A hipertensão pulmonar (HP) é uma doença rara, crônica, incurável e progressiva, ou seja, o quadro pode piorar sem tratamento. A condição consiste em uma alteração nos vasos que conduzem o sangue aos pulmões, provocando aumento da pressão arterial pulmonar e sobrecarga no coração. Ela afeta os pulmões e o coração, dificultando a circulação sanguínea e causando limitações severas à qualidade de vida.
Estima-se que cerca de 100 mil pessoas vivem com HP no Brasil, diagnóstico difícil de se obter, pois a condição, na maioria das vezes, é confundida com outras doenças e até mesmo com ansiedade. A doença provoca falta de ar, cansaço extremo a pequenos esforços, dores no peito, falta de ar, tontura e coloração azulada nos lábios e dedos.
Os sinais e sintomas são semelhantes aos de outras causas de insuficiência respiratória crônica, como dispneia progressiva, fadiga crônica, fraqueza, angina, estase jugular, cianose, pré-síncope e síncope.O diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento adequado são essenciais para aumentar a sobrevida e proporcionar mais dignidade às pessoas que convivem com essa condição.
Ser diagnosticado com HP pode ser o fim de uma agonia, mas o início de outra luta. A estudante de 21 anos Maria Eduarda Carneiro descobriu a Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) – a forma mais grave da doença – após sentir cansaço extremo em pequenas atividades e, posteriormente, ao ficar em repouso.
Eu descobri a HAP em julho de 2021, e foi um diagnóstico um pouco caótico. No início, eu realizava inspirações profundas (com mais esforço do que o habitual) e percebia um cansaço cada vez maior para subir as escadas da minha casa. Como era época de pandemia e eu ficava o dia inteiro no computador (devido às aulas on-line), acabei vinculando os sintomas à ansiedade e ao sedentarismo. Entretanto, quando minha irmã começou a questionar ‘por que você está respirando assim?’, percebi que a situação podia ser mais complexa. Fui em vários médicos, fiz testes de Covid-19, cheguei a ir ao setor de emergência por conta de dor no peito e sempre me falavam: ansiedade”, relembra Maria Eduarda.
Após realizar diversos exames e a agonia aumentar diante do diagnóstico inconclusivo, a estudante passou em uma cardiologista que levantou a hipótese de HAP e a direcionou a uma especialista – Flavia Navarro, cardiologista pediátrica do Centro de Referência em Hipertensão Pulmonar da Santa Casa de São Paulo.. Logo em seguida, um cateterismo foi solicitado e, com a suspeita confirmada, o tratamento e o suporte ideal começaram.
Maria Eduarda, que já possuía uma condição cardíaca e chegou a realizar duas cirurgias do coração na infância, afirma que o diagnóstico foi uma verdadeira surpresa. Ela fazia acompanhamento com cardiologista, mas por conta da pandemia ficou sem retornar às consultas. Em 2021, quando buscou por outros médicos, nenhum apontava a HAP com convicção.
Apesar de ter sido uma surpresa, também foi um certo alívio. Alívio de ter uma explicação para os meus sintomas e para algumas alterações que não interpretava como verdadeiros problemas, como meu condicionamento cada vez mais reduzido na prática de exercícios físicos. Apesar dessa sensação, o diagnóstico de HAP foi também uma fonte de medo pelos diversos ‘nãos’ que ela carrega. Meus grandes medos eram o de ‘não dar conta’, sobretudo em relação à faculdade e a minha independência como pessoa que transitava, paulatinamente, para uma vida ‘mais adulta’”.
Saiba mais sobre a Hipertensão Pulmonar
Mas afinal, o que é essa doença? Como ela age? Qual o tratamento?
A HP é resultado do remodelamento das artérias pulmonares, que são os vasos responsáveis por transportar o sangue do coração para o pulmão, e assim aumenta a pressão arterial pulmonar. A classificação mais atual da HP a divide em cinco subgrupos.
A mais rara e severa delas é a hipertensão arterial pulmonar (HAP), uma doença rara, progressiva e sem cura, que compromete de forma significativa a qualidade de vida e a sobrevida dos pacientes. A HAP pode ser hereditária, induzida por drogas e toxinas, ou ainda associada a outras condições, como doenças do tecido conjuntivo (como lúpus), doença cardíaca congênita e esquistossomose. Quando não se sabe a causa da HAP, ela é chamada de idiopática.
Quanto antes diagnosticarmos e começarmos a tratar, melhor será o prognóstico. É muito importante que o paciente, ao ser informado que possui HP, entenda sua doença e converse com seu médico sobre o manejo e futuros passos. Como trata-se de uma doença crônica, várias consultas e exames serão necessários, dessa forma uma rede de apoio (família e amigos) é super importante para a estruturação do paciente”, explica Flavia Navarro.
‘Ao abrir meu exame, o médico já me internou imediatamente’
Outra paciente com HP e que atua diretamente na luta e na conscientização da doença, como embaixadora da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas (Abraf), é Marcella de Oliveira. Ela descobriu a doença em 2018.
Comecei a sentir um cansaço fora do normal, e por ser uma pessoa jovem, subir três degraus e se cansar não é uma coisa banal. Então comecei a procurar ajuda. A princípio, pensei que poderia ser asma, nunca imaginaria que estaria com uma doença rara e progressiva. Comecei a fazer alguns exames, foi quando o meu médico cardiologista, ao abrir meu exame, já me internou imediatamente. Foram sete dias na UTI em investigação até fechar o diagnóstico de Hipertensão Arterial Pulmonar Idiopática”.
Após o baque inicial, Marcella procurou médicos especialistas para iniciar o tratamento. “Foi um choque. Eu não sabia nada sobre a doença e quando eu tive alta do hospital, a última coisa que eu ouvi do médico foi: corre porque seu coração não vai aguentar. Eu estava dentro de um hospital e ouvir isso do médico foi angustiante, mas depois entendemos que precisava procurar um centro especializado que poderia cuidar de mim e me auxiliar”.
Hoje, sendo embaixadora da Abraf, ela trabalha diretamente na conscientização da doença. “Precisamos falar sobre a HAP, uma doença que é rara e que não tem cura, pois isso facilitará com que algumas pessoas e médicos não passem tanto tempo para descobrir o diagnóstico. A informação é muito importante diante de uma doença rara”, frisa.
Pacientes reivindicam acesso a tratamento adequado
O tratamento no SUS foi atualizado e agora possui terapia combinada prevista, oferecendo uma melhor qualidade de vida aos pacientes
Dentre os sintomas da HP, o principal é a falta de ar, mas também o cansaço extremo em atividades físicas cotidianas. Dor torácica e desmaios também podem acontecer. O diagnóstico precoce requer uma extensa avaliação clínica, laboratorial e radiológica, sendo essencial para o encaminhamento aos centros de referência e início do tratamento. A confirmação pelo cateterismo cardíaco direito -, é ainda um desafio, por ser um exame complexo.
O tratamento dos pacientes com hipertensão pulmonar vai depender do subgrupo no qual está classificada a doença e da estratificação de risco, e pode variar de medidas gerais ou tratamento de suporte até o tratamento cirúrgico, com transplante de pulmão. Por ser uma doença complexa, o acompanhamento deve ser feito em serviços especializados e centros de referência no SUS.
Em relação ao tratamento, as medidas gerais são muito importantes, como avaliação do uso de oxigênio, diuréticos, métodos anticoncepcionais em mulheres em idade fértil, e reabilitação cardiopulmonar. A partir da estratificação de risco o médico define o tratamento a ser seguido. A terapia combinada inicial é feita com sildenafil e bosentana ou ambrisentana e associação desses com iloprost ou selexipague”, ressalta a cardiologista.
O tratamento é feito com remédios, que podem ser combinados em dois ou três, e precisa ocorrer precocemente, pois a doença é progressiva e, caso não seja tratada de forma correta, pode acarretar casos mais graves”, diz a médica.
Acesso a terapia combinada
O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), um documento do Ministério da Saúde que norteia toda a linha de cuidado da doença no SUS, que inclui tratamentos farmacológicos e não farmacológicos, foi atualizado. O primeiro PCDT de HP foi publicado em 2014, e depois de muita luta da ABRAF e da sociedade médica, a terapia combinada está prevista no novo protocolo e tende a chegar mais facilmente aos pacientes.
O novo PCDT foi um marco importante no manejo da HP, já que nos traz acesso à terapia combinada, dupla e tripla e com abrangência em todo território brasileiro. O PCDT é motivo de muita comemoração no mês da conscientização da HP, então vamos aproveitar esse momento para que nossos pacientes tenham acesso, além de um tratamento eficaz, à dignidade e à inclusão”, afirma Dra. Flavia.
Diante de uma doença progressiva, a necessidade de ter um tratamento adequado é crucial, a falta de tratamento e de medicamentos leva o paciente a uma progressão muito mais intensa da doença. Pacientes que poderiam ter uma qualidade de vida muito melhor do que estão hoje não vivem isso pela falta de medicamentos. Esperamos que todos os pacientes sejam assistidos e tenham acesso às medicações necessárias”, enfatiza.
Tratamento pelo SUS
Ter um tratamento adequado é uma das lutas diárias de diversas pessoas. Marcella, que atualmente utiliza combinação tripla em seu tratamento, com o medicamento Iloprost, também afirma que as medicações corretas fazem toda a diferença.
O tratamento de Maria Eduarda incluía combinação dupla, com o sildenafil e a bosentana. Após o novo PCDT, ela se trata com o selexipague, e foi uma das primeiras pacientes de São Paulo a receber a medicação pelo SUS e hoje em dia a combinação de medicamentos é tripla.
Comecei o selexipague neste ano e realizar a titulação da medicação foi um dos grandes obstáculos que tive que enfrentar. Foi um momento de reconhecer os meus limites e de entender que o caminho é e será unicamente meu. Sofri com os efeitos colaterais da nova medicação. Essas adversidades foram, sobretudo, psicologicamente exaustivas”.
Apesar de o início ter sido difícil, a estudante reconhece a diferença que a medicação faz e de que forma mudou sua vida. “Ser uma das primeiras pacientes que está recebendo o tratamento com selexipague é experienciar o fato de como um tratamento realmente pode mudar uma vida. É ser prova viva (literalmente) de como um Estado que cumpre o seu papel (diante de todos os cidadãos por ele contemplados) faz total diferença em escalas individual e coletiva”, enfatiza.
Congresso Nacional é iluminado de azul em alusão ao
Dia Mundial da Hipertensão Pulmonar
Com objetivo de encurtar a jornada dos pacientes por diagnóstico e cuidado no SUS, a Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas – ABRAF, junto da sociedade médica e de toda a comunidade de hipertensão pulmonar, trabalhou muito para que o PCDT fosse atualizado.
O documento é um grande avanço, mas para que melhore a vida das pessoas, o tratamento adequado precisa sair do papel e ser realidade em todo o país. O momento atual é de acompanhar a implementação do protocolo nos Estados e no Distrito Federal.
A pedido da Abraf, o Congresso Nacional será iluminado com a cor azul no dia 8 de maio como parte da ação nacional promovida pelo Dia Mundial da Hipertensão Pulmonar (5/5). Para a entidade, essa ação reforça a necessidade de políticas públicas e de atenção às necessidades de quem convive com a doença.
O Congresso Nacional iluminado de azul é como dizer em voz alta que existimos. É uma forma de mostrar que quem vive com hipertensão pulmonar não está esquecido. Quando encontramos acolhimento no espaço federal, sentimos que nossas experiências começam a ganhar reconhecimento”, afirma Iara Machado, presidente da Abraf.
Palavra de Especialista
Hipertensão arterial pulmonar: os desafios do tratamento de doenças raras no Brasil
Por Flávia Lima*
No Brasil, estima-se que mais de 10 mil pessoas vivem com hipertensão arterial pulmonar (HAP). A HAP, um dos tipos de hipertensão pulmonar, é uma doença rara, grave, progressiva e que afeta especialmente mulheres em fase produtiva e reprodutiva.
Além dos números, existem histórias de pessoas que convivem diariamente com os desafios da doença nas atividades mais básicas, pois enfrentam falta de ar, desmaios e cansaço em pequenos esforços, como subir escadas e caminhar, e, em casos mais graves, tomar banho e pentear os cabelos.
Para tentar oferecer mais conhecimento e informação a respeito do tratamento da doença, tanto para os pacientes quanto para a sociedade médica não especializada, foi publicado em 2023 o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticos (PCDT) de Hipertensão Pulmonar.
O documento direciona como deve ser o diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos pacientes em toda a rede pública de saúde e representa uma grande conquista após quase dez anos de reivindicação para que esse regulamento fosse atualizado, um tempo de espera significativo para as pessoas que sofrem com os sintomas e limitações que a doença impõe.
O regulamento antigo proibia, entre outras coisas, a terapia combinada, ainda que o benefício fosse amplamente respaldado por estudos clínicos de qualidade. Contudo, mesmo com esse regulamento, o Sistema Único de Saúde ainda precisa cumprir uma série de processos e burocracias que, de alguma forma, prolongam ou até inviabilizam o acesso ao tratamento adequado da doença.
Esse atraso impacta diretamente no bem-estar dos pacientes, que veem sua qualidade de vida diminuir enquanto aguardam o tratamento. Embora existam cinco medicamentos incorporados no SUS, entre eles sildenafila, bosentana, ambrisentana, iloprosta e selexipague, o último, por exemplo, não está sendo fornecido na maioria das unidades públicas da federação.
Segundo levantamento mensal realizado pela própria Abraf, até final de julho de 2024, das 27 unidades federativas (estados e Distrito Federal), apenas 13 delas (48,1%) regulamentaram e disponibilizaram acessivelmente os PCDTs em âmbito estadual, sendo que cinco ainda estão carentes da publicização ou regulamentação para a oferta integral do selexipague.
Para os pacientes, isso implica em frustração, pois, mesmo com a medicação disponível, ela não chega até aqueles que precisam. Além disso, outros 14 estados (51,9%) também estão pendentes de regulamentação ou não tornaram públicos os documentos pertinentes, uma das etapas necessárias para que haja a disposição dos medicamentos nas farmácias de alto custo para as pessoas que precisam.
Por isso, enquanto organização de apoio e de defesa dos direitos das pessoas com hipertensão pulmonar, nossa luta é para que os protocolos públicos sejam colocados em prática e o fornecimento de mais opções de medicamentos para tratamento seja acessível.
Não falamos apenas de regulamentações, mas da vida de milhares de pessoas que dependem dessas ações para viver. Desse modo, mesmo que burocrática, essa parte necessária será viabilizada, garantindo mais informação para os centros médicos de referência e mais qualidade de vida e saúde para os pacientes e familiares que convivem dia após dia com os sinais da doença.
* Ex-presidente da Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas – ABRAF
Sobre a ABRAF
A ABRAF – Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Pulmonar e Doenças Correlatas é uma entidade privada sem fins lucrativos cujo objetivo é apoiar as pessoas com doenças do pulmão e do coração (hipertensão pulmonar, fibrose pulmonar, asma grave, doença pulmonar obstrutiva crônica e insuficiência cardíaca), por meio de conscientização, apoio e promoção de políticas públicas.
Com sede em São Paulo e atuação nacional, a Abraf ainda conta com um canal de atendimento gratuito, a Central do Pulmão (0800 072 0070), onde pacientes, familiares e profissionais de saúde podem buscar orientações e informações. Para entrar em contato é por meio do número: 0800 042 0070 que funciona com ligações e mensagens de WhatsApp.
A organização faz parte do Global Allergy & Airways Patient Platform (GAAPP) e do Civil Society Engagement Mechanism (CSEM), movimento global da ONU que tem o intuito de construir sistemas de saúde mais fortes.
Com informações da Abraf