Linda, loira, alta, magra, influente, rica… e vítima de violência doméstica 

Assistente social que também sofreu agressão do marido fala sobre caso Ana Hickmann e importância de campanha contra a misoginia

Ana Hickmann e o marido Alexandre Correa: 25 anos de matrimônio e denúncia na polícia (Foto: Reprodução de redes sociais)
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A atitude de Ana Hickmann de procurar uma delegacia para denunciar o homem com quem é casada há 25 anos e pai do seu único filho, Alexandre, de 10 anos, tem ajudado a encorajar mulheres a denunciar agressões que sofrem no ambiente familiar. O caso da apresentadora e empresária lança luz sobre a necessidade de a mulher romper o silêncio e denunciar seus algozes, antes que seja tarde demais – só no Estado do Rio de Janeiro, ano passado, 111 mulheres que provavelmente não acreditavam nas ameaças de seus agressores foram vítimas de feminicídio.

A atitude da ex-modelo encoraja outras mulheres e dá novo impulso no Brasil à campanha internacional 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres e as Meninas’, que começou no último dia 20 e prossegue até 10 de dezembro. Também reforça a campanha ‘Brasil Sem Misoginia’, lançado em outubro pelo Ministério das Mulheres.

Em um corajoso e franco depoimento, a assistente social Relly Amaral Ribei, tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter, conta que se identificou de cara com o episódio sofrido pela apresentadora. Mas não exatamente pelas características físicas ou pelo patrimônio da artista conhecida nacionalmente: “linda, loira, magra, influente e rica”.

Relly traça um paralelo entre o que aconteceu com Anna Hickmann e o que acontece diariamente em milhares de residências Brasil afora – e que ela está acostumada a atender no dia a dia. O que mais a impressionou foram algumas semelhanças com sua própria história.

“Ana Hickmann tem 42 anos, eu também; é mãe, eu também; se casou em 1998 aos 16 anos, eu com o meu primeiro esposo também; foi vítima de violência deste marido, e eu também”. “Ao mesmo tempo que ela é tão diferente de nós – vivendo no topo da cadeia alimentar capitalista, no auge do seu privilégio branco-cis-luxo, possa ser e passar pelas mesmas coisas que a dona Maria, que a minha tia, que a minha amiga ou eu já passamos”, conta.  

Para Relly, no entanto, apesar dos séculos de patriarcado, há uma esperança de mudança na cultura machista que ainda predomina no país. E ela começa por ações como o programa Brasil Sem Misoginia, lançado recentemente pelo Ministério das Mulheres (veja mais abaixo).

Confira o depoimento da assistente social que conseguiu romper o  ex-companheiro agressor.

SuperAÇÃO

Misoginia não escolhe classe social’: o que o caso Ana Hickmann nos revela

Por Relly Amaral Ribeiro*

Recentemente, a modelo internacional, empresária e apresentadora Ana Hickmann foi vítima de violência doméstica e conforme os noticiários, ela prestou queixa contra o marido. A denúncia envolveu agressão física, verbal e ameaças. É chocante, não é? Mas porque isso nos choca tanto?

No Brasil, a pesquisa “Visível e Invisível – a Vitimização de Mulheres no Brasil ” (2022), que foi realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública/Datafolha, revela que 35 mulheres sofrem por minuto algum tipo de violência em nosso país. Mas, dessa vez, foi com uma artista conhecida nacionalmente: linda, loira, magra, influente e rica.

Enquanto assistente social, já atendi diversas situações como esta, envolvendo mulheres de diferentes classes sociais. Mas me impressionei não com as diferenças, mas com as semelhanças: Ana Hickmann tem 42 anos, eu também; é mãe, eu também; se casou em 1998 aos 16 anos, eu com o meu primeiro esposo também; foi vítima de violência deste marido, e eu também.

O que causa o choque da nação, principalmente das mulheres, talvez venha deste paradoxo. Ao mesmo tempo que ela é tão diferente de nós – vivendo no topo da cadeia alimentar capitalista, no auge do seu privilégio branco-cis-luxo, possa ser e passar pelas mesmas coisas que a dona Maria, que a minha tia, que a minha amiga ou eu já passamos.  

Cabe a pergunta: “o que leva um homem a fazer isso com a mulher que dizia amar, que construiu família, inclusive sendo ela a principal fonte do patrimônio do casal”?  Vivemos em uma sociedade machista e profundamente misógina. O que para muitos seria motivo de gratidão, pode ser justamente o motivo que leva um homem a tornar-se violento, ou seja, a ascensão social da mulher e não a sua própria.

“Claro que não, são novos tempos!”, você pode dizer. Sim, estamos construindo novos tempos, porém Ana e seu esposo, assim como eu e meu primeiro marido, fomos criados no século passado, onde a masculinidade do homem tem como base a virilidade e o ato de prover, enquanto a função da mulher no ato de se submeter, “moldar” o relacionamento, aguardando pacientemente que o abusador passe de fera a príncipe. Mas isso não acontece. Ouça leitora, isso nunca acontece!  

Misoginia

Mas há esperança no fim do túnel. Na minha opinião não podemos mudar a nossa geração, infelizmente. A nós compete a redução de danos. Porém, são ações como a campanha “Brasil sem Misoginia”, lançada no mês passado, com o objetivo de mobilizar diversos setores da sociedade para o combate ao ódio, à discriminação e à violência contra a mulher, principalmente nas redes sociais, envolvendo diversos setores da sociedade. 

A misoginia (ódio, repulsa contra mulheres) é um fator propulsor de todas as formas de violência contra a mulher. Os feminicídios não se resumem ao ato de matar, de tirar a vida de uma mulher. Eles começam antes. Eles começam com as piadas, com as brincadeiras, com maus-tratos, com a violência psicológica e moral”, disse a ministra da mulher Cida Gonçalves na cerimônia de lançamento da campanha.

“Piadas” e “brincadeiras” essas que, como vimos, a modelo sofria constantemente, até evoluir para a agressão física. Assim como já aconteceu com alguma parente sua, amiga, ou com você. Por isso a importância de campanhas como essa. Não podemos tolerar, perdoar ou ignorar os sinais como a minha geração, da minha mãe e avó faziam.

É de extrema importância que as gerações posteriores já cresçam nessa nova perspectiva, em uma nova cultura: em que tanto as ações abusivas, como as atitudes condescendestes não podem ser toleradas! Sejam as ações advindas da mídia, das redes sociais, do abusador, da religião, da família, ou da própria vítima.    

*Relly Amaral Ribeiro é graduada em Serviço Social com especialização em Metodologia do Ensino Superior e mestre em Serviço Social e Políticas Sociais. É tutora dos cursos de pós-graduação em Serviço Social do Centro Universitário Internacional Uninter.

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Brasil Sem Misoginia: mais de 100 instituições e empresas já aderiram à campanha

O Governo Federal está promovendo uma mobilização nacional de todos os setores da sociedade para enfrentar a misoginia. A campanha integra a iniciativa Brasil Sem Misoginia, lançada em outubro pelo Ministério das Mulheres, com objetivo de construir igualdade, acabar com o feminicídio e a violência doméstica e sexual em todo o território nacional.

  • Já no dia 17 de novembro, com o objetivo de eliminar a violência de gênero e enfrentar a misoginia nos eventos esportivos, os ministérios das Mulheres e do Esporte firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) para executar, em todo o país, uma ação conjunta com o propósito de organizar, produzir e disseminar iniciativas para o enfrentamento à misoginia.

A ação quer estimular que cada parceiro, especialmente as empresas, promova campanhas de informação e ações próprias no âmbito dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher.  Ao todo, mais de 100 instituições e empresas assinaram termo de adesão para contribuir com a ação.

Para estimular a iniciativa, o Ministério dos Transportes e o Ministério da Cultura também assinaram protocolos de intenção para apresentar a iniciativa às concessionárias, agências reguladoras e empresas públicas ligadas a ambos os ministérios, bem como para mapear ações em curso para o enfrentamento à misoginia.

“É uma grande conquista essa parceria. No ‘Brasil sem Misoginia’, temos um público específico que queremos atingir, que são os homens. Queremos ocupar espaços nos esportes porque eles falam muito com os homens, para termos a chance de comunicar a eles que, neste país, não aceitamos o ódio e nem a violência contra as mulheres”, disse a ministra das Mulheres Cida Gonçalves. 

A mobilização mundial 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher começou no Brasil na última segunda-feira (20), Dia da Consciência Negra, considerando a dupla vulnerabilidade da mulher negra, e vai até 10 de dezembro, data em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que também tem o objetivo de propor medidas de prevenção e combate à violência.

A mobilização visa contribuir para prevenir feminicídios, violência doméstica e violência sexual. Nesta sexta-feira (24), foram realizadas ações nas Casas da Mulher Brasileira de Campo Grande (MS), Fortaleza (CE), Curitiba (PR), São Paulo (SP), São Luís (MA) e Boa Vista (RR), no âmbito da campanha de 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência.

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Suposta ‘superioridade masculina’ se dissemina nas redes sociais

No Brasil, a cada dia, 673 mulheres registram boletim de ocorrência por agressões em contexto de violência doméstica. Cerca de 1,4 mil mulheres foram mortas no país em 2022 pelo fato de serem mulheres. É o maior número registrado desde 2015. Além disso, mais de 74 mil estupros foram registrados em 2022 — seis em cada 10 vítimas tinham até 13 anos —, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O Brasil sem Misoginia visa, ainda, promover um ambiente de trabalho livre de discriminações. As mulheres recebem 22% a menos que os homens. A diferença é ainda maior quando são considerados somente cargos de gerência e diretoria: elas ganham apenas 61,9% dos rendimentos deles. Já as mulheres negras recebem, em média, menos da metade do salário de homens brancos (46%).

Na internet, por sua vez, a misoginia tem sido reproduzida principalmente por grupos que acreditam na suposta “superioridade masculina”. Canais que pregam isso já alcançam, ao menos, 8 milhões de seguidores e são pagos por anúncios nas plataformas do Youtube e TikTok, de acordo com o site Aos Fatos.

A campanha Brasil Sem Misoginia também tem como objetivo apoiar mulheres em espaços de poder e de decisão. Apesar de as mulheres representarem 53% do eleitorado, ocupam apenas 17,7% da Câmara dos Deputados e 12,3% do Senado Federal. Nos mandatos de 2021–2024, 58% das prefeitas sofreram assédio ou violência política de gênero por serem mulheres. Em 958 cidades nenhuma vereadora foi eleita em 2020. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Censo das Prefeitas Brasileiras, do Instituto Alziras.

Como denunciar: Ligue 180 funciona também pelo whatsapp

A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 foi reestruturada neste ano pelo Ministério das Mulheres. Graças a uma parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o serviço ampliou a oferta de informações referentes a 1.300 serviços de apoio e proteção às mulheres, em todo o território nacional. Atualmente, a central contém 2.109 serviços cadastrados, como delegacias especializadas no atendimento à mulher, casas abrigo, Centros Especializados de Atendimento à Mulher, entre outros equipamentos públicos.

O Ligue 180 passou a contar com um canal exclusivo de atendimento por Whatsapp em abril. O atendimento por aplicativo é realizado através da tecnologia de Inteligência Artificial por uma atendente virtual chamada Pagu. No primeiro contato, ela oferece opções de ajuda, sempre com a possibilidade de acionar, a qualquer momento, uma atendente da Central — cuja equipe passou a ser composta exclusivamente por mulheres desde março.

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