invisível. O Estatuto em braile é um produto para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência visual. Nós temos que fazer esse Estatuto ir efetivamente para a vida de todos, não podemos deixar que ele fique preso num livro, sem que os idosos saibam quais são os seus direitos”, afirmou.

Defensor que tem deficiência visual lê trecho do Estatuto em braile

‘É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária’. A leitura do artigo 3 do Estatuto pelo defensor público Valmery Guimarães, que tem deficiência visual, foi um dos pontos altos do evento. 

Coordenador do Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (Nuped) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Valmery lamentou que o braile seja tão pouco valorizado hoje no Brasil. O defensor contou que foi alfabetizado em braile e, apesar de usar muito as novas tecnologias assistivas, que permitem maior autonomia com a audição dos textos, nada substitui a leitura.

“Embora a tecnologia nos permita ter acesso ao mundo, a informação, ao ouvir um livro, que é maravilhoso e necessário, não é a mesma coisa que eu mesmo ler. Quando leio em braile, eu estou realmente equiparado a quem enxerga”, disse. “Por isso, garantir a existência de conteúdos em braile permite que pessoas com deficiência visual aprendam, por exemplo, nuances da pontuação e grafia dos textos”.

A vez e a voz das pessoas com deficiência visual

Responsável pela transcrição inédita do Estatuto, que contém 86 páginas, o especialista em acessibilidade Edson Antônio Ambrósio compartilhou sua experiência como pessoa com deficiência visual e monitor de Informática para este público.

“Nós juntamos o conhecimento de várias pessoas para realizar esse projeto e o resultado ficou muito bom. Espero que através desse Estatuto em braile possamos levar às pessoas não somente o conhecimento que enobrece o homem, mas os direitos de cada um”, destacou o técnico de informática de 49 anos, que perdeu a visão há 8.

O professor de braile Rafael Eleutério, que atua nos municípios de Volta Redonda e Angra dos Reis, falou sobre a importância da inclusão da pessoa com deficiência visual no processo político-pedagógico.

O evento contou ainda com apresentação da cantora e poetisa Inês Helena, que é uma pessoa idosa e com deficiência visual. Ela tem 71 anos e desde os quatro perdeu a visão, mas encontrou na arte uma razão para sua vida, dedicando-se à música e à poesia. Inês emocionou o público com a interpretação de ‘Como Nossos Pais’, de Elis Regina, acompanhada do tecladista Lobão.

Veja na íntegra como foi o evento de lançamento

Alto índice de analfabetismo

Segundo Maria Machado, um desafio da Riamm é a alfabetização de pessoas idosas e o ensino do braile como sistema de escrita e leitura para quem perdeu a visão já na fase adulta ou na velhice. “Somos mais de 30 milhões de idosos e muitos deles com deficiência”, comentou

Infelizmente, muitas pessoas com deficiência visual ainda enfrentam enormes barreiras na sociedade, sobretudo na educação. Para se ter ideia, entre as pessoas cegas, 110 mil com 15 anos ou mais de idade não são alfabetizadas.

Já entre as pessoas com baixa visão, 1,5 milhão não sabem ler ou escrever. Isso significa dizer que cerca 25% das pessoas com alguma deficiência visual era considerada não alfabetizada.

Apenas cerca de 400 mil pessoas leem braile no país, segundo pesquisa do Instituto Pró-Livro, “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2008. o baixo número é causado pela falta de conhecimento do sistema de escrita e leitura entre pessoas que perdem a visão já na fase adulta ou na velhice.

Mais sobre o Estatuto em braile

O Estatuto da Pessoa Idosa em braile foi registrado no 1º Ofício de Títulos e Documentos de Belo Horizonte (MG) e lançado oficialmente em outubro de 2023, em evento que celebrou os 20 anos da lei que deu origem ao documento. A transcrição foi idealizada e executada pela RIAAM-Brasil em parceria com uma equipe interdisciplinar de especialistas, com consultoria e assessoria de Edson Antonio Ambrosio.

O próximo passo é distribuir a transcrição para o máximo possível de instituições relacionadas à causa. O Estado do Rio é o primeiro a promover, fora de Minas Gerais, onde fica a sede da Riamm, a divulgação do documento, que chegará à Câmara dos Deputados, em Brasília (DF), ainda este ano.

A Riamm busca agora apoios para impressão de novos exemplares para ampliar a distribuição do Estatuto da Pessoa Idosa em braile no país. De acordo com a entidade, cada kit, que contém ainda o audiolivro em MP3, custa de R$ 250 a R$ 300, dependendo do tipo de encadernação. Os exemplares já distribuídos gratuitamente até o momento foram financiados inteiramente pela Riamm.

No próximo dia 22 de maio, haverá o lançamento regional do Estatuto também em Volta Redonda, no Sul Fluminense, em parceria com a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAPVR). Diretor da entidade, Geraldo Vida, também falou da importância do documento como ferramenta de inclusão para pessoas acima de 60 anos. “Ficamos impressionados com a seriedade e relevância do trabalho”, disse.  

Mais sobre o evento na Elerj

O lançamento do Estatuto da Pessoa Idosa em braile na sede da Alerj contou ainda com a presença das superintendentes da Pessoa com Deficiência e da Pessoa Idosa da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SedsoDH), Jocelene Tavares e Simone Tourino, respectivamente. 

Simone afirmou que pensar no acesso da pessoa idosa com deficiência visual às leis é uma forma de contribuir para a universalização dos direitos humanos. “Precisamos que isso chegue a todos porque ainda há um grande desconhecimento sobre esse Estatuto e se eu não conheço um direito, não vou reivindicá-lo”, disse.

A Federação dos Associações de Aposentados e Pensionistas do Estado do Rio de Janeiro (Faaperj) marcou presença maciça no evento, além de representantes dos conselhos municipais de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa e da Pessoa com Deficiência e das secretarias municipais de Assistência Social, dentre outros.

O que é o sistema braile?

O braille – ou braile, na expressão aportuguesada – baseia-se em seis pontos em relevo, dispostos em duas colunas de três pontos cada uma. A combinação desses pontos possibilita a formação de 63 símbolos diferentes.

Com este conjunto de sinais em alto relevo é possível representar letras, números, sinais de pontuação, acentos, símbolos matemáticos, notação musical, entre outros sinais necessários para a comunicação.

“”O método braile é um meio de comunicação universal que contribuiu para a plena realização dos direitos humanos das pessoas cegas e com baixa visão. E se torna mais do que necessário no atual contexto, com cada vez maior número de pessoas com deficiência visual”,  disse o presidente da Comissão da Alerj.

Curiosidade

O Dia Mundial do Braille é celebrado em 4 de janeiro, data do nascimento do francês Louis Braille, no ano de 1809. Ele ficou cego na infância e, ainda na adolescência, criou o método de escrita e leitura tátil conhecido como Sistema Braille. Ele morreu aos 43 anos e deixou um legado para a Humanidade ao criar um código universal de comunicação para pessoas com deficiência visual.

Com informações da Comissão da Alerj (atualizado em 17/04/24)

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