Considerada uma ‘doença do passado’ e cercada por muitos estigmas, a hanseníase segue como um desafio importante para a saúde global. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que, em 2022, foram registrados 174 mil casos de hanseníase no mundo.
O Brasil estava em segundo lugar no ranking global em número de novas ocorrências, atrás apenas da Índia. A taxa de incidência é de 10,68 casos por 100 mil habitantes, de acordo com o Ministério da Saúde, sendo considerado um alto índice endêmico.
Em todo o mundo, estudos tentam buscar soluções para o enfrentamento dessa doença crônica, infecciosa e altamente contagiosa. No Brasil, pesquisadores da Escola de Medicina e Ciências da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) desenvolveram um sistema de inteligência artificial (IA) que calcula os riscos de um paciente com hanseníase desenvolver reações graves relacionadas à doença.

O Separeh – Sistema Especialista para Previsão de Risco de Ocorrência de Estados Reacionais em Hanseníase é uma plataforma online que pode ser acessada gratuitamente por qualquer pessoa. Desde sua implantação, o site já recebeu cerca de 6,5 mil acessos, de mais de 45 países.

Pesquisa da PUCPR, em comunidade no Pará ouviu 1,4 mil pessoas (Foto: Divulgação)

Complicações da hanseníase

Segundo o professor Marcelo Távora Mira, existem dois tipos de quadros graves, chamados de estados reacionais. Um deles é a Reação Tipo 1 (RT1) ou Reação Reversa (RR), que tem como principal característica o aparecimento súbito de lesões cutâneas inflamatórias novas ou piora de lesões preexistentes.

O segundo tipo é a Reação Tipo 2 (RT2) ou Eritema Nodoso Hansênico (ENH), que desencadeia uma reação imunológica após um grande número de bacilos da hanseníase morrer e se decompor gradualmente.

Os estados reacionais da hanseníase são graves e imprevisíveis, podendo acontecer mesmo depois da conclusão do tratamento pelo paciente. Se essas complicações não forem diagnosticadas e tratadas imediatamente, podem levar a danos neurais permanentes”, explicou o professor da PUC-PR.

Pesquisa liderada pelo professor Marcelo Távora Mira, da PUCPR, em comunidade no Pará (Foto: Divulgação / PUCPR)

Como funciona a ferramenta

Para elaborar o Separeh, foram utilizadas técnicas de mineração de dados e IA, em que algoritmos avaliam um grande banco de dados, com informações clínicas, sociodemográficas, genéticas, laboratoriais e de histórico familiar de quatro amostras populacionais brasileiras, de todas as regiões do país, totalizando 1,4 mil pacientes.

Ao acessar a plataforma, o usuário não precisa inserir todas as informações listadas no Separeh, já que há dados que não existem nos centros de atendimento primário à saúde, como os dados genético-moleculares. O professor Marcelo Távora Mira como é feito o trabalho de calcular o risco de complicações da doença.

O cálculo de risco será realizado de qualquer forma; a diferença é que, quanto mais informações são fornecidas, maior é a sensibilidade e a especificidade do sistema, que podem atingir, respectivamente, 85,7% e 89,4%”, disse Mira.

Participaram do projeto professores e estudantes dos programas de pós-graduação em Ciências da Saúde, Informática e Tecnologia em Saúde da PUCRPR. O trabalho  também envolveu pesquisadores de instituições como Universidade de Brasília (UnB), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Instituto Lauro de Souza Lima e Fundação Hospitalar Alfredo da Matta (Fuham), entre outras.

O artigo “Prediction of the occurrence of leprosy reactions based on Bayesian networks” (“Previsão da ocorrência de reações hansênicas com base em redes bayesianas”, em tradução livre), que descreve o desenvolvimento da plataforma, foi publicado na revista científica “Frontiers in Medicine”. O trabalho pode ser acessado na íntegra neste link.

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Maior desafio é enfrentar o estigma, diz dermatologista

O tratamento, feito com antibióticos e quimioterápicos, leva de seis a 12 meses e é importante que não seja interrompido

Embora a hanseníase tenha cura, a discriminação contra os pacientes ainda é um dos fatores que dificultam seu enfrentamento. “O maior problema é o estigma. As pessoas escondem a doença até dos familiares, então fica mais difícil o controle”, afirma a dermatologista do Seconci-SP (Serviço Social da Construção), Marli Manini.

A especialista explica que a doença pode ficar incubada por até cinco anos e a transmissão ocorre quando aparecem os sintomas. O tempo de incubação dificulta a detecção da origem da infecção. Os primeiros sintomas são manchas sem pelos e falta de sensibilidade na pele.

“A maior parte da população já nasce resistente à doença e só algumas pessoas que entram em contato com doentes sem tratamento adoecem”, diz a dermatologista. Manini explica que, após a incubação, as lesões variam de acordo com a resistência do organismo do paciente, apresentando diferentes formas, contagiosas ou não.

Quando não tratada, a hanseníase afeta os nervos periféricos; além da perda de sensibilidade, causa retração dos dedos das mãos e incapacidade física nos casos mais graves. A hanseníase tem cura e o tratamento com antibióticos e quimioterápicos leva de seis a 12 meses. “O tratamento completo é importante para que haja a cura, pois o abandono pode levar a uma resistência aos medicamentos”, completa.

Com informações da PUCPR e do Seconci-SP

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