Pessoas que usam medicamentos para emagrecer – como liraglutida e semaglutida – sem acompanhamento muitas vezes não fazem a dosagem adequada e têm mais risco de sofrer efeitos adversos como náuseas, distensão abdominal, constipação ou diarreia. O uso incorreto também pode agravar transtornos psicológicos e alimentares, como alerta a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem).
Uma pessoa que tenha fixação com a autoimagem, em ficar magra, pode às vezes acabar usando uma dose excessiva da medicação sem nenhum tipo de indicação. A gente vê que existe também uma perda de massa magra que pode deflagrar um processo de sarcopenia. Pode também ter uma dependência, no sentido de não se ver sem aquela medicação, porque precisa se sentir magra”, alerta a endocrinologista Karen de Marca, vice-presidente da Sbem.
Para a médica, que também atua no Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Estado do Rio de Janeiro (Iede), o ideal seria que os pacientes tivessem acesso a centros de tratamento multidisciplinares, onde o paciente tenha educador físico, nutricionista, psicólogo, psiquiatra, endocrinologista, clínico geral que possa acompanhar esse tratamento.
Eu realmente vejo como uma necessidade ter uma equipe multiprofissional, porque a obesidade é multifatorial. A medicação trata a obesidade, mas ela não trata os motivos que levaram ao ganho de peso”, diz Karen.
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Até mesmo as bulas dos medicamentos disponíveis no Brasil – o Saxenda, que contém liraglutida, e o Wegovy que contém semaglutida – apontam que eles são indicados para uso de adultos com índice de massa corporal (IMC) acima de 30 quilos por metro quadrado (kg/m²), o que caracteriza obesidade, ou 27kg/m2, na faixa de sobrepeso, desde que o paciente tenha algum problema de saúde relacionado a essa condição.
Os medicamentos também podem ser usados por adolescentes acima de 12 anos com obesidade e pelo menos 60kg. Em todos os casos, a recomendação é de que o medicamento seja associado a dieta e exercícios físicos.
Já o remédio à base de semaglutida com nome de marca mais famoso, o Ozempic, não tem recomendação em bula para uso contra a obesidade, mas apenas para pacientes adultos com diabetes tipo 2 não controlada. Ainda assim, a eficácia das substâncias tem atraído muitas pessoas que não se encaixam nos critérios, mas querem emagrecer por razões estéticas.
Médicos querem retenção de receita na venda em farmácias
A venda de todos esses remédios exige apresentação de receita médica, mas como a receita não é retida, é possível adquirir sem recomendação. A Anvisa está discutindo se eles devem ser colocados na mesma categoria dos antibióticos, o que obrigaria as farmácias a ficarem com uma via da receita, com identificação do comprador.
Em dezembro de 2024, a Sbem e a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica divulgaram uma carta aberta defendendo a retenção de receita para a venda dos agonistas de GLP-1.
No texto, dizem que “a venda sem receita, apesar de irregular, é frequente” e que “o uso indiscriminado gera preocupações quanto à saúde da população e ao acesso daqueles que realmente necessitam do tratamento”.
Psicóloga perdeu 28 quilos: vergonha de emagrecer com medicação
A psicóloga Flavia Ferreira da Silva começou a usar os medicamentos depois de ser diagnosticada com pré-diabetes e estenose hepática (gordura no fígado), além da obesidade. Mas sempre com acompanhamento médico e psicológico.
É importante pra lidar com a ansiedade e, às vezes, a dismorfia corporal, porque você muda muito rápido de corpo e precisa entender que esse corpo novo está em processo, e muita gente não consegue acompanhar a imagem, fica muito magro achando que ainda precisa perder mais”, conta.
Também conhecida como Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), a dismorfia corporal é um transtorno mental que causa uma preocupação excessiva com a aparência física.
Flávia acrescenta outro efeito psicológico que o uso de medicamentos para emagrecer provoca: a vergonha. “Também tem a vergonha de emagrecer com uma medicação como essa, como se fosse um fracasso, porque não conseguimos sozinhos, com exercício“, ressalta;
Quando iniciou o tratamento, Flávia estava com 98kg e hoje pesa cerca de 70kg: “Ser gordo não é um problema, mas a obesidade crônica sim. Mesmo que vc não tenha nada nos exames, tem questões na coluna, joelhos, articulações. Hoje todas as minhas taxas estão boas, açúcar, colesterol.”
Paciente com diabetes relata dores no abdômen com medicação
Mas a experiência de Flávia não é universal, o que reforça a necessidade de acompanhamento individualizado. O engenheiro de computação Danilo Vidal Ribeiro tem diabetes tipo 2 e começou a usar a semaglutida para tentar controlar melhor seus níveis de glicose e também perder peso, mas o tratamento não foi bem sucedido.
Eu utilizei por cerca de dois meses, mas ficava com muita dor no abdômen, parecia que o estômago estava inchado, sempre cheio e doía muito. Passei até uma noite no pronto-socorro para observar se tinha alguma coisa extra que poderia ser pior. Fiz exames, mas não apontaram nada”.
Hoje, com o uso de outro medicamento e mudanças na alimentação, Danilo está conseguindo manter a doença controlada e faz um alerta para todas as pessoas seduzidas pela promessa de perda de peso fácil e rápida:
Qualquer remédio que você usa sem auxílio médico para tentar atingir o objetivo de perder peso, ou até mesmo para controlar a diabetes, você corre um grande risco. E não só passar mal, como aconteceu no meu caso, mas você pode ter sérias complicações para sua saúde. Com certeza é preocupante o uso indiscriminado”.
Com informações da Agência Brasil