A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 2,8 milhões de pessoas em todo o mundo são afetadas pela esclerose múltipla, doença neurológica crônica, degenerativa e autoimune. Ela é atualmente uma das principais causas de deficiências não traumáticas e de incapacidade neurológica em jovens adultos.

Segundo dados da Federação Internacional de Esclerose Múltipla, a prevalência é de 15 a 27 indivíduos a cada 100 mil habitantes. Só no Brasil, são mais de 40 mil casos, sendo a maioria entre adultos jovens, com idades entre 18 e 40 anos, em plena fase produtiva. Nos últimos anos, tem sido observado um aumento no número de casos de esclerose múltipla em várias partes do mundo, incluindo o Brasil.

O número de achados nos exames que podem indicar EM após a confirmação por meio de outros indicadores, vem aumentando ano a ano na FIDI – Fundação Instituto de Pesquisa e Estudo de Diagnóstico por Imagem, instituição filantrópica de saúde que realiza mais de 5 milhões de exames por imagem anualmente.

Em 2020, eram realizados 209 exames para cada achado, o que significa quase 0,05% dos exames realizados. Já em 2023, este número praticamente dobrou, superando 0,1% dos exames realizados, com um achado para cada 99 exames. Esse aumento tem levantado preocupações e desafiado pesquisadores a investigar suas causas subjacentes.

Maioria das vítimas são mulheres jovens

Além disso, há uma predominância maior de casos em mulheres, com uma proporção de aproximadamente três para cada dois homens, sendo mais frequente em mulheres entre 20 e 40 anos. No público feminino, foram achados cerca de 1,1 mil, enquanto no masculino esse número cai para 507 achados.

No entanto, apesar dessa tendência, a esclerose múltipla pode afetar pessoas de ambos os sexos e de qualquer idade. “Por isso, independente dos dados é importante que toda população mantenha os exames diagnósticos em dia”, ressalta Harley de Nicola, da Fidi.

Impacto na qualidade de vida e saúde emocional

A esclerose múltipla é uma doença autoimune crônica do sistema nervoso central que pode ter um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. Um dos maiores problemas dessa doença é que afeta uma população jovem, com uma vida inteira pela frente.

“São pessoas que querem vínculos sociais, sucesso profissional, construir família. Com o diagnóstico precoce e os tratamentos atuais, todos esses planos seguem como possíveis”, destaca Felipe Schmidt, coordenador do serviço de neurologia dos Hospitais Vitória e Samaritano, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.

esclerose múltipla também pode causar impacto emocional, e a terapia com psicólogo pode ajudar o paciente a lidar com o estresse e a ansiedade. Além disso, participar de grupos de pacientes pode proporcionar um espaço para compartilhar experiências e dicas práticas.

A esclerose múltipla não apenas afeta os pacientes diretamente, mas também suas famílias e cuidadores, tornando crucial a busca por melhores opções de tratamento e maneiras de minimizar seu impacto na sociedade.

Doença autoimune, crônica e incurável

A esclerose múltipla ocorre quando as próprias células de defesa do organismo atacam a mielina, substância que envolve e protege as fibras nervosas no sistema nervoso central (SNC). Isso resulta em inflamação e danos duradouros à mielina, causando interrupções na comunicação entre as células do cérebro e do restante do corpo.

“Essa patologia é desmielinizante, isto é, atua destruindo a mielina, estrutura responsável pelas sinapses saltatoriais, fragilizando o sistema neurológico”, complementa Karoline Cohen, neurologista do Centro de Medicina Diagnóstica do Hospital São Luiz Campinas, da Rede D’Or.

A doença leva a uma série de lesões cerebrais e na medula espinhal e pode causar uma variedade de sintomas neurológicos, que incluem fadiga, fraqueza muscular, dificuldades de coordenação, problemas de visão e até mesmo problemas cognitivos e emocionais. Com sintomas que variam de fadiga e dificuldade de movimentação a problemas de visão e coordenação.

 “Apesar de ser um problema crônico e incurável, há tratamento disponível para o controle dos sintomas, que confere maior qualidade de vida e independência. Quando não tratadas de forma adequada, em atendimentos especializados, podem ocorrer sequelas neurológicas graves e definitivas”, destaca Schmidt.

Surtos podem aumentar sequelas

Além disso, a doença pode ser subdividida de acordo com as crises frequentes de inflamação no sistema nervoso central (também chamados de “surtos”) com o aparecimento agudo de sintomas neurológicos. Estes, duram dias ou até semanas, com melhora parcial ou total, mesmo sem tratamento.
“O problema é que com a repetição dos ‘surtos’, as sequelas tendem a se acumular, agravando o quadro do paciente. O segundo subtipo é a forma progressiva, caracterizada pela recorrência de sintomas no decorrer de meses a anos, com incapacidade futura. Por isso, quanto mais precoce o início do tratamento, maior a chance de sucesso e menores serão as sequelas”, explica.

Baixos níveis de vitamina D

A esclerose múltipla é multifatorial, ou seja, é causada por uma soma de fatores que o paciente é exposto durante a vida. Não existe um único fator de risco para a doença, mas uma combinação de fatores associados que podem predispor ou atuar como gatilho, como explica Ivanete Minotto, médica radiologista e gerente médica da FIDI.

A predisposição genética é um fator importante. Vários genes já foram descritos como relacionados à doença, mas a ausência deles não garante que uma pessoa não vá ter, e nem a presença deles significa, necessariamente, que vá acontecer.

“Não basta ser geneticamente predisposto, há uma série de fatores ambientais como infecções da infância, alimentação, exposição a substâncias, níveis de vitamina D, entre outros, poucos conhecidos, para o desenvolvimento da esclerose”, diz Felipe Schmidt.

Além da predisposição genética, a doença está relacionada ao tabagismo, obesidade na infância e certos tipos de infecções virais. Os baixos níveis de vitamina D, que ocorre mais frequentemente em regiões de pouca exposição solar do hemisfério Norte, por exemplo, estão relacionados ao maior risco de desenvolvimento.

Vírus da doença do beijo pode causar EM

Outro gatilho que parece ser fundamental é a infecção pelo vírus Epstein Barr (causador da mononucleose, conhecida como a ‘doença do beijo’). Quase a totalidade dos pacientes com esclerose múltipla já tiveram contato com o vírus, mas é importante lembrar que mais de 95% da população brasileira adulta já teve contato com o vírus e a imensa maioria não desenvolve a doença.

Estão sendo desenvolvidas vacinas contra o vírus Epstein Barr, com o objetivo de reduzir a taxa de infecção e, possivelmente, o desenvolvimento da esclerose múltipla.

 

Quando reconhecer o ‘abraço da esclerose’

 

Os sintomas relacionados à EM são variados, como fraqueza muscular, alteração de sensibilidade (dormência, queimação ou dor em algum segmento, de um dos lados do corpo ou por vezes do tronco para baixo), perda ou turvação na visão de um dos olhos, associada à dor, visão dupla, desequilíbrio ao caminhar e dificuldade no controle da urina (incontinência urinária).

 

A fadiga (sensação de falta de energia) é muito comum na doença, e pode contribuir muito com a incapacidade. Além da perda de força, s, redução da visão, outro agravo, se não tratada, é a perda de mobilidade, que pode vir de modo leve ou exigir o uso de cadeira de rodas.

“É importante entender que os sintomas podem ser persistentes, tendo que durar mais do que 24 horas. Sinais de curta duração, em geral, não são relacionados à doença”, ressalta Schimidt.

O especialista também destaca algumas características que, quando presentes em pessoas jovens, despertam o “sinal de alerta” para o diagnóstico, como sensação de aperto na região do tórax, conhecido como “abraço da esclerose”, além de dor intensa e intermitente em um dos lados da face.

“É fundamental compreender que muitos dos indícios relacionados à esclerose múltipla são comuns em outras condições e, eventuais dormências e formigamentos, de curta duração, podem ocorrer em pessoas normais. O diagnóstico exige a realização de uma anamnese e exame físico minucioso, além de exames complementares como ressonância magnética, entre outros”, esclarece.

Informação salva vidas 

Apesar de conhecida há muito tempo, nos últimos anos a doença tem ganhado atenção e, por consequência, diagnósticos e tratamento cada vez mais precoces e eficientes. Recentes avanços no tratamento e diagnóstico prometem uma nova era de esperança para pacientes e suas famílias,

Por isso, é fundamental aumentar a conscientização sobre a doença, seus sintomas e tratamentos disponíveis. O apoio contínuo à pesquisa é fundamental para entender as causas subjacentes do aumento de casos e desenvolver estratégias de prevenção mais eficazes.

No Dia Mundial de Conscientização Sobre a Esclerose Múltipla, celebrado em 30 de maio, é crucial conscientizar a sociedade sobre essa complexa condição neurológica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo.

Diagnóstico precoce é a chave para melhor qualidade de vida

É importante ressaltar a dificuldade do diagnóstico da EM. Esse processo é complicado e baseia-se em uma combinação de sinais clínicos, ressonância magnética e testes laboratoriais, o que pode levar tempo e, muitas vezes, resulta em diagnósticos tardios que podem comprometer a eficácia do tratamento.

Por isso, especialistas alertam que o diagnóstico precoce, aliado ao acompanhamento médico detalhado, é a chave para a estabilização e qualidade de vida dos portadores.  O diagnóstico da doença é realizado pelo neurologista, por meio da avaliação clínica e de exames como ressonância magnética de crânio, da coluna e análises laboratoriais. O tratamento visa conter os surtos, principal evolução da esclerose.

“Ao barrar o acúmulo dessa progressão, possibilitamos uma normalização de rotina ao paciente. Nos surtos iniciais a enfermidade apresenta sintomas que duram dias ou semanas, evoluindo para uma melhora espontânea. Após algum tempo, sua recuperação passa a ser mais lenta e parcial, trazendo sequelas cada vez mais incapacitantes”, alerta Karoline Cohen.

Medicações injetáveis, orais e infusionais são hoje as terapias de combate à evolução do quadro, sendo aplicadas de forma individualizada, sempre dependendo da gravidade e demanda de cada caso”, finaliza a médica do São Luiz Campinas.

Avanços no diagnóstico e tratamento

De acordo com a radiologista, os principais exames para detecção da esclerose múltipla são a ressonância magnética e a coleta de líquor. Outros exames laboratoriais, como exames de sangue, também são realizados, principalmente para afastar outras etiologias que possam levar a um padrão clínico ou de imagem semelhantes.

“Exames de imagem têm papel essencial no diagnóstico da esclerose múltipla, principalmente a ressonância magnética de crânio e coluna, a qual tem maior especificidade no mapeamento das lesões, auxiliando no diagnóstico, na exclusão de outras doenças com características semelhantes, auxiliando a avaliar a eficácia do tratamento, progressão ou estabilização da doença, entre outras funções”, completa a Dra. Ivanete Minotto.

O principal desafio relacionado ao diagnóstico da doença é a diferenciação de outras enfermidades desmielinizantes. “Por isso, a descrição do quadro clínico é muito importante. Fazer o acompanhamento do número de lesões, identificando o surgimento de novas lesões ou a presença de lesões ativas, é fundamental para a confirmação do diagnóstico, para avaliar a forma da esclerose múltipla e para avaliar a eficácia do tratamento. Para isso é necessário sempre realizar a comparação com exames anteriores”, explica a Dra. Minotto.

Tratamento e reabilitação 

O tratamento para a esclerose múltipla varia de acordo com o estágio da doença, a gravidade dos sintomas e as características individuais do paciente. Geralmente, os objetivos do tratamento são controlar os sintomas, retardar a progressão da doença, reduzir as recorrências de surtos e melhorar a qualidade de vida dos pacientes, podendo envolver uma abordagem multidisciplinar, que inclui medicamentos, terapias, modificações no estilo de vida e apoio psicossocial.

Entre as terapias físicas e de reabilitação, a fisioterapia ajuda a melhorar a força muscular, a coordenação e a mobilidade; a terapia ocupacional ajuda a desenvolver habilidades para lidar com as atividades diárias e a manter a independência; a fonoaudiologia pode ser útil para problemas de fala e deglutição; e a terapia de controle da espasticidade inclui exercícios e técnicas para aliviar a rigidez muscular.

Em relação ao estilo de vida, manter-se ativo também pode ajudar a melhorar a força muscular, a flexibilidade e a saúde geral, assim como uma dieta balanceada e saudável pode contribuir para o bem-estar geral e a saúde do sistema imunológico. Além disso, a gestão do estresse, com práticas como meditação e ioga, pode ser muito benéfica.

É importante ressaltar que o tratamento para a esclerose múltipla é altamente personalizado. Cada paciente é único e pode responder de maneira diferente às opções de tratamento. Portanto, é fundamental que os pacientes trabalhem em conjunto com seus médicos para desenvolver um plano de tratamento adequado às suas necessidades específicas.

No campo do tratamento, Dr. Felipe disse que hoje há medicamentos eficazes e que ajudam os pacientes no seu dia a dia e na estagnação da doença. Apesar desses avanços, ainda existem desafios significativos.

“Além disso, a pesquisa contínua na área está trazendo avanços promissores no tratamento da doença, o que pode resultar em melhores opções no futuro”, afirma o especialista.

Com Assessorias

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