A condição vivenciada por Chico Buarque é mais comum do que se imagina, pode acometer pessoas de todas as idades, mas, especialmente, os idosos. Só nos Estados Unidos, a Hydrocephalus Association (HA), entidade sem fins lucrativos, estima que cerca de 800 mil idosos possam estar vivendo com HP´N. E mais grave: na maioria das vezes o distúrbio não é diagnosticado ou tratado.
A hidrocefalia normobárica ou de pressão normal ocorre quando há excesso de líquor – fluido que reveste o sistema nervoso central – acumulado no cérebro, mas sem provocar aumento da pressão intracraniana. Ainda assim, a hidrocefalia pode impactar os movimentos das pernas, a cognição e a capacidade de controle urinário.
A drenagem do líquido foi realizada por meio de uma derivação ventrículo peritoneal, procedimento que consiste na implantação de uma válvula, capaz de drenar o líquido produzido em excesso no cérebro para a cavidade abdominal. Buarque foi diagnosticado precocemente durante um check-up e já se recupera no quarto, “com seu habitual bom humor”, de acordo com a assessoria. A previsão é que ele tenha alta em 48 horas.
Hidrocefalia de Pressão Normal (HPN)
O neurocirurgião Fernando Gomes, professor do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica que essa é uma cirurgia de complexidade intermediária, mas permite que o paciente recupere as funções prejudicadas assim que a drenagem se normaliza.
Atualmente são utilizadas válvulas programadas, inclusive com tecnologia nacional, que permitem o ajuste da quantidade drenada mesmo após a implantação, caso necessário. Se a condição não for diagnosticada a tempo e tratada, as consequências podem ser drásticas.
A pessoa pode ficar totalmente incapaz de andar, evoluir para um quadro demencial sério e de incontinência urinária e fecal. É uma condição bastante complicada. A pessoa não morre diretamente por hidrocefalia de pressão normal, mas tem a vida abreviada por questões que vêm em conjunto com essa piora das condições de saúde”, diz o especialista.
Gomes também coordena o grupo de Hidrodinâmica Cerebral do Hospital das Clínicas e alerta que essa condição é mais comum em pessoas com mais de 60 anos, o que pode dificultar a identificação da doença. De acordo com ele, estima-se que 480 mil tenham hidrocefalia de pressão normal no Brasil.
Muitas vezes, a gente faz o diagnóstico e quando olha para trás o paciente já tinha um quadro clínico. Porque no começo pode se confundir um pouquinho com o processo de envelhecimento, uma certa dificuldade para andar. Às vezes, a pessoa fez uma cirurgia de próstata e tem incontinência urinária ou outra doença associada, como Alzheimer, que impacta a cognição e aí demora para fazer a diagnóstico”, complementa o neurocirurgião.
Sintomas
O neurologista do Grupo Valsa Saúde Lucas Savelli, que também é membro titular da Academia Brasileira de Neurologia, alerta que os sintomas da hidrocefalia passam muitas vezes despercebidos dentro do contexto do envelhecimento. Por isso, qualquer redução da capacidade cognitiva ou motora deve ser avaliada por uma especialista.
Ele destaca que um sintoma bastante característico da hidrocefalia de pressão normal é a chamada “marcha magnética”, quando o paciente “tem certa dificuldade, digamos assim, de tirar os pés do chão para caminhar”. Também são sintomas comuns a incontinência urinária e o declínio cognitivo, mas nem sempre essas três situações aparecem juntas.
A principal suspeita é clínica, por meio dos sintomas. Mas a gente confirma com exames exames de imagem, preferencialmente a ressonância magnética do cérebro, que mostra essa região onde o liquor está presente com tamanho aumentado. Também é importante realizar um exame chamado de TAP test, em que se insere uma agulha em uma região próxima à medula para retirar uma quantidade de líquido. Depois disso, é avaliado se houve melhora em testes cognitivos, indicando que há um acúmulo causando esse declínio”, acrescenta Savelli.
O neurocirurgião Fernando Gomes complementa que muitos casos de hidrocefalia de pressão normal são idiopáticos, ou seja, sem uma origem conhecida, mas há situações secundárias, quando a hidrocefalia surge como consequência de outro problema: “O paciente teve, por exemplo, um trauma de crânio, com algum sangramento, esse sangue entra em contato com o líquor e atrapalha a drenagem. Ou também uma meningite, mesmo que seja viral, também pode atrapalhar a drenagem depois como sequela. Tem ainda pessoas submetidas a alguma outra neurocirurgia e, como resposta do órgão, há o acúmulo de líquido.”
Após alguma condição desse tipo, é ainda mais importante que os sintomas clássicos de hidrocefalia não sejam ignorados.
O procedimento cirúrgico tem bom prognóstico e as funções podem ser restabelecidas. Mas essa evolução acaba sendo ineficiente se você não fizer nada a tempo”, destaca o médico.
Hidrocefalia de Pressão Normal é mais comum do que se imagina
O cérebro e a coluna vertebral são banhados pelo líquido cefalorraquidiano (LCR), que flui através das cavidades. A HPN é uma condição neurológica que acontece quando há acúmulo anormal desse líquido nas cavidades do cérebro, aumentando o tamanho dessas estruturas e fazendo pressão sobre esse órgão, a chamada hipertensão intracraniana.
Entre os sintomas que esse quadro pode causar e que se agravam se não forem logo tratados, estão: dores de cabeça, sonolência e alterações no estado mental, como confusão, visão turva ou dupla, náusea, dificuldade de andar e incontinência urinária.
Um dos desafios do diagnósticos de HPN é que esses sintomas em idosos são, muitas vezes, considerados problemas inerentes à idade. Mais grave ainda quando o declínio da memória é confundido e tratado como demência”, informa o diretor científico e fundador da brain4care, Gustavo Frigieri.
Segundo o neurocirurgião Raphael Bertani, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia (SBN) e pesquisador com estudos nessa área, a HPN afeta predominantemente idosos, sendo mais comum após os 60 anos. No caso de pessoas com mais de 80 anos, por exemplo, a literatura médica aponta que aproximadamente 6% a 10% podem ter HPN. “Ou seja, das milhões de pessoas que envelhecem e começam a ter declínio cognitivo, um contingente significativo apresenta HPN. São pessoas que se diagnosticadas e tratadas podem recuperar sua qualidade de vida”, afirma Bertani.
O tratamento cirúrgico da doença para inserção de uma válvula de derivação, por exemplo, pode restaurar e manter os níveis normais de líquido cefalorraquidiano no cérebro. Em geral, esse sistema é composto por dois cateteres e uma válvula que redireciona o excesso de líquido do ventrículo do cérebro para outra parte do corpo, proporcionando a regressão dos sintomas e o resgate da qualidade de vida do paciente.
Evolução tecnológica no diagnóstico
No contexto mundial do diagnóstico de HPN, a contribuição do Brasil é relevante. A ciência brasileira é pioneira no desenvolvimento da tecnologia não invasiva de monitorização do risco de hipertensão intracraniana, que tem como uma de suas aplicações importantes, auxiliar no diagnóstico assertivo de HPN, além de fornecer dados essenciais no acompanhamento e regulagem da válvula de derivação em pacientes tratados com esse recurso.
A história é curiosa e está relacionada aos estudos do físico e químico Sérgio Mascarenhas (1928-2021), que após suspeita de doença de Parkinson, percorreu uma jornada diagnóstica que o levou à confirmação de um caso de HPN. Restabelecido e inconformado com as limitações e complexidades do método invasivo a que foi submetido, voltou à bancada de pesquisa e realizou estudos iniciais com apoio da Fapesp e provou que era possível a monitorização da pressão intracraniana de modo não invasivo. Anos mais tarde, em 2014, para transformar sua descoberta em uma oferta de saúde, Mascarenhas se uniu a ex-alunos e empresários para desenvolver a tecnologia e fundar a brain4care.
A tecnologia brain4care, aprovada pela Anvisa no Brasil, e FDA, nos Estados Unidos, é utilizada em um contexto multimodal, ao lado dos demais exames que fazem parte do protocolo de diagnóstico de HPN em pessoas de todas as faixas etárias. Antes, a única maneira de ter acesso a dados sobre a pressão intracraniana era por métodos invasivos, como a punção lombar ou o padrão ouro – a inserção cirúrgica de um cateter na caixa craniana, utilizado em pacientes neurocríticos.
Da Agência Brasil